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Ex-gospel julga reação ao se afirmar trans: 'Usam religião como arma'

Jotta era cantora gospel antes de se afirmar mulher trans Imagem: Instagram

Daniel Palomares

De Splash, em São Paulo

28/04/2022 04h00

Um emoji de borboleta é o que Jotta usa em suas postagens nas redes sociais. Simboliza o tempo em que ela viveu "presa no casulo" e a metamorfose que veio na sequência. Neste mês, a ex-cantora gospel se afirmou mulher trans e a notícia repercutiu ao redor do Brasil.

Diante do apoio massivo que recebeu e também das reações e comentários negativos sobre seu novo momento, Jotta reflete, em papo exclusivo com Splash, sobre seu processo de libertação e o que espera representar para outros jovens da comunidade LGBTQIA+.

A questão da sexualidade e gênero na igreja ainda é um tabu muito grande a ser quebrado. Usam a religião como arma para justificar o preconceito. Fico feliz de ser uma pessoa que gera debates. Empatia é a melhor representação de Cristo.
Jotta

Amanhã, Jotta lança sua nova música, "Éden", faixa pop produzida pelo mesmo time que já trabalhou com nomes como Anitta e Ludmilla. Diante de tantas conquistas, ela só quer celebrar. "Tirei um peso das costas. Essa é minha melhor fase. As pessoas idealizaram uma imagem minha, mas o que importa é meu bem-estar", diz.

Jotta planeja lançar um livro no próximo mês Imagem: Instagram

O casulo

Jotta relembra que sempre se sentiu como mulher, mas não conseguia ver referências dentro de casa. Criada em um lar religioso e logo inserida no mercado gospel, tendo fama e se apresentando ao redor do país, os verdadeiros sonhos ficaram presos.

"A transexualidade é existente mesmo quando você não tem uma peruca na cabeça, um salto nos pés ou o poder de comprar um vestido", pontua. "Me entender como mulher vem desde a infância."

"Muitas barreiras sociais me impediram de viver tudo isso. Quando você é uma criança que nasce num lar cristão conservador, não tem muita opção. Achava que nunca poderia ser como uma mulher cis até entender que não precisava ser uma", lembra.

Jotta falou sobre novas experiências como mulher trans Imagem: Instagram

A metamorfose

No ano passado, Jotta se afastou das redes sociais e focou na terapia. "Foi o que me salvou e meu deu autonomia", pontua. No livro que planeja lançar no próximo mês, ela conta como a solitude foi necessária para que descobrisse a si mesma, antes de se mostrar ao mundo.

"Cresci com muita pressão midiática, isso não me deu o direito de viver a solitude. Agora foi o tempo que tirei para mim, para poder me vestir, me maquiar. Me expressar como mulher foi um salto gigante. Após me sentir pronta, aí sim veio o momento de compartilhar com as pessoas ao meu redor", explica.

A reação da família ainda é um assunto tratado com paciência. "A transição não é só minha. As outras pessoas também estão vivendo isso. Dou esse tempo e respeito", reforça Jotta. O que a alegrou foi ter o carinho máximo dos sobrinhos, ainda crianças.

"Ver uma criança me aceitando desde o primeiro momento é muito especial. Mostra que o preconceito é causado por inúmeras camadas sociais da criação. Tenho apoio da minha irmã e deles. Estou muito calma e tranquila", reforça.

Jotta mostrou foto de seu primeiro encontro amoroso pós-transição Imagem: Instagram

A religião

Desde antes de se afirmar como mulher trans, Jotta já havia se afastado da religião. Hoje, ela diz que ainda tem fé, mas não segue mais preceitos e ensinamentos específicos. O público que conquistou nos anos de gospel hoje é um dos que mais a condena.

Gosto de deixar explícito esse posicionamento de alguns fiéis. Ouvimos muito sobre o amor de Cristo e não temos oportunidade de entender o quanto são capazes de se apropriar dessa mensagem e converter em uma arma muito perigosa.
Jotta

Antes de tornar pública sua identidade como mulher trans, Jotta se preparou muito com seu terapeuta, sabendo que enfrentaria resistência e preconceito. Mas ela espera que as palavras duras que é obrigada a ler e ouvir sejam semente de mudança.

"Só é possível entender onde é preciso mudar quando vemos onde está o erro. Se vissem os comentários que recebo, veriam que não é somente uma crença. É toda uma criação já imposta", opina.

Jotta torce para que ela sirva de exemplo e conforto para outros e outras que vivem os mesmos dilemas que ela já enfrentou e ainda enfrenta.

"Nós somos a primeira geração da humanidade a lutar por direitos LGBTQIAP+. É importante falar disso na política, nas escolas. Sem debate, não tem evolução. Quando falamos de gênero, raça, sexualidade, não estamos debatendo sobre o livro sagrado. Falamos de uma necessidade coletiva de harmonia entre todos", conclui.

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