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Ela cruza até riacho para vacinar idoso em zona rural do CE: "vale a pena"

A técnica de enfermagem Maria Silvana Braga conta que idosos acamados de Itapipoca (CE) achavam que vez deles para imunizante contra covid-19 "nunca iria chegar" Imagem: Arquivo pessoal

Maria Silvana Braga, em depoimento a Carlos Madeiro

Colaboração para Universa

13/04/2021 04h00

"Trabalho na UBS [Unidade Básica de Saúde] do Arapari, zona rural de Itapipoca (CE), há três anos. Fazemos um trabalho brilhante, e eu amo a minha equipe, porque a gente sempre foi muito parceiro. Agora, com a pandemia, ficou muito difícil para todos, e vacinar contra a covid faz parte da nossa rotina — apesar de ser um desafio, é prazeroso.

Começamos a vacinar no começo de fevereiro, com o grupo de idosos acamados. Foi uma alegria, uma coisa linda de ver. A gente estava levando um sonho para essas pessoas que estavam há tanto tempo esperando para receber essa dose de vacina contra covid. No começo da pandemia, eles achavam que a vez deles não chegaria tão cedo, mas, quando chegou, vocês não têm noção da alegria: eles se emocionam, agradecem a gente, a Deus. Tem idosos que dão até um tercinho de presente.

Quando a gente chega na casa de uma pessoa para ser vacinada, muitos familiares falam da ansiedade pela espera. 'Minha mãe estava tão ansiosa que nem almoçou, ninguém aqui em casa almoçou', contou uma delas — e olha que já passava das 15h.

Quase não temos recusa. De 50 pessoas que a gente vacina, por exemplo, só duas se se negam a tomar. E os que recusam depois se arrependem e voltam pedindo para tomar vacina.

Não é fácil ir às casas na zona rural do Nordeste. Quando tem chuva, o carro não chega até muitas pessoas, e a gente vai andando com a caixa térmica, a caixa de seringa e o descartex [caixa específica para descarte de materiais de saúde]. Nada disso, porém, nos desanima. Ao contrário: a equipe está sempre extrovertida, trabalhando com sorriso no rosto.

A nossa área da UBS fica em uma serra, e talvez seja uma das que tem o pior acesso por aqui. Mas a gente vai de qualquer jeito, cruza até riacho, como dá para ver no vídeo que viralizou [veja abaixo]. Naquele dia, fomos vacinar uma senhora que tem artrose, artrite e reumatismo e estava sonhando com essa dose. Mas o riacho estava muito cheio, a enfermeira tentou cruzar, mas não teve passagem.

Aí sobraram algumas doses naquele dia de pacientes que não compareceram ao posto e a gente tentou de novo ir até a casa dela, mas o acesso continuava difícil, porque o riacho ainda estava cheio. Eu estava com uma calça muito colada, não dava para subir a barra, e eu disse à agente de saúde: 'Tu vai me passar para o outro lado'. Ela arregaçou a calça, que era mais larga, levou a caixa térmica com a vacina e eu levei a prancheta.

Chegamos lá e foi uma alegria para a senhora, que falou: 'Meus filhos, só vocês mesmo. Deus abençoe'. Uma fala assim traz uma paz tão grande que a gente sai de lá feliz, abençoada mesmo.

A gente se dedica muito. Algumas vezes, saímos vacinando aos sábados — fazemos isso para não atrapalhar o fluxo de atendimento da semana. Muitas vezes, a gente fica até umas 20h. Isso acontece se a gente termina a vacinação do dia, mas ainda sobram frascos com doses do dia. Aí ligamos para a agente de saúde mais próxima, pedimos para ela avisar a família e vamos de imediato.

O dia fica puxado, mas ver aquela pessoa ser privilegiada com a dose tão inesperada é tão gratificante. Vale a pena.

Essa é nossa rotina: a gente vai rindo, não vê dificuldade, passa do horário...

Nesse momento de desespero com a pandemia, estamos passando força e coragem para as pessoas. A gente precisa fazer com que nossa vacina chegue até o idoso que está precisando, que está querendo ser imunizado. Tem família que tanto espera, com medo de perder o pai, a mãe. Fazer esse trabalho não tem preço, não tem dinheiro que pague."

* Maria Silvana Braga, 40, técnica de enfermagem e vacinadora em Itapipoca, semiárido do Ceará

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