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Apps resistem a entregar ajuda financeira da covid, dizem motoristas

Imagem: Jackson David/Pixabay

Sarah Alves

Colaboração para Tilt

08/09/2020 04h00Atualizada em 10/09/2020 10h48

Sem tempo, irmão

  • Como suporte na pandemia, apps forneceram ajuda financeira a motoristas com covid-19
  • Tilt ouviu motoristas que tiveram dificuldades ou não receberam o pagamento
  • Após contato da reportagem, empresas reconheceram erros na análise e pagaram motoristas

Em março, o motorista de aplicativos Diogo Costa, 41, apresentou cansaço, tosse e dificuldade para respirar dias após transportar uma passageira com suspeita de covid-19, que voltava do exame. Procurou o pronto-atendimento e recebeu atestado de afastamento por 14 dias, seguindo recomendação do Ministério da Saúde. Enviou a documentação à Uber e à 99 para pedir o auxílio financeiro fornecido aos motoristas durante a pandemia. Teve a solicitação negada por ambas as plataformas, junto com a liberação da conta e o aval para retomar as corridas.

Assim como Diogo, outros motoristas também relatam dificuldades em obter a assistência. A política integra o pacote de medidas dos aplicativos para ajudar motoristas que tenham testado positivo, apresentem atestado por suspeita da covid-19 ou pedido de afastamento médico por serem do grupo de risco.

Ao solicitarem a ajuda, a conta no aplicativo é automaticamente bloqueada por 14 dias e, caso seja liberado, o auxílio se baseia na ganhos dos últimos três meses para calcular o proporcional pelo tempo parado.

No caso de Diogo, Uber e 99 alegaram que a CID (Classificação Estatística Internacional de Doença) estava incorreta. O atestado de afastamento tinha registro correspondente à influenza e infecção respiratória por vírus desconhecido. Com a assistência negada ainda dentro dos 14 dias, o motorista teoricamente poderia retornar às ruas.

"Foi como se eles [aplicativos] tivessem determinado que eu não estava doente. Imagina você ficar com a culpa de contaminar pessoas? Eu fiquei em isolamento e tenho minha consciência limpa de que, se eu tive, não transmiti para ninguém", relata.

Com metade do orçamento mensal inexistente, o motorista acumulou dívidas, principalmente porque usava carros alugados para trabalhar, e precisou do apoio de familiares para suprir necessidades básicas. "Eu estava com dificuldade de renda bem grande, ao ponto de, sendo bastante sincero, ter que pedir ajuda para trazer mantimento para dentro de casa", conta.

Eu, que já tive problema com depressão, fiquei bastante depressivo na época. Foi um gatilho e fiquei muito tempo sem conseguir fazer muita coisa. Hoje eu faço uma ou duas corridas, e chega a me dar um pouco de pânico. Eu quero sair para trabalhar e não consigo. Criei um certo tipo de aversão

Atualmente, Costa presta serviços no setor de vendas em uma indústria da cidade em que mora, no interior do Rio Grande do Sul. Foi o que o ajudou a seguir e gerar renda para a família.

Capturas de tela mostram tentativas dos motoristas para obter auxílio por terem ficado doentes de covid Imagem: Reprodução

Sem resposta

Os motoristas Leandro Nascimento, 33, e Carlos (nome alterado a pedido do entrevistado), 41, também tiveram os pedidos de auxílio inicialmente negados com justificativa de que a CID indicada estava incorreta —também para influenza e infecção respiratória—, mesmo apresentando o exame positivo para a covid-19.

Nascimento teve a doença em maio e ficou 20 dias afastado, se isolando assim que começou a ter sintomas. Conseguiu receber o auxílio da 99, mas não da Uber. "Eu mandei exame, atestado, termo de isolamento e a notificação do Ministério da Saúde, mais documentos do que eles pediram", afirma.

Dois meses após encaminhar os registros pela plataforma e não ter uma resposta oficial, foi até a página da Uber no Facebook para relatar a situação. Então, foi orientado a esperar o contato do setor responsável, que nunca aconteceu.

O motorista tem os aplicativos como renda complementar, com todos os ganhos direcionados a uma poupança para a compra da casa própria. "Eu tenho um planejamento com esse dinheiro, que ficou atrasado. Eu perdi 20 dias de trabalho em um mês. Moro de aluguel e estou tentando comprar a minha casa", conta.

Com Carlos, que dirige apenas pela Uber, a situação foi parecida. Mesmo com diagnóstico positivo para a covid-19 obtido há três meses, a assistência foi negada em um primeiro momento por justificativa de incompatibilidades na CID. Ao alegar a comprovação via exame, o motorista foi informado de que receberia mensagem da área especializada.

Sem resposta, preferiu não insistir na solicitação, principalmente pelo desgaste durante o processo. "Depois de muitas tentativas [de contato], chegou uma hora que eu falei 'isso aqui já está me torturando'. É uma falta de respeito", diz.

Pai de quatro filhos, afirma que a situação já estava difícil desde o início das medidas de isolamento social por conta da redução no fluxo de corridas. "Com a pandemia, eu trabalho até onde consigo, para tentar juntar um dinheiro suficiente e pagar as minhas contas", comenta.

Sem o auxílio, por um bom tempo não consegui dormir, você fecha o olho e não consegue pegar no sono. Eu só orava e pedia a Deus para resolver a situação. Nesse tempo só acumulei dívidas, tenho aluguel, prestação do carro, água, luz e outras contas que a gente vai adquirindo

Dificuldades para contato

A espera pela resposta da assistência e dificuldade para entrar em contato com a Uber também é relatada pelo motorista Rodrigo (nome alterado a pedido do entrevistado). Diagnosticado com a covid-19 em junho, desde então tem enviado mensagens via plataforma para entender qual o status da solicitação. "Passaram sete dias, 14 dias, um mês, dois meses e o setor responsável ainda não entrou em contato", afirma.

Assim como os demais motoristas, Rodrigo foi "liberado" pelo aplicativo para retornar às atividades após o isolamento de 14 dias. "Tudo voltou ao normal, como se eu nunca tivesse pegado a covid-19", relata.

Segundo ele, a prioridade agora é continuar trabalhando para suprir as perdas durante o período parado. "O importante acaba sendo ganhar dinheiro no meio dessa crise", comenta o motorista, que tem os aplicativos como fonte integral de renda.

Muitas vezes, nós somos humilhados por passageiros e quando a gente precisa um pouco do reconhecimento, por estarmos saindo para as ruas, se arriscando, mesmo com esse vírus circulando, pelo menos comigo a empresa não foi presente. Mas a gente não pode fazer nada, né? Por ser autônomo, não ter carteira registrada

Após contato da reportagem, apps repassaram auxílio

Procurada, a Uber analisou os casos dos motoristas ouvidos por Tilt - com exceção de Rodrigo, que preferiu não se identificar por receio de ser bloqueado na plataforma. A empresa alegou "erro no sistema causado pelo envio de diferentes documentações" e já confirmou os repasses aos outros três colaboradores.

A 99 reforçou que no caso do motorista Diogo Costa, "os documentos enviados possuíam código diferente do que estava estabelecido pelas autoridades de saúde para covid-19 na ocasião", mas que mantém verificação constante dos pedidos negados e que a solicitação do motorista está em reanálise. Pouco antes da publicação da reportagem, o valor foi repassado a Costa.

Sobre o desbloqueio da plataforma e retorno das atividades, ambas as empresas afirmaram que caso o pedido de auxílio seja avaliado e negado ainda dentro dos 14 dias, os motoristas têm os acessos automaticamente liberados para voltar a realizar corridas pelos aplicativos.

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