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Problemas da vagina podem começar na cabeça; entenda ginecologia emocional

Os problemas de lá podem vir de mais de cima... Imagem: iStock

Aline Dini

Colaboração para Universa

17/11/2019 04h00

Cólica, endometriose, corrimentos, ciclo irregular, TPM fortíssima. Quantos desses problemas relacionados ao seu sistema reprodutor vêm sendo se arrastando há anos? E se você descobrisse que a cura não está exatamente no órgão doente, mas vários centímetros acima, em suas emoções?

Foi buscando a cura para os ovários policísticos que a palestrante Kareemi (que prefere ser chamada por esse apelido), se aprofundou no estudo de tratamentos alternativos, como Ayurveda, Medicina Chinesa e Ginecologia Natural. O autoconhecimento que adquiriu sobre o próprio corpo e sobre o papel das emoções na saúde feminina, resultaram na criação da chamada "Ginecologia Emocional". A GE acredita que tudo começa no emocional e que o sistema ginecológico e, especialmente, o útero, responde às dores que as mulheres sentem.

Desde 2012 mergulhada na busca por conhecimentos alternativos, Kareemi coleciona em sua bagagem estudos de casos de mulheres com problemas ginecológicos. Já são mais de 800 que participaram dos cursos promovidos pela facilitadora, que iniciou esse processo com rodas presenciais e hoje usa o ambiente digital para divulgar o trabalho. A pesquisadora afirma que há três fatores emocionais que estão envolvidos em praticamente 100% dos problemas ginecológicos. São eles: amor próprio, autoestima e a autoconfiança. "Durante todos esses anos trabalhando com mulheres, esses três pontos estiveram presentes na história de vida de quase todas as que relatavam algum tipo de problema ginecológico".

Para falar sobre o reflexo das emoções nos problemas ginecológicos, a criadora da GE conviveu também com mulheres andinas, que são as precursoras dos conhecimentos sobre a Ginecologia Natural "raiz", que entende a importância da conexão entre corpo, mente e alma para a cura completa do corpo. "Defendo que para um tratamento funcionar é preciso que a mulher tenha consciência da origem emocional do problema. E a minha missão é levar a consciência de que nossos úteros nos dão pistas sobre as nossas vidas e dores", diz.

A autonomia feminina e o autoconhecimento são pilares básicos da GE, que incentiva e ajuda as mulheres a fazerem a "leitura" de seus corpos, reconhecendo os sinais de quando algo não vai bem, e encontrando a resposta na raiz do problema. Assim, em vez de simplesmente procurar o médico para iniciar um tratamento padrão, estimula conhecer a causa dos males.

Ginecologia Emocional: aliada da medicina convencional?

Após escutar a história de vida das mulheres que a procuram por meio dos conteúdos de conscientização disponibilizados gratuitamente nas redes sociais ou pelo acompanhamento mais individualizado via workshops, Kareemi apresenta ferramentas que as ajudarão na solução do problema. Entre elas, estão: tratamento psicológico, acupuntura, medicina alternativa, Ayurveda, ioga, meditação, diário do clclo menstrual, trocas de hábitos e quebras de tabus sobre a menstruação ou dependendo do caso, a indicação da necessidade de se consultar com um ginecologista.

Ela é enfática ao afirmar que a metodologia anda de mãos dadas com a medicina convencional. "É dela que vem os recursos para fazer os diagnósticos, por exemplo. Eu não tenho como saber porque que estou com uma dor na região do útero quinze dias antes de menstruar, a não ser que eu procure um médico para ser examinada, faça ultrassom e tenha um diagnóstico fechado", diz. A partir do diagnóstico, no entanto, a GE entra em ação para começar a entender a resposta emocional daquele problema.

Para a vice-presidente da Comissão Nacional Especializada em Anticoncepção da Federação Brasileira de Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Ilza Maria Urbano Monteiro, apesar da Ginecologia Emocional não ser tema de congressos ou informativos da instituição, há um interesse da Febrasgo em caminhar lado a lado do que busca a sociedade.

"Não queremos ficar de fora das discussões. Estudando a Ginecologia Emocional, vi que existe uma parte muito interessante que diz respeito ao autoconhecimento da mulher sobre os processos do seu corpo. E mostrar que o corpo responde de forma muito conectada com as emoções é algo positivo. Uma das mais recentes provas disso é que a falta de menstruação é, na maioria dos casos, resultado de problemas emocionais, como o medo", diz a porta-voz.

A médica ressalta, porém, que há uma linha tênue, um limite, que separa o lado positivo do autoconhecimento pregado na GE do fato que não dá para delegar para a mulher a resolução de seus problemas. "A mulher precisa de orientação médica se, de fato, houver uma doença orgânica. Não dá para dizer, por exemplo, que apenas resolvendo as causas emocionais da endometriose haverá a cura da doença", diz.

A especialista reforça que é muito importante que não haja exageros em nenhum dos lados — tanto na medicina convencional quanto nos métodos alternativos — e que o ideal é caminharem juntos por um objetivo em comum, que é a saúde da mulher. "Também vale dizer que enquanto há mulheres buscando o autoconhecimento para serem protagonistas de suas histórias, muitas ainda chegam até nós querendo que digamos exatamente o que devem fazer. Podemos apresentar todos os métodos contraceptivos, por exemplo, mas quem deve fazer a escolha do que usar ou até não usar são sempre as mulheres", pondera.

Mas minha cabeça afeta mesmo?

Mas até que ponto o estado emocional têm a capacidade de interferir na saúde física do corpo? "Para a psicossomática, ciência que estuda os efeitos de fatores sociais e psicológicos sobre processos orgânicos do corpo, 99% dos problemas têm causas emocionais", diz a psicóloga Rita Calegari, da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo. A especialista cita ainda o livro "Corpo Fala", escrito pelo psicólogo Pierre Weil na década de 70, que defende que nosso corpo se comunica conosco antes mesmo da mente tomar consciência disso.

Rita lembra também que, apesar da evolução da medicina ser responsável para que as terapias ancestrais e naturais fossem deixadas de lado, o desafio do século é mostrar que a ciência médica e toda a sua técnica não estão separadas das emoções e do afetivo. "Estamos num momento de resgate do que foi separado com o avanço das tecnologias e pesquisas científicas. A medicina caminha para enxergar o indivíduo como um ser completo, que tem emoções. E entende que essas interfaces se comunicam e se completam", pontua.

Menos medicamentosas

Essa visão mais ampla vem conquistando ginecologistas que são adeptos de práticas menos "medicamentosas", como é o caso da ginecologista natural e obstetra humanizada Débora Rosa, do Rio de Janeiro. Formada em medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde também fez a residência em obstetrícia, mestrado e atuou como professora, a especialista enxergou nas terapias naturais o casamento perfeito para exercer uma medicina mais individualizada.

"Como mulher, sempre me interessei pelos tratamentos naturais e questionava o motivo pelo qual os médicos nunca falavam sobre eles". Com o passar dos anos, Débora foi notando, na prática, que o perfil das mulheres com endometriose, por exemplo, era o mesmo. "Achei aquilo muito curioso, e resolvi me aprofundar mais no estudo das terapias alternativas. Provava em mim e observava os resultados antes de indicá-las às minhas pacientes. Infelizmente, há uma cultura na nossa medicina tradicional que eleva os tratamentos hormonais em detrimento de outros mais naturais. Falar de tratamentos fitoterápicos, por exemplo, é ser motivo de chacota entre muitos colegas. Mas se o tratamento funciona, por que não indicar?"

Foi com base nessa visão que a médica chegou até a Ginecologia Emocional, e se apaixonou pelos pilares apresentados. "Essa conexão com o feminino e o reconhecimento da causa emocional é importante aliada à saúde das pacientes. Como pesquisadores, não podemos desmerecer um conhecimento em detrimento de outro. Minha torcida é que essa visão mais integral se expanda também a outras especialidades médicas. Certamente os pacientes serão os mais beneficiados", conclui.

Resgate do protagonismo feminino

Um dos pilares mais importantes da GE é justamente a conscientização que o corpo feminino é muito complexo e a maneira como o enxergamos está relacionada não só a nossa história de vida, como também aos fatores históricos e culturais, como conta a psicóloga Rita Calegari, ao relembrar fatos fundamentais da vida da mulher ao longo dos séculos.

Os primeiros xamãs, ela conta, eram mulheres. Elas que cuidavam do grupo enquanto os homens, mais fortes fisicamente, caçavam. E isso fazia com que elas tivessem muita proximidade com a natureza e a forma de tratar as doenças. Com o desenvolvimento da ciência, que aconteceu pelas mãos dos homens, não demorou para que essas xamãs fossem tratadas como bruxas, queimadas em fogueiras. Houve então uma desconexão das mulheres com seus corpos, tendo menos liberdade sobre eles. Até então, havia mulheres cuidando das mulheres. Dali em diante, a medicina entrou em cena e os médicos exerceram essa função.

Aprisionado, o corpo da mulher começou a ser visto como objeto estético e de prazer masculino. "Vieram os padrões de beleza e, sem nos encaixarmos neles, ficamos cada vez mais aprisionadas em nós mesmas. Agora estamos vivendo um novo momento, que é de libertação do corpo da mulher. Ele deixa de ter uma forma para ser aceito ou tido como belo. Por isso, não é de se estranhar que movimentos como o da Ginecologia Emocional estejam em rápida expansão", ela diz.

Ela explica que vivemos o momento de resgate do feminino e não queremos mais aceitar um corpo vendável, comercializável, subutilizado. "Há uma nova geração muito mais consciente, levantando a bandeira desse movimento saudável, que enxerga o corpo como parte integrada da existência. Quando eu consigo entender, por exemplo, que a minha TPM pode ser resultado de um estresse acumulado, e passo a ressignificar essa dor, meu corpo deixa de ser um objeto. É um resgate do feminismo e do feminino, que mostra que tomos somos importantes em nossas singularidades".

Em expansão

O perfil de Kareemi no Instagram conta com 179 mil seguidores, um alcance que expandiu muito mais do que ela imaginava. A facilitadora acredita que um conjunto de fatores é responsável por esse crescimento: desde a maneira como ela explica a relação entre a saúde e as emoções, passando pelos estudos de caso que mostra e o fato de ser algo diferente do que as mulheres estão acostumadas a ver. "Boa parte do público vê que há muito sentido no que eu falo. Também vale dizer que há mulheres que chegam até mim ou porque estão cansadas de tentar tudo quanto é tipo de tratamento para resolver um problema ou porque querem se reconectar com o feminino. Eu as ensino a ter um olhar mais consciente sobre o ciclo menstrual, parar de usar a contracepção hormonal, e entender como usufruir dos benefícios desse centro energético que é o útero", diz.

Foi em busca desse autoconhecimento e do resgate com o feminino que a pedagoga Vânia Aparecida Carvalho, 37 anos, de Sorocaba (SP), participou do workshop conduzido por Kareemi. "Nosso sistema ginecológico é tão complexo e tão sensível, que me dei conta que não sabia quase nada sobre ele. Passei mais de 30 anos sem me conhecer. Mas ao enfrentar e entender os sintomas e os ciclos, tive um encontro comigo mesma. Sempre falo que a Ginecologia Emocional me ajudou no reconhecimento como mulher e no resgate do meu amor próprio, autoestima e autoconfiança. Entendo que a GE não substitui os médicos, mas muitas prescrições médicas poderiam ser evitadas se as mulheres tivessem um atendimento mais individualizado e humanizado. Continuo passando com minha ginecologista, faço exames preventivos uma vez por ano, mas agora cuido muito melhor do meu emocional, o que acaba tendo reflexo positivo na minha saúde de forma geral", conta.

Como era de se esperar, Kareemi recebe diariamente centenas de histórias de mulheres buscando uma solução para os seus problemas, mas defende que não existe uma receita pronta. "O que faço é oferecer as ferramentas para que cada mulher desenvolva a sua autonomia e a partir da sua história", finaliza.

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