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OPINIÃO

'Men - Faces do Medo' é o filme mais bizarro que você verá este ano

"Men - Faces do Medo", novo filme do diretor Alex Garland - Kevin Baker/Divulgação
'Men - Faces do Medo', novo filme do diretor Alex Garland Imagem: Kevin Baker/Divulgação

De Splash, em São Paulo

08/09/2022 04h00

O diretor Alex Garland tem uma queda por histórias que exploram as narrativas de gênero e os simbolismos. Hoje aos 52 anos, ele é conhecido por ter dirigido os filmes "Ex_Machina: Instinto Artificial" (2014), "Aniquilação" (2018) e a série "Devs" (2020).


Seu novo trabalho, "Men - Faces do Medo", persiste em sua linha temática, misturando elementos de fantasia e ficção científica para elaborar uma metáfora, talvez um pouco crua, sobre o gênero masculino.

O filme acompanha a história de Harper (Jessie Buckley), uma mulher que sofre um trauma pessoal e, para se recuperar das feridas internas, resolve se mudar para uma grande casa de campo em uma cidade rural, longe dos centros urbanos.

A construção desse clima pacífico é ladeada de silêncios incômodos e espaços vazios que perturbam. Há algo inquietante mesmo na forma como Garland constrói o ambiente supostamente tranquilo em que Harper deseja estar, e isso já mostra que há algo incomum a respeito de toda a situação.

A atuação de Buckley, que praticamente segura o filme inteiro nas costas, é o fio condutor que coloca o espectador dentro da perspectiva necessária, e transita entre o confuso e o incômodo.

A todo tempo, Harper nota que há algo estranho sobre aquele lugar, e seus medos começam a se desdobrar em perseguição e dúvidas, que vêm na forma de homens que a observam de maneira obsessiva em todos os lugares.

Um tema contínuo

Quem está familiarizado com as obras anteriores de Garland, mesmo que remotamente, deve esperar um filme que circula por ambientes e situações parecidas, e foge de histórias facilmente digestíveis ou que possam ser reduzidas a um único conceito ou sentimento.

Por isso, a estranheza de algumas cenas e de alguns momentos de tensão é proposital, e aponta para algo a mais que o diretor quer discutir com o público, que vai além da questão da masculinidade tóxica.

Afinal, há um tema ou uma indagação que persiste em todas as obras de Garland até aqui, embora se manifeste de formas diferentes dependendo da trama. De "Ex_Machina" a "Men", o diretor está sempre investigando identidade e singularidade em meio a um mundo em constante movimento e que exige transformações contínuas.

Em outras palavras, ele tenta entender onde começa e onde termina a individualidade diante do coletivo.

Em "Men", isso acontece através da metáfora do homem predador. Seu caráter nocivo e pouco singular é retratado de forma mais literal quando o cineasta escolhe o ator Rory Kinnear para interpretar praticamente todos os papéis masculinos do filme. Afinal, eles são realmente todos iguais ou estão sendo vistos sob uma visão particular do trauma?

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Rory Kinnear como um dos personagens em 'Men - Faces do Medo'
Imagem: Kevin Baker/Divulgação

Isolado, o simbolismo é simples, pouco elaborado e raso se desconsiderarmos a ideia de uma discussão mais ampla. Mas a discussão mais ampla é justamente o ponto principal, para quem estiver interessado em tentar compreender o filme sob uma ótica que vá além da estética do horror corporal.

E para quem não estiver, também não há problema. O resultado acaba sendo um terror sensorial, que é confuso e recheado de imagens perturbadoras de propósito.

Afinal, seja do ponto de vista bíblico (e é uma metáfora difícil de perder, no momento em que Harper morde a maçã) ou mesmo das referências pagãs igualmente presentes na obra, o argumento do filme é menos uma resposta e mais uma série de perguntas.

Questionamentos sobre como ambientes, traumas e construções externas moldam tanto percepções (no caso, a de Harper) como a maneira como as pessoas se apresentam no mundo (no caso, a dos muitos homens que a cercam).

Por isso, mesmo que não fique totalmente claro, esse é justamente um dos pontos quando tratamos dos trabalhos de Garland. Em geral, ele pede que a percepção seja mais sensorial do que racional.