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"Sou bióloga e criei projeto para levar mulheres cientistas à Antártida"

Francyne Elias-Piera é bióloga marinha e já participou de cinco expedições para o continente, essa da foto foi em 2018 Imagem: arquivo pessoal

Francyne Elias-Piera em depoimento para Claudia Dias

Colaboração para Universa

07/07/2021 04h00

"Desde criança sou fascinada pela Antártica. Aos 8 anos já colecionava tudo o que encontrava sobre o assunto: reportagens, fotos, brinquedos, bichos de pelúcia, souvenires, brincos e colares com animais marinhos. Adorava desenhos e filmes com personagens que viviam na praia.

Estudei muito, me tornei bióloga marinha e, aos 23 anos, realizei meu sonho de conhecer o continente - depois disso, fui para lá mais 4 vezes. Por conta das minhas experiências, criei o Instituto Gelo na Bagagem e produzo vídeos sobre ciência para o Youtube e Instagram. Através do Instituto, quero incentivar a formação de novos pesquisadores antárticos, principalmente mulheres - ainda somos raridades no meio científico.

"Participei de cinco expedições, totalizando 234 dias no gelo"

Hoje sou bióloga, mestre em Oceanografia Biológica e doutora em Ciência Ambiental. Há 21 anos pesquiso os invertebrados da Antártica e mantenho o Instituto Gelo na Bagagem, uma plataforma de entretenimento e informação, em que ensino às pessoas sobre a importância desse lugar que eu amo tanto.

Tenho 41 anos, mas desde a infância me interesso por Biologia. Escutava meu pai, Marcelo, e meu irmão, Pierre, conversando sobre o assunto. Meu pai é médico e meu irmão sempre quis seguir a mesma profissão. Eu queria cuidar de alguma coisa, mas não dentro de um hospital.

Francyne já participou de cinco expedições para o continente, em estações de pesquisa ou embarcada em navios polares, totalizando 234 dias no gelo. Imagem: arquivo pessoal

Quando estava no Ensino Médio, fiz um teste vocacional e a psicóloga me ensinou que existia a biologia pura. Um professor que trabalhava com genética me explicou sobre a profissão. Já na faculdade, assisti a uma palestra sobre as baleias da Antártica e a paixão só cresceu.

No final do curso, soube que a professora Thais Navajas Corbisier precisava de estagiário para trabalhar com animais invertebrados da Antártica. Não pensei duas vezes: pulei das baleias para os animais bem pequenos, pois estava em busca do meu sonho.

Anos depois, na época em que fazia mestrado, minha orientadora Thais falou que eu iria para Antártica. Fiquei meio em estado de choque, achei que era brincadeira. Felizmente, era verdade. Fizemos um treinamento e, depois, fomos para lá de navio.

Lembro com detalhes do dia em que chegamos, isso no ano de 2003: estávamos navegando e, quando pegamos o Estreito de Drake, não havia uma onda sequer. Mas bastou passar a latitude certinha e mudou tudo: começou a nevar e o céu ficou cinza. Quando fomos pegar o bote para descer do navio, era só pedra de gelo na praia. Chorei muito de emoção naquele dia e choro toda vez que chego lá. É uma sensação inexplicável!

Por causa da Antártica, já morei na Espanha e na Coreia do Sul. Também participei de cinco expedições para o continente, ficando em estações de pesquisa ou embarcada em navios polares, totalizando 234 dias no gelo.

"Meu canal do Youtube tem seguidores fiéis de 5 e de 90 anos"

Quando voltei da primeira expedição, depois de 56 dias na Estação Antártica Brasileira Comandante Ferraz, queria falar sobre o assunto com todo mundo. Fazia uma palestra ou outra em colégios, mas o tempo sempre era curto para tantas curiosidades - que até hoje são as mesmas, de adultos ou crianças.

Em 2012, no meio do meu doutorado em Barcelona, me perguntavam tanto por que eu tinha ido para a Espanha estudar a Antártica que resolvi criar um blog para responder essas curiosidades - mas ele não foi pra frente. As perguntas aumentaram muito mais quando eu fui pesquisar na Coreia, trabalhando no Instituto de Pesquisa Polar Coreano, em 2017.

Nos vídeos do seu canal, ela é a "Dra Fran" que de forma lúdica, compartilha curiosidades sobre a Antártica para os "gelinhos e gelinhas" Imagem: arquivo pessoal

Quando voltei para o Brasil, no início de 2019, as palestras e cursos aumentaram, o canal no YouTube e o Instagram foram crescendo e senti a necessidade de criar o Instituto Gelo na Bagagem, a primeira plataforma de entretenimento antártico, para difundir uma consciência ambiental sobre a Antártica e os oceanos, bem como ajudar as pessoas a darem os primeiros passos em ações sustentáveis.

Nos vídeos que produzo para o YouTube e no conteúdo para o Instagram, sou a Dra. Fran. Nas plataformas, de forma lúdica, compartilho experiências, histórias de pesquisadoras e, é claro, muitas curiosidades sobre a Antártica para os "gelinhos e gelinhas" que acompanham tudo. Comecei falando com jovens de 15 a 22 anos. Hoje, também falo com professores e outros perfis. Tenho seguidores fiéis de 5 e de 90 anos, ou seja, meu público é de todas as idades, mas a maioria tem de 20 a 30 e poucos anos, segundo as estatísticas.

"Criei instituto para incentivar novos pesquisadores, principalmente mulheres"

Além desse propósito, desde o começo quis conversar com meninas, porque senti falta dessa referência na minha jornada. Em 2013, fiz parte da organização de um congresso em Barcelona e, durante um almoço, me dei conta de que existia só uma mulher dentre os cargos de vices do Comitê Científico de Pesquisa Antártica (Scientific Committee on Antarctic Research - SCAR). Cheguei a questionar porque mulheres eram minoria e ninguém me respondeu. Foi aí que resolvi entrar neste mercado mais específico e ser exemplo para as meninas.

Francyne quer oferecer uma mentoria específica para meninas que queiram virar cientistas Imagem: arquivo pessoal

Através do Instituto, quero incentivar a formação de novos pesquisadores antárticos, principalmente mulheres, tanto no Brasil, como no México e no Chile. Eu acredito que o primeiro passo que todos nós temos que dar para termos mais mulheres de destaque no mundo é deixar que as meninas escolham ser o que quiserem, inclusive pesquisadoras.

Sinto que as poucas garotas que têm coragem de assumir a vontade de se tornarem pesquisadoras enfrentam o mundo ao redor as desencorajando a estudar Ciências. As que superam e entram na faculdade, muitas vezes, não terminam porque são desanimadas por professores ou escutam tanta piada dos amigos que desistem.

No mestrado, lembro que isso vinha até das professoras, que viviam dizendo que a gente não aguentaria ou não iria se casar. Diziam que seríamos poucas nos meios dos homens. Hoje, felizmente, este desencorajamento está menor, só que ainda existe.

Além disso, em trabalhos de campo, normalmente, as mulheres são minoria. É uma situação difícil, porque temos que lidar com várias piadas machistas e com o assédio. E isso não é só no Brasil, não. Até na Coreia passei por situação de assédio e ninguém havia me contado que era assim - e olha que a primeira vez que eu fui para lá eu tinha só 23 anos.

Para o futuro, por meio do Gelo na Bagagem, quero organizar e oferecer uma mentoria específica para meninas - o "EVA - Exploradoras". Também quero oferecer orientação e pesquisa e ser o primeiro instituto particular a bancar alunos e pesquisas. Também penso em uma exposição bacana e única sobre a Antártica.

E quando voltar para lá, meu objetivo é o mergulho em águas frias - em temperatura entre 1,5 grau positivo e negativo - que ainda não fiz. Ainda quero ir a alguns pontos mais turísticos que não visitei e, inclusive, levar meus alunos para a Antártica também." Francyne Elias-Piera, 41 anos, bióloga marinha, de São Paulo (SP)

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