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Boy imune: vacina da covid vira isca de paquera em perfis de apps de namoro

Assim como o psicólogo Thiago, outros usuários de apps de namoro também estão colando a info de "vacinados" em seus perfis - Arquivo pessoal
Assim como o psicólogo Thiago, outros usuários de apps de namoro também estão colando a info de "vacinados" em seus perfis Imagem: Arquivo pessoal

Júlia Flores

De Universa

22/03/2021 04h00

A bio de um aplicativo de paquera pode ser determinante para você conseguir um match. Para quem chegou a 2021 sem nunca ter usado um desses apps, aqui vai uma curta explicação: além de fotos, da distância e da orientação sexual, no perfil dos usuários também tem espaço para uma pequena descrição sobre quem você é - e um cortejador experiente sabe que uma bio de qualidade garante um deslize de aprovação para a direita.

Mas em meio a uma pandemia, além do desejo por um match, os usuários também estão interessados em saber se o possível parceiro está cuidando da saúde. Uma pesquisa feita pelo aplicativo Inner com 3 mil solteiros brasileiros mostrou que 69,2% dos usuários disseram que querem que as pessoas confirmem em seu perfil que já foram vacinadas. 69,6% responderam que adicionariam essa info à própria biografia. E assim a #vacinado começa a virar tendência nos textos de apresentação dos apps.

Durante uma semana, a reportagem de Universa monitorou quatro aplicativos de relacionamento - Inner Circle, Tinder, Bumble e Happn - para descobrir se os brasileiros estão adicionando ao perfil que foram #vacinados. Na busca, foram selecionadas as preferências de paquera por homens héteros, de 20 a 40 anos, próximos a Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo.

Foi no Tinder que encontramos o maior número de "contatinhos vacinados" - ainda que as taxas de vacinação estejam baixas no país (cerca de 5% da população vacinada) - a foto de um deles, inclusive, era segurando o certificado de vacinação contra a covid. Nos outros aplicativos, porém, as pessoas também estão transformando agulha em flecha.

"Tomei vacina e não virei jacaré"

O psicólogo Thiago Bhering escreveu na bio de um aplicativo de namoro que está vacinado contra a Covid. Para ele, imunizante é "ostentação" - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O psicólogo Thiago Bhering escreveu na bio de um aplicativo de namoro que está vacinado contra a Covid. Para ele, imunizante é "ostentação"
Imagem: Arquivo pessoal

Thiago Bhering é psicólogo e tem 30 anos. Ele foi vacinado em Cotia, município que já disponibilizou o imunizante para a maior parte dos funcionários da saúde e onde Thiago atende presencialmente. "Vacina é a nova ostentação", ele brinca no começo da entrevista.

Ele contou que adicionou o #vacinado ao perfil por dois fatores: "Daqui a um tempo estar vacinado vai ser um grande diferencial. Na balada as pessoas vão estar pedindo RG e a carteirinha de vacinação. Além disso, também quero incentivar a vacinação. Tipo, eu tomei e estou vivo, é só uma vacina. Ninguém vai virar jacaré, está de boa".

Na opinião do psicólogo, a vacina não aumenta "em muito" a chances dos crushs aceitarem o convite para encontro, mas é um assunto que rende conversa. "Algumas pessoas vêm pedir qual vacina eu tomei, metade das que eu converso pedem informações sobre o imunizante, se eu tive efeito colateral. Sai do 'onde você mora, com o que você trabalha', para 'que vacina tomou?'", conta.

Outra pesquisa do Inner Circle com 3 mil solteiros britânicos revelou que 71% dos entrevistados reconsiderariam namorar alguém que se recusa a tomar a vacina. Para Thiago acreditar na ciência também é um fator determinante na hora de dar like ou deixar um "x" no perfil do arroba.

Antes de Thiago, os primeiros boys imunizados encontrados pela reportagem eram gringos. No Bumble, um americano de 25 anos contou que adicionou a info ao aplicativo porque "queria mostrar aos outros que é seguro se encontrar com ele e muita gente se importa com a vacina". Ele não é da área da saúde, mas recebeu a dose nos Estados Unidos, país em que a campanha de imunização avança a passos largos.

O segundo crush imune foi um israelense, de 35 anos, que também viajou até a sua terra natal para garantir a imunização. Ele não disse qual o fator que o levou a adicionar a info ao perfil, mas me deu detalhes até sobre o laboratório que produziu o medicamento. "Tomei da Pfizer", disse, querendo impressionar.

#Vacinado é o novo #EleNão?

"Covid vaccinated": prints de usuários de aplicativos que colocaram "vacinados" na bio do perfil - Reprodução Tinder / Bumble / Inner Circle - Reprodução Tinder / Bumble / Inner Circle
"Covid vaccinated": prints de usuários de aplicativos que colocaram "vacinados" na bio do perfil
Imagem: Reprodução Tinder / Bumble / Inner Circle

Para a psicanalista Marcia Tolotti, a vacina é um fator competitivo na hora de dar match com alguém. "A bio serve para mostrar o que você tem de mais valioso. É a hora de passar uma boa impressão. Informar que você já tomou vacina, ou que você acredita na imunização, pode ser um divisor de águas na hora da escolha", diz.

Se a bio serve para impressionar, é comum encontrar descrições com posicionamentos políticos nos perfis dos usuários. Seria o "#Vacinado" o novo "#EleNão" ou "#ForaPT" do momento? A psicanalista acredita que sim. "Na bio, a pessoa está mostrando quais são as próprias crenças e valores. Como agora alguns duvidam da ciência, ao colocar essa informação eu já exponho um valor meu para saber se a pessoa está de acordo com ele", completou.

Thiago disse que "estar vacinado" não mudou a frequência de matchs e dates, mas, na opinião de Márcia, esse pode ser um fator que influencie sim na hora de aceitar um convite para um encontro. "É óbvio que se eu tenho três opções de escolha, e um deles está vacinado, vou preferir o último. Psicologicamente, vou ter uma predisposição maior para aquela pessoa, mesmo que eu não perceba. Vou tender a achar o que ela fala mais interessante, dar mais atenção. Não garante nada, mas há mais abertura. Temos mais chances de me relacionar com alguém que me dá mais sensação de tranquilidade, de conforto", explica a psicanalista.

Vacina não te dá "cartão de liberdade" para ver o crush

A infectologista Rosana Ritchmann alerta, entretanto, que estar vacinado não garante a imunização completa e não elimina as chances de você contaminar o seu possível parceiro. "Estamos vendo pessoas que tomaram a vacina se contaminando por covid, felizmente nenhum caso grave. Mesmo vacinadas, as pessoas podem continuar transmitindo o vírus. Enquanto o vírus estiver circulando nesse nível igual o de agora melhor evitar contatos desnecessários", explica a médica pesquisadora do Instituto Emílio Ribas.

Mas a médica traz uma mensagem de conforto para os solteiros da pandemia: "Mas, puxa, eu nunca mais vou poder namorar tranquilo? Não é bem isso. A hora que tivermos uma parcela grande da população vacinada e o vírus parar de circular nessa velocidade, daí seguramente ele vai infectar menos gente e aí sim vai chegar o momento de encontrar outras pessoas".