Topo

Facebook rescinde contratos, e streamers anunciam retorno à Twitch

Estande do Facebook Gaming na Brasil Game Show (BGS) 2019 - Bruno Contrino/BGS
Estande do Facebook Gaming na Brasil Game Show (BGS) 2019 Imagem: Bruno Contrino/BGS

Gabriel Oliveira

Colaboração para o START

04/02/2020 11h21

Resumo da notícia

  • Plataforma de streaming do Facebook surgiu em 2018 e atraiu streamers dos serviços concorrentes
  • Cortes em janeiro, porém, surpreenderam parte dos contratados, que reclamam da postura da empresa
  • Gerente do Facebook Gaming diz que criadores precisam ter "uma comunidade forte", e que a empresa continuará investindo no País
  • Nas redes sociais, streamers começam a anunciar retorno à Twitch, da Amazon

O Facebook rescindiu contratos e reduziu remunerações de criadores de conteúdo brasileiros contratados para fazer transmissões ao vivo de jogos eletrônicos na plataforma de streaming da empresa. Os jogadores sentem-se prejudicados com a decisão, que ocorre após cobranças por melhorias na audiência, porque migraram para o Facebook Gaming com a promessa de pelo menos 1 ano de contrato e acabaram envolvidos no corte, sob a justificativa de baixo número de espectadores nas lives.

O Facebook Gaming surgiu em 2018 para rivalizar com outras plataformas de streaming de games, como a Twitch (da Amazon), YouTube (Google) e Mixer (Microsoft). Para isso, investiu para atrair os streamers da concorrência, apostando em contratos de altas remunerações como um dos atrativos.

Nos últimos dias, o START conversou com oito streamers do Facebook Gaming que foram afetados. As histórias convergem em um mesmo fim: cortes nos contratos. A justificativa ouvida por eles é a baixa audiência nas transmissões, o que, segundo afirmam e conforme o START verificou em dois casos, não era uma condição do contrato. Os nomes das fontes foram mantidos em sigilo nesta reportagem.

Reviravolta desagradável

Os criadores de conteúdo sentem-se prejudicados com a decisão, que ocorre após cobranças por melhorias na audiência. Os streamers migraram para o Facebook Gaming com a promessa de pelo menos 1 ano de contrato e acabaram envolvidos no corte, sob a justificativa de baixo número de espectadores nas lives.

Muitos jogadores, que transmitem partidas dos mais variados games na internet, migraram para o Facebook Gaming desde 2018, conquistados pelos contratos que davam a garantia de um rendimento fixo expressivo por pelo menos 12 meses.

Entretanto, para surpresa e revolta dos contratados, a empresa comunicou, em janeiro, a rescisão dos acordos de uma parte dos profissionais e propôs a redução, pela metade, da remuneração de outros. Existem casos de streamers que estavam havia menos de três meses na plataforma.

Facebook Gaming Home - Reprodução - Reprodução
Página do Facebook Gaming traz vídeos ao vivo, lista de streamers preferidos e sugestões de novos canais
Imagem: Reprodução

Regras do jogo

Ocorre que os contratos não preveem número mínimo de horas assistidas, ou seja: não estipulam a audiência que as streams devem atingir. Os documentos falam de horas transmitidas - quantidade de tempo em que o profissional permanece online. O START teve acesso a dois contratos.

"Nossa performance era baseada em horas realizadas, nossa obrigação era cumprir o número de horas do mês. O pessoal saiu de sua plataforma, normalmente a Twitch, para ir para o Facebook com a garantia de que teria uma condição de trabalho pelo menos por um tempo. Mas a empresa não honrou nem 1 ano de contrato, sendo que horas visualizadas não eram parte do combinado", reclama um profissional que se considera prejudicado após ter o contrato rescindido.

Ele conta que, desde meados do segundo semestre de 2019, os streamers vinham sendo pressionados pelo Facebook Gaming a melhorar os índices de audiência, sob a ameaça de terem os contratos cancelados. Foram diversas mensagens em grupos na rede social e no WhatsApp. "Foi uma pressão danada".

Nossa performance era baseada em horas realizadas, nossa obrigação era cumprir o número de horas do mês. O pessoal saiu de sua plataforma, normalmente a Twitch, para ir para o Facebook com a garantia de que teria uma condição de trabalho pelo menos por um tempo
Streamer que teve contrato rescindido com o Facebook Gaming

Contato entre Facebook e streamers

Tanto as cobranças por maior audiência quanto os comunicados sobre os contratos foram realizados pela agência TFTW Gaming Influencers, responsável por intermediar os negócios entre o Facebook e os criadores de conteúdo no Brasil. De acordo com os entrevistados pelo START, a TFTW fica com 20% das remunerações pagas aos streamers.

O dono da agência é Arthur "Paada" Zarzur, proprietário do clube de eSports paiN Gaming, um dos mais tradicionais do País, que conta com equipes profissionais competindo em diversas modalidades. Outro detalhe importante é que, nos contratos, a empresa indicada como representante dos profissionais é a paiN, e não a TFTW. Além disso, os streamers recebem os pagamentos diretamente do clube.

Enquanto parte dos entrevistados pelo START não sabe o que motivou a decisão drástica sobre os streamers, outra parcela acredita que houve contratações acima do que o Facebook Gaming tinha de verba para bancar, ainda mais com as lives não dando os resultados esperados.

A plataforma contaria com mais de 300 criadores de conteúdo contratados no Brasil, segundo informação que consta na página de um dos funcionários da TFTW no LinkedIn. O Facebook não informa a quantidade oficialmente.

"Tinha uma galera ganhando grana pesada, mas a performance de número estava baixa. Só que teve uns streamers que entraram tipo há dois meses e foram cortados", comenta outro profissional. Ele recebeu a oferta de reduzir em 50% seus rendimentos e optou por sair.

PaiN  - Cesar Galeão/Garena - Cesar Galeão/Garena
Fundada em 2010, a paiN Gaming é uma das organizações de eSports mais tradicionais do Brasil, com equipes de League of Legends e Free Fire (foto), entre outras modalidades
Imagem: Cesar Galeão/Garena

Migração de audiência

Os criadores de conteúdo dizem que é difícil transferir o público quando há mudança de plataforma de streaming. Um deles observa que é justamente por isso que os contratos são de horas transmitidas, e não visualizadas.

"Quando assinamos o contrato, deixaram bem claro que o Facebook não se importava com performance e que não iriam exigir resultados. É claro que, se exigissem, ninguém iria aceitar. Todo mundo que saiu da Twitch sabia que estava trocando [a quantidade de] espectadores por uma grana absurda. É impossível migrar todo o seu público", aponta outro profissional cortado e que se sentiu pressionado pelas constantes cobranças da TFTW.

Todo mundo que saiu da Twitch sabia que estava trocando [a quantidade de] espectadores por uma grana absurda. É impossível migrar todo o seu público
Streamer que migrou da Twitch para o Facebook

Os streamers também fazem críticas à plataforma do Facebook Gaming por conta de problemas técnicos recorrentes e de layout e funcionalidades pouco práticos aos usuários. Além disso, segundo os profissionais, não é sempre que o site notifica os seguidores quando uma transmissão começa, o que influencia diretamente na audiência.

"Vários viewers meus reclamam que às vezes [a plataforma] não avisa", relata outro criador de conteúdo.

Os contratos assinados preveem possibilidade de rescisão por parte do Facebook a qualquer tempo, independentemente da motivação, mas os streamers não esperavam um corte tão drástico e abrangente.

Até porque, segundo um dos profissionais ouvidos pelo START, a TFTW havia alegado que a cláusula sobre rescisão era "por segurança", destinada a casos extremos, como por exemplo crimes cometidos ao vivo. "Foi tudo inesperado e traiçoeiro", reclama o streamer. Os contratos exigem exclusividade, isto é, obrigam os contratados a só fazer transmissões no Facebook Gaming.

É um misto de dor e prazer. É um alívio por sair daquela situação de se sentir no fio da navalha o tempo todo e é uma tristeza por deixar de ganhar aquele dinheiro absurdo
Streamer que teve o contrato rescindido e era pressionado por audiência

Twitch - Reprodução - Reprodução
Página da Twitch com canais ao vivo em português: League of Legends, Counter-Strike e FIFA costumam aparecer entre os mais populares
Imagem: Reprodução

Despedida

Nas redes sociais, diversos criadores de conteúdo começaram a anunciar, a partir do primeiro dia de fevereiro, a saída do Facebook e o retorno para a Twitch.

O que o Facebook Gaming diz

O gerente de parcerias do Facebook Gaming, William Pimenta, declarou que atualizações e encerramentos de contratos podem ocorrer e disse, sem apresentar números, que a maioria dos parceiros no Brasil não foi afetada pelos cortes realizados em janeiro.

"Não queremos minimizar o impacto que essas alterações podem ter sobre um criador individual e trabalhamos muito para ajudar o maior número possível de gamers a construir uma comunidade próspera no Facebook Gaming. Porém, às vezes, criadores podem ter dificuldades em construir essa comunidade. Frequentemente entramos em contato para ajudá-los nesse processo e, em alguns casos, podemos vir a atualizar o acordo ou terminá-lo", justificou William, em manifestação enviada por e-mail.

Ele sustentou que a empresa continuará investindo no Brasil, com a contratação de mais streamers e a expansão da equipe que trabalha com esses profissionais.

Não queremos minimizar o impacto que essas alterações podem ter sobre um criador individual e trabalhamos muito para ajudar o maior número possível de gamers a construir uma comunidade próspera no Facebook Gaming
William Pimenta, gerente de parcerias do Facebook Gaming

Sobre a audiência como critério para os cortes, o gerente do Facebook Gaming argumentou que "a saúde" dos programas é medida pelas comunidades construídas pelos criadores de conteúdo. "Ter uma comunidade forte significa ter seguidores comprometidos e engajados que voltam para assistir ao conteúdo de um criador. Métricas como o tempo de visualização são um dos muitos indicadores na construção de uma comunidade engajada".

William negou que a TFTW tenha contratado mais profissionais do que o Facebook Gaming poderia bancar e disse que as mensagens de cobrança enviadas aos streamers são parte do programa. "Fazemos análises constantes e colaboramos com nossos criadores parceiros para compartilhar com eles melhores práticas, ouvir feedback, ajudá-los a construir suas comunidades, alcançar novas audiências e crescer".

Quanto às críticas à plataforma, o representante do Facebook disse que a empresa está atenta ao feedback dos profissionais, pois "há sempre melhorias" que podem ser implementadas.

Oportunidade de mercado

Em nota, a paiN Gaming disse que faz parte do mesmo grupo de empresas da agência TFTW, "porém com operações independentes". O clube disse que começou a dar suporte aos criadores de conteúdo do Facebook no fim de 2018 e que a TFTW "nasceu da oportunidade existente no mercado de marketing de influenciadores".

"O nome da paiN ainda está presente no contrato, mas estamos em contato com o Facebook para refletir essa mudança para a TFTW", explicou a organização.

Também procurada, a TFTW não respondeu aos questionamentos do START, apesar de ter tido quatro dias para enviar os esclarecimentos solicitados até a conclusão desta reportagem.

Ninja - Reprodução - Reprodução
Ninja, um dos maiores streamers do mundo, trocou a Twitch pelo Mixer em agosto de 2019, deixando mais de 14 milhões de seguidores no antigo canal
Imagem: Reprodução

SIGA O START NAS REDES SOCIAIS

Twitter: https://twitter.com/start_uol
Instagram: https://www.instagram.com/start_uol/
Facebook: https://www.facebook.com/startuol/
TikTok: http://vm.tiktok.com/Rqwe2g/
Twitch: https://www.twitch.tv/start_uol