A mulher acusada de bruxaria pela própria família que ajuda a salvar outras de tortura e morte
Quando o pai de Monica Paulus desmaiou e morreu de um ataque cardíaco, seu irmão a acusou de matá-lo usando bruxaria. Ela foi ameaçada de morte por tortura.
"Toda minha família e todos os meus amigos se afastaram de mim", conta ela. "Fizeram eu me sentir má, sentir vergonha.".
Ela foi forçada a fugir de sua cidade natal e viver no exílio em uma província longe de casa em seu país, Papua Nova Guiné, no sudoeste do Pacífico.
Mas a história de Monica não é única - e poderia ter sido muito pior.
'É bárbaro'
A violência relacionada à acusação de feitiçaria é comum em Papua Nova Guiné. Embora não haja dados confiáveis disponíveis para saber com que frequência isso acontece, os números do governo dizem que houve cerca de 6 mil incidentes nos últimos 20 anos.
As estimativas sugerem que este número é mais alto, com milhares de vítimas - geralmente mulheres e meninas - acusadas todos os anos. É comum que elas sejam vítimas de violência física e sexual. Muitas vezes, as acusações acontecem após mortes súbitas ou doenças inexplicáveis.
"São níveis extremos de violência, alguns dos piores que já vi", diz Stephanie McLennan, gerente sênior de iniciativas para a Ásia da entidade Human Rights Watch, que trabalhou extensivamente na questão das acusações de feitiçaria.
"Há ataques muito violentos e as vítimas são mantidas em cativeiro, são despidas, queimadas com barras de ferro, torturas muitas vezes até a morte. É realmente bárbaro", diz McLennan.
O caso de Mary Kopari ganhou as manchetes internacionais este ano, quando ela foi brutalmente assassinada após a morte de um menino de dois anos.
Ela estava vendendo batatas em um mercado quando uma multidão a capturou e a queimou viva. Ninguém foi preso pelo crime, apesar do incidente ter sido filmado e relatado pela mídia local.
Crucificadas na rua
Quando Monica Paulus enfrentou sua própria acusação de feitiçaria, ela conseguiu escapar.
"No momento em que me acusaram de bruxaria, eu já estava perdida. Eles não precisavam de provas", conta ela.
"Fui banida do funeral do meu pai, não pude participar de jeito nenhum. Sabia que não tinha mais lugar na família, na comunidade ou na tribo", lembra.
Ela acredita que seu irmão a acusou de bruxaria para que ele pudesse ficar sozinho com a herança.
Mas nem todas as acusações têm motivos financeiros - muitas derivam de crenças locais.
"Há mortes desde quando eu era pequena. Isso sempre foi aceito pela comunidade - embora a tortura pela qual elas passavam não fosse tão ruim quanto agora", diz a jovem.
"Antes as mulheres eram mortas silenciosamente, agora elas são levadas às ruas e crucificadas. É realmente desumano."
Pior na pandemia
Nos últimos dois anos, o aumento na violência relacionada à acusações de feitiçaria está correlacionado ao aumento de casos confirmados de covid-19, de acordo com a Human Rights Watch.
"Há uma grande preocupação de que a pandemia exacerbe esta crise - e a violência baseada em gênero é uma crise", diz McLennan.
A correlação ocorre, diz ela, porque há muitas dúvidas quanto à vacina e muito negacionismo da pandemia no país, o que significa que as mortes causadas por covid são muitas vezes atribuídas à bruxaria.
No início deste ano, uma mulher e sua filha foram resgatadas pela polícia depois de terem sido mantidas em cativeiro e torturadas. Elas tinham sido acusadas de praticar bruxaria quando o marido da mulher morreu de covid. Jornais locais relataram que as mulheres, de 45 e 19 anos, sofreram fraturas nos braços e queimaduras causadas por ferro quente.
O governo do país criou agora uma comissão parlamentar para lidar com a violência, que acontece principalmente na região da cadeia montanhosa no interior do país.
"A violência é um câncer que está consumindo Papua Nova Guiné [e] a comunidade. Somos um país cristão, mas matar pessoas por bruxaria não é um comportamento cristão", disse o presidente, Hon Charles Abel.
"Pessoas estão sendo brutalmente mortas e isso não pode ser tolerado. A covid-19 está piorando as coisas, porque as pessoas estão usando isso como uma desculpa para marcar mulheres como bruxas."