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Entenda "confusão" de projetos de lei que mudarão entregas por app em SP

Entregadores de apps podem ser regulamentados por nova lei em São Paulo Imagem: Alice Vergueiro/Estadão Conteúdo

Gabriel Francisco Ribeiro

De Tilt, em São Paulo

21/09/2020 04h00

Sem tempo, irmão

  • PL 130 e PL 578 estão aprovados em primeira votação na Câmara de SP
  • Projetos trazem implicações como necessidade de placa vermelha a entregadores
  • Textos são semelhantes e podem ser unidos em um só para votação decisiva
  • Aplicativos criticam nova lei e dizem que pode tirar entregadores dos serviços

A rotina de entregadores que prestam serviço para aplicativos em São Paulo está prestes a mudar. Dois projetos de lei que tratam sobre o mesmo tema já foram aprovados em primeira votação na Câmara Municipal e aguardam uma segunda e decisiva votação nas próximas semanas. Ambos estão envoltos em confusão e briga de egos tanto de vereadores como da classe motofretista na cidade.

A iniciativa por trás dos projetos é criar regras para os aplicativos e proteger a categoria de entregadores na cidade de São Paulo. Segundo o Infosiga, sistema que monitora acidentes de trânsito no estado, as mortes de motociclistas aumentaram 38% durante a pandemia, embora o índice geral de acidentes tenha diminuído no período.

Já críticos apontam que as regras podem burocratizar o sistema, tirar entregadores dos serviços e ainda diminuir a oferta de delivery para clientes e restaurantes.

Os projetos aprovados em primeira votação são os seguintes:

  • PL 130/2019: do vereador Camilo Cristófaro (PSB) com coautoria do vereador Zé Turim (Republicanos), apoiado pela Amabr (Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil);
  • PL 578/2019: de autoria da Comissão de Trânsito e Transporte da Câmara, tem apoio do SindimotoSP (Sindicato dos Mensageiros, Motociclistas, Ciclistas e Mototaxistas Intermunicipais do Estado de São Paulo).

Após passarem por mudanças —principalmente em um substitutivo do PL 130— os dois projetos estão com obrigações semelhantes para condutores e empresas. É provável que apenas um deles siga para segunda votação, em um acordo que una ambos os projetos em torno de um texto único.

O que muda

O ponto principal em comum dos dois é enquadrar os aplicativos em uma lei municipal e em outras leis federais que já regem o motofrete. E o ponto mais polêmico está na exigência da placa vermelha —a mesma dos táxis— que será obrigatória se qualquer um dos projetos ser aprovado como está.

Além da placa vermelha, os projetos preveem outras obrigações como:

  • Somente motofretistas acima de 21 anos poderão trabalhar em entregas, entre outras determinações específicas;
  • Exigência de cadastro e licença na Prefeitura, como o Condumoto;
  • Curso obrigatório para motofretistas;
  • Proibir aplicativos de dar incentivos para motociclistas rodarem mais (como prêmios por entrega);
  • Adequações de segurança na moto e motofretista (colete, baú, faixas e afins);
  • Profissionalização do motofretistas, tornando-se Microempreendedor Individual e pagando itens como INSS e seguros.

Existem poucas diferenças nos textos mais recentes do PL 130 e do PL 578 atualmente. A maioria delas tem a ver com os termos usados para definir as empresas de motofrete e afins. Já outras diferenças são mais importantes:

  • PL 130: cria uma responsabilidade solidária caso a empresa use entregadores fora da regulamentação. Nesse caso, a empresa teria que arcar com seguros e danos que o entregador porventura vier a sofrer. Também define um cronograma de até dois anos para o motofretista se adequar às regras;
  • PL 578: estabelece multas para empresas que descumprirem as regras e também obriga que paguem um adicional de periculosidade de 30% aos motofretistas

Ainda que sejam parecidos, as categorias brigam pela aprovação de seus textos. A Amabr, após resistir ao PL 578, já admite apoiar o projeto, mas critica a atuação do SindimotoSP, alegando "briga de egos".

"O 578 foi construído com o sindicato, o 130 com a Amabr. A Amabr incomodou muito quando foi criada porque começou a fazer coisas. O 130 foi criado até antes, e o 578 só veio porque eles foram obrigados a se mexer depois da gente", disse a Tilt Marcelo Marques da Costa, diretor jurídico da Amabr.

Um dos pontos criticados pelo SindimotoSP no PL 130 é o fato de os apps serem denominados como plataformas de tecnologia, e não como agenciadora de motofrete. Com isso, poderiam se esquivar de serem enquadradas pela futura lei.

"Eles (sindicato) são muito inocentes. Uma empresa de tecnologia nunca vai ser denominada como motofrete. No 130 colocamos plataformas digitais, agenciadores de frete, aplicativos de tecnologia porque a lei municipal hoje só contempla empresa de motofrete", defende Costa.

Já Gilberto Almeida, presidente do SindimotoSP, diz que "empresas de tecnologia são IBM e Microsoft" e que os aplicativos trabalham com motofrete, não com soluções tecnológicas. "Se é intermediadora de negócios, então porque teria responsabilidade solidária? Tentam desvirtuar a verdadeira função deles para lá na frente usarem a favor juridicamente. Eles são empresas de transporte de pequenas mercadorias e fazem frete como atividade fim", critica.

O PL 578 também tem o apoio do Serdesp (sindicato patronal das empresas celetistas de motofrete), ao contrário do PL 130. A empresa cita o adicional de periculosidade como um dos motivos da distinção dos dois projetos.

Placa vermelha cai ou não?

A obrigatoriedade da placa vermelha para São Paulo é o ponto que gera mais confusão no projeto. Na confusa votação do PL 130, Cristófaro chegou a dizer que seu projeto não traria placa vermelha. Já o PL 578 sempre foi aludido como um projeto que não teria essa obrigação. Embora as propostas tragam esse ponto, ele pode ser modificado para agradar mais vereadores.

"Se todo mundo fala que a placa vermelha não vai estar, aí tem meu voto. Há um esforço coletivo para criar uma legislação com liberdade concorrencial, em vez ser vinculada a uma cor de placa e burocracia estatal", opina ao Tilt José Pólice Neto (PSD), vereador ligado ao tema da mobilidade. Ele não participou da elaboração dos projetos, mas elogiou alguns pontos, como cursos preparatórios para novos entregadores.

Adilson Amadeu (DEM), vereador e vice-presidente da Comissão de Trânsito e Transporte, também concorda com um texto único e sem placa vermelha. "Por uma razão que não leva a nada, na audiência pública e na rua sentimos uma rejeição a isso", afirma.

O vereador Camilo Cristófaro, autor do PL 130, foi procurado via assessoria de imprensa, mas não atendeu a reportagem e apenas indicou a Amabr para conversar sobre o tema.

Na última semana, o prefeito Bruno Covas (PSDB) se encontrou com o SindimotoSP após aprovação em primeira votação do PL 578. Há a expectativa de que a Prefeitura norteie o texto que seguiria para a segunda votação e, se aprovado, será sancionado do prefeito. Procurada, a assessoria da Prefeitura disse que acompanha e faz conversas sobre a legislação, mas que os projetos se restringem a vereadores.

Críticas de aplicativos

Os dois projetos são alvos de críticas de aplicativos. A Tilt, a ABO2O (Associação Brasileira Online to Offline), que tem entre seus filiados a Rappi, diz que a regulamentação pode gerar uma "fórmula engessada", com "mais impostos e regras que prejudiquem o trabalho dos entregadores". Entre as principais implicações, cita:

  • 42 mil trabalhadores não têm placa vermelha em São Paulo e, para conseguir, teriam que pagar taxas para Prefeitura, realizar cursos, compras baús ou até novas motos;
  • Entregadores teriam um gasto estimado cada de R$ 1.646,04 para estarem regularizados (entre adequações de moto, novas vestimentas, taxas e retirada de licenças);
  • Menos acesso a profissionais por parte do comércio e restaurantes, prejudicando pequenos empresários que tentam se digitalizar;
  • Consumidores com menos acesso a delivery com a diminuição de profissionais regulamentados e aptos para entrega.

Já a Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia, da qual fazem parte empresas como iFood e Uber) estima quase 272 mil entregadores "prejudicados". O número, diz, vem de dados do SindimotoSP. Seriam 280 mil entregadores na cidade, mas apenas 8.500 com cadastro ativo na Prefeitura.

Segundo a associação, a proposta "interfere na liberdade de iniciativa de um setor que possui forte potencial de crescimento". A licença e o emplacamento são citadas como "barreiras de entrada".

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