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Corvos são inteligentes, mas o que eles entendem sobre a morte?

Mike Groll/AP
Imagem: Mike Groll/AP

Carl Zimmer

18/10/2015 06h00

Nos últimos anos, uma estranha apresentação acontece de tempos em tempos nas calçadas de Seattle (EUA). Tudo começa com uma mulher chamada Kaeli N. Swift jogando amendoim e salgadinho de queijo no chão. Os corvos voam até lá para se alimentar, enquanto Swift observa os pássaros de longe, com o notebook em mãos.

Outra pessoa entra em cena e caminha até os pássaros, vestindo uma máscara de látex e uma placa com os dizeres "Estudos de Corvos da UW [Universidade de Washington]". Nas mãos do cúmplice, um corvo empalhado, exibido como em uma bandeja de canapés.

Essa apresentação não é uma peça de teatro de rua surreal, mas um experimento criado para explorar uma questão biológica profunda: o que os corvos entendem sobre a morte?

Kaeli tem realizado esse experimento como parte de sua pesquisa de doutorado na Universidade de Washington, sob a orientação do biólogo John M. Marzluff. Marzluff e outros especialistas no comportamento dos corvos que estão há muito tempo intrigados com a forma como os pássaros parecem se reunir de forma barulhenta em torno dos companheiros mortos.

Marzluff testemunhou esses encontros muitas vezes e escutou histórias similares de outras pessoas. "Sempre que dou uma palestra sobre corvos, alguém vem me perguntar sobre isso", afirmou.

Marzluff e Kaeli decidiram trazer algum rigor científico para essas histórias. Eles queriam determinar se um corvo morto realmente gera uma reação diferente nos corvos vivos e, caso isso aconteça, qual seria o objetivo dessas reuniões grandes e barulhentas.

Para realizar o experimento, Kaeli começou a levar comida a um local específico todos os dias para que os corvos aprendessem a se reunir no local para comer. Então, um de seus voluntários se aproximava do banquete com um corvo morto, e ela observava a reação dos pássaros.

Quase todas as vezes, os corvos atacaram os voluntários que carregavam o pássaro morto. Kaeli é eternamente grata às pessoas que não abandonaram a pesquisa naquele momento. "Se você já foi atacado por um corvo, sabe que é algo assustador", afirmou.

Entretanto, se o voluntário levasse um pombo morto, os corvos atacavam a pessoa em apenas 40% das ocasiões. E se o voluntário se aproximasse de mãos vazias, os corvos simplesmente se moviam até que o caminho estivesse livre e depois voltavam para a comida.

Em seguida, Kaeli realizou mais testes para ver que tipo de impressão os corvos mortos causavam nos vivos. Uma vez que os corvos são capazes de identificar as pessoas com base em suas características faciais, os voluntários precisavam usar máscaras de látex. Embora ela tenha utilizado um grupo rotativo de voluntários, os corvos viam o mesmo rosto durante todo o experimento. Então, ela voltava ao local onde os pássaros eram alimentados para ver como reagiam.

É uma coisa muito Hannibal Lecter — parece que você arrancou a pele do rosto de alguém e começou a usá-la como máscara

Kaeli passou muito tempo assegurando os habitantes de Seattle de que ela estava fazendo um experimento científico. "Muita gente dizia que não acreditava na gente e que ia ligar para a polícia".

Até seis semanas depois, muitos corvos ainda atacavam os visitantes, mesmo quando eles se aproximavam de mãos vazias. Voluntários que estivessem usando outras máscaras, porém, eram atacados com muito menos frequência.

Kaeli descobriu mais sinais de que os corvos mortos causavam uma impressão profunda nos vivos. Depois de ver um voluntário com um corvo morto, os pássaros demoravam muito mais para se aproximar do alimento. Pombos mortos, por outro lado, não resultavam no mesmo efeito.

No artigo que será publicado na edição de novembro da revista científica Animal Behaviour, Kaeli e Marzluff propõem que os corvos prestam muita atenção em seus mortos como uma forma de acumular informações sobre as ameaças à própria segurança.

É oportunidade de aprendizado de longo prazo. É muito importante saber que você deve se preocupar com a segurança em determinado lugar

A presença de um corvo morto diz que certos lugares são perigosos e devem ser visitados com cautela. Os sons que emitem podem ser uma maneira de compartilhar informações com o restante do grupo.

"Trabalhos como esses nos ajudam a nos lembrar da complexidade cognitiva que existe em outros animas, e não apenas nos humanos", afirmou Teresa Iglesias, bióloga evolucionária ligada à Universidade Nacional da Austrália, que não se envolveu no estudo.

Porém, isso não significa que todos os animais prestam atenção nos mortos. Na verdade, esse é um clube relativamente exclusivo, incluindo espécies como chimpanzés, elefantes, golfinhos e o Aphelocoma californica, um pássaro da família dos corvos.

"É um comportamento comum entre animais que vivem em grupos sociais e são conhecidos por suas avançadas capacidades cognitivas. É incrível pensar que o corvo — um pássaro — faça algo dessa natureza, que tão poucos animais são capazes de fazer até onde sabemos", afirmou Kaeli.