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Um milhão de humanos em Marte até 2050: plano ambicioso de Musk dará certo?

A colonização de Marte por humanos está na mira de Elon Musk Imagem: Reprodução/Labroots

Marcella Duarte

Colaboração para Tilt

09/02/2020 04h00

Até hoje, nenhum ser humano pisou em Marte. Mas, em 2050, um milhão de pessoas estarão vivendo por lá. Pelo menos é esse o ambicioso plano de Elon Musk. O excêntrico bilionário usou o Twitter para divulgar detalhes de como vai colonizar o planeta vermelho, criando uma cidade futurista com "muitos empregos".

Ele citou o seriado de ficção científica "Battlestar Galactica", como exemplo da "vida multiplanetária" que almeja. Vale lembrar que a série retrata os últimos sobreviventes da raça humana, dizimada pelos robôs que ela própria criou. Em um futuro distópico, essas pessoas buscam um mítico planeta chamado... Terra.

Mas será que o ambicioso plano de Musk é possível de acontecer? E em apenas três décadas? Tilt ouviu astrônomos e astrofísicos brasileiros para responder essa tal questão da humanidade.

Quais são os planos de Musk?

Antes de saber a opinião dos especialistas brasileiros, é preciso entender quais são os planos do bilionário. Para criar a cidade marciana, Musk planeja construir uma frota de mil Starships, a nave reluzente de 120 metros de altura que a SpaceX está projetando para viagens espaciais com passageiros. Seriam fabricadas 100 naves por ano, em um período de 10 anos.

A meta é alcançar o surreal número de três lançamentos por dia, rumo ao planeta vermelho, para levar não só os colonizadores, mas toneladas de recursos e equipamentos.

De acordo com os tweets, cada nave poderia transportar 100 pessoas e 100 toneladas de carga. Assim, uma população de 1 milhão de terráqueos poderia habitar Marte até 2050. Será?

Lorota, marketing, delírio?

Analisando a tecnologia e a exploração espacial do momento, 30 anos é pouco tempo para a colonização de Marte por humanos ser viável. É bom lembrar que o planeta vermelho é inóspito, naturalmente inabitável por nós.

Segundo os profissionais ouvidos por Tilt, o plano de Elon Musk, conhecido por definir linhas temporais agressivas, não deve se concretizar tão cedo.

"Eu tenho a melhor das impressões do programa SpaceX. Mas a lorota de mandar 1 milhão de pessoas para Marte nos próximos 30 anos me parece um mero jogo de marketing. É um delírio total", acredita João Steiner, professor titular de astrofísica do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas) da USP. "Musk tem tido iniciativas louváveis. Mas também tem falado um bocado de bobagem."

O professor lembra que a humanidade criou tecnologia para mandar o homem à Lua e trazê-lo de volta. Mas, após o projeto Apolo, isso não ocorreu mais. Não por falta de tecnologia, mas por falta de dinheiro. Ele avalia que faz mais sentido começar por uma colonização mais próxima da Terra, em um projeto que não fique nas mãos de uma única empresa privada.

"Existem planos para instalar uma base na Lua e isso me parece viável a médio ou longo prazo, principalmente se for um plano multinacional", destacou Steiner.

Outra preocupação do astrofísico é como garantir a sustentabilidade de uma cidade complexa fora da Terra. "Não significa que essa base seja autossustentável, ideia que me parece totalmente inviável, mesmo para os próximos 30 anos. Marte é muito mais difícil que a Lua. Após muitas décadas de atividades espaciais, não temos nem a menor ideia se vamos conseguir mandar uma pessoa e trazer de volta de Marte, em segurança", concluiu Steiner.

"Eu acho impossível um milhão de pessoas em Marte até 2050. Ainda precisamos de uns 200 anos para chegar nesse ponto que Musk diz", acredita Julio Lobo, astrônomo do Observatório Municipal de Campinas Jean Nicolini. "Ele poderia dar os tais empregos para pessoas aqui na Terra, por enquanto."

Lobo acredita que falar em cem pessoas, quem sabe umas mil, até poderia ser factível. Mas a logística para abrigar um volume enorme de gente em um planeta pouco conhecido vai exigir uma mudança de pensamento. Além disso tem o desafio da tecnologia em si para começar uma civilização do zero em um lugar desconhecido. "É preciso criar bases políticas, sociais, ecológicas."

"Você precisaria ter forças de segurança, hospitais, centros de produção de alimentos, reservatórios de água, geração de energia, abrigos subterrâneos para se proteger das explosões solares. Contingências para o risco de contaminação por vírus que possam vir a ser encontrados no planeta. Algum tipo de prefeito ou CEO para organizar a cidade", ressaltou o astrônomo. "E não podemos chegar arrasando, poluindo um planeta até então intocado."

Esse pensamento não vale só para Marte, mas para nossa Lua e até para as principais luas dos planetas gigantes, como Júpiter e Saturno, que poderíamos colonizar em um futuro distante.

Apesar disso, o planeta vermelho ainda seria um dos "favoritos" para uma futura colonização. Ele sempre despertou a curiosidade do ser humano por sua cor, sua proximidade e suas similaridades com a Terra. As estações do ano, por exemplo, são divididas como na Terra. Por isso, é de se compreender a determinação da conquista do local.

"Mercúrio e Vênus são extremamente quentes; os planetas gigantes [Júpiter, Saturno e Urano] são frios e formados por gases. Só Marte parece possível de abrigar uma vida como a nossa", explicou Lobo.

A estabilidade emocional dos colonizadores também preocupa. "Se uma pessoa comum, não um cientista ou astronauta, reclama de uma viagem de 12 horas em um avião, imagina meses em uma nave. Imagina anos sem ver uma praia, sem tomar sua cervejinha, sem ficar ao ar livre. Imagina poder tomar apenas um banho de 2 minutos por dia. Como ficaria o psicológico destas pessoas?", comentou o astrônomo.

Com Musk, viagem para Marte seria mais rápida

Já deu para entender que o plano de Musk é ambicioso e pode não dar 100% certo como o esperado. De qualquer forma, diz Lobo, o bilionário está fazendo algo positivo para a ciência, pensando fora da caixa.

Hoje, uma viagem até Marte leva entre seis e oito meses. Na Starship, este tempo seria reduzido para três a cinco meses, dependendo da posição dos planetas. Mas ela não pode acontecer a qualquer momento: é preciso respeitar uma janela de lançamentos, chamada Órbita de Transferência de Hohmann. A cada 26 meses, durante um mês, Marte está em oposição à Terra — ou seja, os dois planetas estão o mais próximos possível, criando o momento ideal para viagem.

Além de gastar menos combustível, é a trajetória mais segura e inteligente. Por isso, missões ao planeta vermelho acontecem, em geral, a cada dois anos. Para voltar à Terra, também é preciso esperar a próxima oposição — se você morar lá e se cansar do planeta, não dá para simplesmente ir embora.

Quando confrontado sobre a sazonalidade das viagens, Musk sugeriu que, para aproveitar melhor estas breves janelas, as naves iriam ser lançadas e ficariam "estacionadas" na órbita terrestre. Quando chegasse o momento da Transferência de Hohmann, as 1.000 Starships rumariam quase juntas para Marte, durante o período de um mês.

Ele não especificou o que seria carregado para Marte, mas imaginamos que materiais de construção, combustível, sistemas avançados de suporte de vida e... muita comida e água (há gelo no planeta vermelho, mas ainda não sabemos se é possível extraí-lo ou tratá-lo para se tornar água potável).

A Starship ainda está em fase de testes, que acumulam atrasos, principalmente após uma explosão no ano passado. Também no Twitter, Musk anunciou que um novo protótipo da nave pode ser lançado até março — e que uma pessoa poderá voar nela até o final do ano.

Rumo à Lua (também)

Os planos da Space X não se restringem a colonizar Marte. Musk também quer que a Starship viaje à Lua até 2022. Até chegar a um projeto definitivo da nave, capaz de transportar carga e, principalmente, passageiros com segurança, muitos protótipos e testes ainda devem ser desenvolvidos.

O excêntrico bilionário garante que, até 2050, a viagem será acessível a qualquer um, pois serão oferecidos "empréstimos para quem não tem dinheiro". Além disso, haverá "muitos empregos" em Marte.

"Em 2050, Musk estará com uma certa idade. Assim como eu, que já terei 90 anos. Provavelmente não seremos aceitos na missão", brinca Julio Lobo. "Então, me contento em ver Marte pelo telescópio. Em outubro deste ano, inclusive, será uma boa ocasião para observá-lo, em uma bela oposição. O mais perto que podemos chegar a Marte... pelo telescópio."

E aí, partiu?

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