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Facebook lucra com notícias falsas, golpes e até vírus

Do UOL, em São Paulo

09/11/2017 04h00

A página parece real: remete a uma empresa conhecida, e as fotos de perfil e de capa condicionam a confirmar a veracidade. O endereço do link parece ser o mesmo, e até um anúncio pago e promovido pela rede social aparece na linha do tempo, aumentando a sensação de legitimidade e segurança. Bastou, no entanto, clicar no link relacionado para saber que nada era verdadeiro, tirando o seu impulso. E quem clicou caiu na pegadinha do conteúdo falso.

O exemplo acima aconteceu com um perfil falso no Facebook que usava a marca e o nome do UOL que foi recentemente retirada do ar. A página foi removida pelo Facebook depois que o UOL a denunciou. O golpe tentava fazer com que o internauta clicasse em uma notícia falsa e, assim, baixasse um vírus a partir de um anúncio.

Fraudes relacionadas a lojas virtuais são ainda mais comuns. Em agosto, uma empresa de segurança online divulgou que golpistas estavam usando uma página falsa da empresa Latam que prometia passagens aéreas grátis para impulsionar uma postagem. Quando clicava, o internauta era remetido para um site fora do Facebook, onde era convidado a colocar seus dados bancários e pessoais e instruído a compartilhar a fraude para ganhar o bilhete, que não existia, causando prejuízo ao internauta. Em julho, uma postagem impulsionada com a promoção "Pinguim - Semana de Ofertas" usou expediente parecido para enganar consumidores que achavam se tratar da loja virtual do Ponto Frio. E por aí vai.

"Estava outro dia navegando na minha linha do tempo e apareceu um anúncio de uma loja virtual conhecida com uma oferta incrível", conta Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisador do tema. "Quando estava terminando de colocar os dados do cartão de crédito, olhei o endereço no navegador e vi que era falso. Escapei por pouco do golpe. Isso é ruim para o consumidor, para o Facebook e para o anunciante de verdade."

Um caso de repercussão internacional, no entanto, escancarou a falta de cuidado da rede com o seu conteúdo. Nas eleições norte-americanas de 2016, foram divulgados conteúdos falsos que impulsionaram a candidatura do republicano Donald Trump, hoje presidente dos EUA. Nessas publicações, havia mentiras que desqualificavam a adversária, a democrata Hillary Clinton, bem como informações mentirosas laudatórias a respeito do bilionário.

O Facebook e o Google foram acusados por parte da imprensa norte-americana —incluindo veículos como "The Wall Street Journal" e "The New York Times"— de serem os principais propagadores desse conteúdo, que turbinou a popularidade de Trump. Boa parte dessas notícias falsas vinham de um bunker na pequena cidade de Veles, na Macedônia, no qual adolescentes descobriram que era possível ganhar com publicidade mirando potenciais eleitores do republicano. Segundo o BuzzFeed, as 20 notícias falsas mais populares no Facebook antes das eleições geraram 8,7 milhões de engajamentos, contra 7,3 milhões das 20 notícias reais com mais interações de grandes veículos.

As reações só vieram, no entanto, após as denúncias. O Facebook anunciou ter descoberto 3.000 anúncios ligados a contas russas falsas a favor do republicano, que foram vistos por 10 milhões de americanos no processo eleitoral. A empresa diz buscar coibir a circulação desses perfis suspeitos, mas, apesar de a imprensa norte-americana e políticos democratas exigirem a divulgação de onde viriam esses anúncios, a origem permanece em segredo.

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Imagem: Getty Images

Conteúdos falsos ainda circulam pelo Facebook, muitas vezes impulsionados por dinheiro injetado na página. Ou seja, a maior rede social do mundo continua recebendo dinheiro de perfis que podem estar até cometendo crimes, como o de difamação ou falsidade ideológica, por exemplo. Mesmo que páginas sejam impedidas de circular, o Facebook não esclarece se continua com o montante recebido para promover a fraude ou devolve o dinheiro.

Para usar um exemplo próximo, uma mercearia pode ter o perfil "clonado" por uma concorrente, que dispara informações falsas sobre o comércio e prejudica os seus negócios. Ou então uma empresa bastante conhecida, como um supermercado, pode ser usada como máscara para uma transação ilegal, que coleta dados bancários e pessoais para ações fraudulentas. Só denunciá-la não é o bastante: um caso apurado pela Redação, mesmo com denúncias de usuários, permaneceu no ar até que o administrador solicitou formalmente a retirada do conteúdo falso.

Isso pode acontecer inclusive com produtos oferecidos na internet e sem autorização para venda no Brasil —como medicamentos e eletroeletrônicos por preços abaixo da média de mercado, por exemplo. Não há garantia de que essas operações ocorram com a intermediação de agências reguladoras e se impostos, brasileiros ou do país de origem do pagamento, são recolhidos, nem de que essas ações possam ser rastreadas financeiramente. Ninguém sabe o que acontece dentro do Facebook fora os funcionários da própria empresa.

"Responsabilidade sobre post pago"

"O Facebook deveria ter um cuidado maior nas postagens patrocinadas", afirma o professor Sergio Amadeu da Silveira, da UFABC (Universidade Federal do ABC paulista), que participou da formulação do Marco Civil da Internet brasileira. "Isso não é opinião de uma pessoa, mas a ação para disseminar o conteúdo e tirar a trava proposital que o Facebook traz. Para monetizar, ele [o Facebook] reduz a visualização de postagens. Empresas e pessoas pagam para ter a visibilidade disseminada. Já que recebe para que uma pessoa veja a postagem, ele deveria notoriamente saber se é falsificada."

Professor e consultor de mídias digitais e um dos precursores do estudo da internet no Brasil, Paulo Silvestre vê uma questão ética delicada. "Em um primeiro momento, o Facebook lavava as mãos, porque dizia não tinha como verificar tudo o que era publicado. Com uma dose de razão, porque é impossível humanamente."

Para Silvestre, há também a migração de mecanismos de phishing (coleta ilegal de dados bancários) dos e-mails para as redes sociais, com os mesmos mecanismos de conteúdo e espelhamento de marcas conhecidas, com uma vantagem: as redes sociais têm uma quantidade maior de informações do que o correio eletrônico.

"Se alguém coloca uma postagem dizendo ser uma empresa que não é, o Facebook tem, sim, como saber isso", afirma Sergio Amadeu. "Por ganhar dinheiro com isso, não pode alegar o que o Marco Civil diz sobre a confidencialidade dos IPs [identificação das máquinas]. No caso do post pago, isso não se aplica, porque o Facebook está cobrando para pegar a mensagem de alguém que é usuário e ganhando para disseminar uma informação, propaganda ou opinião. Tem, então, uma responsabilidade maior. O que interessa para eles é monetizar a plataforma."

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Imagem: iStock

"Acredito na determinação deles de combater estes problemas porque está começando a afetar a credibilidade e, com isso, vão começar a perder dinheiro", diz o professor Ortellado, da USP.

"A grande crítica ao Facebook nos Estados Unidos e na Europa é: por que deixam essas coisas acontecer?", questiona Steve Coll, reitor da Faculdade de Jornalismo da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, em entrevista ao UOL.

"Por que são tão reativos, só agem depois de os problemas acontecerem, em vez de serem propositivos e oferecerem soluções para prevenção de problemas graves? A falta de transparência do modelo de negócios da empresa, como eles trabalham e lidam com estas questões, gera desconfiança e pode abalar a credibilidade da empresa. Por que tanto sigilo? O que há para esconder?"

Publicidade representa 85% do faturamento

Dos US$ 6,17 bilhões (cerca de R$ 20,2 bilhões) que o Facebook lucrou no primeiro semestre deste ano no mundo, 85% é construído a partir de publicidade. E ela só funciona —e rende lucro para o Facebook— porque o usuário aceitou dar informações para o perfil construído na rede: ao abrir um perfil e interagir na rede social com curtidas, compartilhamentos e comentários, o internauta fornece dados à empresa.

Mesmo que seja do tipo mais discreto, o Facebook já tem, em seu megabanco de dados, informações sobre o sexo, a localização, a idade e algumas preferências ou interesses. Toda curtida que um usuário dá em qualquer coisa na sua linha do tempo é registrada e alimenta o algoritmo que o define. Só isso já serve para que um anunciante em potencial mire suas definições para vender um produto.

Essa é grande revolução que a empresa promoveu no mercado de publicidade digital: por armazenar essas informações estratégicas sobre todos os que têm uma conta, o Facebook oferece com exatidão o grupo que o anunciante pretende atingir —o que gera uma publicidade eficiente, que entrega objetos de desejo diretamente para um grupo segmentado e disposto a consumir o que é oferecido.

Traduzido em números, este modelo de negócios resultou em um lucro líquido (descontados todos os gastos) de US$ 3,89 bilhões de (cerca de R$ 12,36 bilhões) no segundo semestre deste ano. O valor é 71% maior do que o lucro líquido do primeiro trimestre, de US$ 2,28 bilhões (aproximadamente R$ 7,24), que por sua vez já era 76% maior que o aferido no mesmo período de 2016.

Zuckerberg - Getty Images/AFP - Getty Images/AFP
Mark Zuckerberg, fundador e principal acionista do Facebook
Imagem: Getty Images/AFP

Parte fundamental deste resultado está nos pequenos e médios anunciantes, um meio que mistura conteúdo real com embustes —golpes, notícias falsas e conteúdo de baixa qualidade. Zuckerberg diz, em postagem em seu perfil oficial, que são mais de 71 milhões de anunciantes com este perfil.

"O algoritmo do Facebook é feito para isso, para essa segmentação [do usuário]", afirma o professor Fábio Gouveia, coordenador do Labic (Laboratório de Estudo de Imagem e Cibercultura) da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo).

2 bilhões de perfis ativos

Lidar com as informações que você deixa de graça na plataforma é a grande fortuna do Facebook. Mas pode também ser sua maior fraqueza. Especialistas ouvidos pelo UOL afirmaram que a atitude passiva da rede social, de barrar determinados conteúdos apenas quando denunciados, pode de alguma maneira minar a fortuna da empresa que deu a Mark Zuckerberg o posto de um dos dez homens mais ricos do planeta, segundo a revista "Forbes", em menos de uma década.

"O Facebook tem essa política passiva. Só toma uma providência depois de acionado e se defende dizendo que deixa o usuário livre —e, se colocar barreiras, deixa restrito. E existe um custo para colocar barreiras", diz Gouveia. "É muito difícil compreender se é irresponsável ou é impossível fazer isso [controlar o conteúdo falso]. O exercício que a gente faz é como os investidores do Facebook vão observar isso, se começar a ser tão frequente e abalar a credibilidade da rede. Se não, vejo que não vão investir em uma empresa que a cada semana vai ter um escândalo."

Segundo o professor Ortellado, estudos internacionais dão conta de que cerca de 1 milhão de páginas e perfis falsos são removidos da rede social todos os dias. A empresa não confirma o número. No fim do primeiro semestre deste ano, a maior rede social do mundo bateu a marca de 2 bilhões de perfis ativos no mundo —são 120 milhões de perfis ativos por mês no Brasil, mais da metade da população. Quase um terço das pessoas no planeta usa o Facebook.

Perfis falsos de Mark Zuckerberg

O Facebook proíbe em sua política de privacidade o anonimato ou perfis falsos, mas o problema não parece estar sob controle. Em uma busca rápida na rede social, é possível achar perfis, páginas e notícias falsas até da família do fundador e principal acionista, Mark Zuckerberg. Não escapam da falsidade ideológica o presidente dos EUA, Donald Trump, nem qualquer pessoa relativamente famosa que você possa imaginar. Empresas falsas também são comuns.

Um dos principais problemas para conseguir efetivar o controle sobre o conteúdo de baixa qualidade é o sistema que permite que qualquer um crie uma página e, com um número de cartão de crédito, comece a anunciar imediatamente, tudo feito de forma automática por um robô.

Fontes ligadas ao Facebook ouvidas pelo UOL dizem que a empresa está consciente destes e de outros problemas —como notícias falsas, perseguição a usuários, conteúdo de ódio e discriminação, entre outros— e tem trabalhado para implementar soluções.

"Todo anúncio, teoricamente, é checado por um robô e uma pessoa antes de ir ao ar. Se passou um site de notícias falsas, vírus ou qualquer conteúdo de baixa qualidade no geral, como vemos que ainda passa, é porque houve falha, são brechas no sistema", diz a fonte, que não tem autorização para falar em nome da companhia.

"Imagine que o Facebook ficou tão grande em tão pouco tempo, que é como se fosse uma internet própria dentro da internet. Assim como na rede aberta, o que não faltam são oportunistas, golpistas e pessoas mal-intencionadas tentando identificar brechas para usar a seu favor em detrimento da comunidade. É um jogo de gato e rato sem fim, e uma questão de sobrevivência para nós."

Oficialmente, no entanto, o Facebook fornece declarações evasivas: "Trabalhamos para fortalecer a integridade da plataforma e temos políticas que definem quais conteúdos são permitidos ou não. Nossos Padrões de Comunidade proíbem, por exemplo, o uso de identidade falsa e removemos conteúdos, perfis, páginas ou grupos que violem nossas políticas quando tomamos ciência disso". Esse é o inteiro teor da resposta oficial que o UOL recebeu da assessoria de imprensa da empresa para uma lista com seis perguntas sobre esta reportagem.

Desde o início do ano, o Facebook anunciou 12 atualizações em seu algoritmo para tentar limitar o alcance do que eles chamam de conteúdo de baixa qualidade. Recentemente, Zuckerberg também anunciou que vai contratar até o fim do ano mais mil pessoas para checar anúncios e postagens em geral —antes, havia anunciado a contratação de 3.000 pessoas para moderar o conteúdo, em uma empresa que, até junho, tinha 20.658 mil empregados diretos. "Não queremos fraudes", afirmou Zuckerberg em outubro na rede social sobre o combater os embustes na rede.

Zuckerberg: "Só pequena quantidade é embuste"

A argumentação da "censura" às publicações para barrar o conteúdo falso na rede foi uma das usadas por Zuckerberg no auge da maior crise que o Facebook já enfrentou, após as eleições norte-americanas do ano passado. Ele se defendeu, em um longo texto publicado em seu perfil pessoal em 16 de novembro de 2016, dizendo que seria perigoso censurar conteúdo.

"Nossa meta é dar a toda pessoa uma voz", disse. "De todo o conteúdo do Facebook, mais de 99% do que as pessoas veem é autêntico. Só uma pequena quantidade é embuste", disse.

"Identificar a 'verdade' é complicado. Um grande volume de histórias expressa uma opinião que muitos irão discordam e classificar como incorreta até mesmo quando é um fato. Eu estou confiante de que nós vamos encontrar soluções sobre qual conteúdo é mais significativo, mas eu acredito que é preciso tomar cuidado no sentido de virarmos árbitros de nossas próprias verdades."

O cuidado de Zuckerberg tem justificativa. "É preciso assegurar a liberdade de expressão. Se agir preventivamente, em função de uma possível segurança, pode acabar cometendo uma prática de censura", diz Amadeu. "Iniciativas de identificar notícias falsas por meio do algoritmo já deram uma enorme confusão por não conseguirem separar opiniões de fatos. É preciso evitar isso."

"Quem vai decidir o que é verdade ou o que não é?", diz o professor Ortellado. "Quem vai decidir se o conteúdo é falso ou nocivo, o Facebook? A linha entre o bom senso e a censura é muito tênue."