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Computadores na cara são futuro do capitalismo?: as previsões de Amy Webb

A futurista Amy Webb durante apresentação no SXSW 2024 Imagem: Divulgação/SXSW

De Tilt, em Austin (EUA)

10/03/2024 12h03

Durante o SXSW, maior festival de inovação do mundo, é comum ver filas enormes de gente em pé por horas. A peculiaridade é que elas aguardam para ouvir professores universitários. Em Austin, no Texas, eles viram celebridades de Hollywood. É o caso de Amy Webb, futurista americana, que apresentou o painel mais disputado no sábado (9).

Professora de previsão estratégica na Stern School of Business da Universidade de Nova York, ela é fundadora e CEO do Future Today Institute —é daí que vem a fama. Seu relatório de tendências de futuro ("Tech Trends Report") é baixado por milhões de pessoas, está na 17ª edição e traz centenas de previsões em tecnologia que a gente vai ouvir muito em 2024.

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Amy tem o carisma de uma "show woman": arrisca até frases em português tal qual Paul McCartney no palco, em estratégia esperta para valorizar o carinho dos brasileiros, que lotam suas apresentações à espera de insights. A palavra, aliás, é digna de nota. Insight, segundo os dicionários de inglês, é o poder ou ato de ver dentro de uma situação, penetrar, entender a natureza das coisas e vê-las intuitivamente.

É isso que Amy faz, mas a partir dos dias atuais - com um olhar curioso (e até temeroso) para o futuro.

A fala da futurista é fluida, mas não confortável para os fãs dos bilionários donos de grandes companhias de tecnologia. Ela é debochada ao chamar os óculos de realidade virtual de "computadores na cara", por exemplo. Com suas 14 câmeras, o Apple Vision é projetado para ler suas intenções, diz ela.

"Nossos olhos têm uma reação imediata aos estímulos [do Apple Vision], o que é incontrolável. Esse computador vai ler a pupila do seu olho mexendo antes mesmo que você tenha consciência do que pensou e sentiu", ela diz.

Dá para descrever assim o caminho para aceitarmos usar um trambolho como o novo aparelho da Apple no rosto:

  • há 30 anos, o computador estava na sala e era compartilhado pela família toda; Demandava tempo para a conexão.
  • Passou para o quarto, ao se individualizar nas mochilas, sob a forma de notebooks;
  • Depois, migrou para os bolsos, transformado em smartphones.
  • E, agora, grudou em nossas caras, com a criação dos óculos de realidade mista.

"Mas esses ainda são artefatos caros e não estão ao alcance de todos", pontua, procurando —e encontrando— alguém na plateia com os tais óculos.

A próxima fase do capitalismo

A pesquisadora afirma que não estamos diante de uma só tecnologia que transforma o mundo. Encaramos três delas: a biotecnologia, a inteligência artificial e um ecossistema de coisas conectadas. "Não são mais apenas plataformas", ela diz. E passa a criar cenários imaginários com perguntas um tanto alarmistas: e se deixarmos a IA sem supervisão?

Um médico não pode operar sem licença e pode até ir preso se cometer um erro muito grave. A AI não vai para a cadeia se 'alucinar', e quem vai consertar seus erros?
Amy Webb

Quer um exemplo? Amy mostra a clássica a imagem que a inteligência artificial constrói quando é solicitada a imaginar o CEO de uma grande companhia: um homem branco, meia-idade, bem-vestido. Ela faz um teste: crie um CEO com absorvente. O resultado do sistema automatizado vem rápido: a imagem de um homem branco, de meia-idade, bem-vestido, em frente a um painel de vendas onde se vê imagens de absorventes. Mulheres não são sequer cogitadas ali.

O sistema [de inteligência artificial] não foi criado apenas para imaginar homens brancos no poder e, sim, também para pegar nossos dados e opiniões. E se criar um grande evento falso com todos os elementos para que acreditemos se tratar de um fato? E se isso acontecer em Gaza?
Amy Webb

A futurista vai além na digressão catastrófica: em um tempo que todo mundo tem que ter opinião sobre tudo e defender seu lado do debate como se fosse o único certo, a situação é riscar um fósforo em um tanque de gasolina - o tanque é o planeta, o fósforo somos nós.

A visão alarmista é só um jeito apoteótico de prender a atenção dos fãs. Amy exibe um quadro com as fotos de CEOs de Big Tech: Satya Nadella (Microsoft), Elon Musk (SpaceX, Tesla, X), Sam Altman (OpenAI), Tim Cook (Apple) e Jeff Bezos (Amazon). Em seguida, diz que não acha que eles estão sentados em uma mesa pensando em como vão dominar tudo. É talvez a próxima fase do capitalismo. As companhias não são incentivadas a criar serviços seguros, que pensem em privacidade primeiro ou que resolvam problemas. Precisam apenas colocar na rua o próximo grande produto. E, assim, alimentar o próximo ciclo de tecnologia.

Cada vez que alguém coloca o simbólico computador na cara, está, de certa forma, incentivando a supremacia dos megaempresários ditando comportamentos, ela garante. Nada novo: já fazemos isso há anos ao rolar para baixo um catálogo de informação moldado pelo algoritmo.

A questão é como vamos lidar com isso. A catástrofe dos "e se" segue: e se a inteligência artificial der um bug e colocar uma imagem nazista em sua apresentação de slides? Justamente aquela que vai parar na mão de seu chefe. Outro problema: e se ele nem perceber?

E a biotecnologia?

O universo da inteligência artificial e da conectividade já é conhecido por quem sabe como é mandar a Alexa fechar as cortinas e passar um café enquanto o ChatGPT resume em tópicos um relatório em francês antes de traduzi-lo para o espanhol. Mas há algo por vir que ainda foge da nossa compreensão: a "organoid intelligence", diz Amy. "É basicamente um biocomputador feito com células de cérebros", explica. É algo capaz de reconhecer uma voz entre 2,5 mil vozes. Até aqui é preciso cuidado.

"E vamos poder escolher as células humanas a partir de um catálogo? E se pegarmos as células do cérebro de um cara que é muito legal, muito inteligente, até bonito, com excelentes sacadas, só que um pouco racista?". Opa.

Mas ela adverte: o problema não é a máquina, é o uso que fazemos dela. "Precisamos que o governo crie um departamento de transição para o que estamos vivendo", diz.

Pelo discurso de Amy, as máquinas parecem precisar mais de nós do que a gente precisa delas. O insight aqui pode ser: que o olho humano também veja os óculos de realidade virtual em vez de ficar ser passivamente analisado pelo "computador na cara".

Brigue por um futuro. Nós podemos ter sucesso de deixar a humanidade em um lugar melhor. O futuro não pode esperar
Amy Webb

A solução, como na biotecnologia, está nas células de nosso cérebro. O futuro é pensar.

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