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Além da Ilusão

Tudo sobre a novela da Globo


Alessandra Poggi: 'Melodrama nunca esteve tão em alta quanto agora'

Alessandra Poggi é responsável pela trama com Larissa Manoela - Sergio Zalis/ TV Globo
Alessandra Poggi é responsável pela trama com Larissa Manoela Imagem: Sergio Zalis/ TV Globo

Valmir Moratelli

Colaboração para Splash, no Rio

26/04/2022 04h00

Aos 48 anos, Alessandra Poggi tem um desafio e tanto pelos próximos meses. É ela quem escreve a novela "Além da ilusão", integrando o seleto grupo de autores de teledramaturgia da TV Globo. A Splash, ela conta que sua rotina é escrever um capítulo por semana. "Faço a escaleta do capítulo na segunda, divido as cenas entre mim e meus colaboradores na terça, eles me entregam na quinta e eu faço a redação final na sexta", diz. Todos os dias a autora assiste à novela, acompanhando a audiência pelo Real Time e também os comentários do Twitter.

Formada em Jornalismo pela UFRJ, com especialização em literatura brasileira pela PUC-Rio, Alessandra trabalha na emissora desde 2000, onde começou no programa "Gente Inocente". Como colaboradora, escreveu temporadas de "Malhação" (de 2003 a 2010), de onde saiu para integrar a equipe de Miguel Falabella na novela "Aquele Beijo" (2011). Em 2017, dividiu com Ângela Chaves a autoria da supersérie "Os Dias Eram Assim".

Mas é a atual novela das 18h na TV Globo seu primeiro voo solo. Entre as vantagens de assumir sozinha um trabalho tão exaustivo, ela conta que gosta de ter o domínio dos rumos da trama. "Posso mostrar a minha assinatura, impor o meu ritmo e dar a minha 'cara' à obra. Tenho quatro colaboradores maravilhosos que me ajudam com as cenas", diz ela, que conta com o auxílio de Letícia Mey, Adriana Chevalier, Flávio Marinho e Rita Lemgruber, além da pesquisadora Rosana Lobo.

Injustiças Sociais

Entre os pontos altos da trama, Davi, o personagem de Rafael Vitti, é alvo de uma grande injustiça, o que move a segunda fase de "Além da ilusão". Ele é preso injustamente pela morte da namorada, Elisa (Larissa Manoela). Marcada pela desigualdade em vários aspectos, a sociedade brasileira tem exemplos diários de como a injustiça pode marcar vidas para sempre. Alessandra afirma que essa sua abordagem na telenovela tem um "pé na realidade" de diversas formas.

"Quando um juiz poderoso se acha no direito de condenar um inocente por um crime que ele mesmo cometeu e sair impune. Quando vemos as diferenças sociais gritantes entre os moradores da vila operária e seus patrões. Quando mostramos uma mulher perdendo o emprego, porque está grávida. Quando mostramos um negro perdendo uma oportunidade de trabalho por conta de sua cor.

Quando mostramos um cigano sem conseguir comprar comida pelo preconceito histórico contra seu povo. Quando questionamos os 'donos do poder' nas mais diversas esferas", lista a autora sobre as narrativas que permeiam a novela.

Larissa Manoela

"Além da ilusão" é uma novela clássica, com ingredientes de um bom melodrama. Ainda assim, matar a protagonista (interpretada por Larissa Manoela) nos primeiros capítulos foi uma inovação. A ousadia surpreendeu os telespectadores, segundo a autora. "Elisa foi minha primeira mocinha. Sua morte comoveu muita gente e fiquei impressionada com a revolta das pessoas. Mas elas logo desviaram torcida para Dorinha. Quis falar sobre o primeiro amor, mas também mostrar que nem sempre ele é o último. É possível se apaixonar e amar novamente, sem perder o carinho pela história que já se viveu, como acontece com Davi", explica.

Essa é a primeira novela de Larissa Manoela na TV Globo, atriz que até então era conhecida por papéis infantis no SBT. Alessandra se surpreendeu com a atriz desde que a conheceu, em setembro de 2021. "Conheci a Larissa no primeiro dia de preparação do elenco da novela. Foi uma escalação acertada. Uma jovem alegre, talentosa, envolvida e dedicada, sempre aberta para ouvir e aprender, além de simpática", diz.

Sobre o que mais a surpreendeu na atriz que faz sua protagonista, ela não poupa elogios. "Sua capacidade de incorporar duas irmãs diferentes em temperamento. Ela soube fazer a romântica Elisa com a mesma habilidade com que faz a pragmática Isadora. E o público notou na hora que se tratava de outra personagem, completamente diferente da primeira", continua.

Inspirada na literatura

Durante a entrevista a Splash, Alessandra pontua que não pensa nos atores "ideais" para cada papel quando começa a criar seus personagens. "Na minha imaginação eles não têm rosto nem voz. Quando começa a escalação e o ator é definido, aí sim começo a escrever a cena 'vendo' a imagem e 'ouvindo' as vozes", afirma.

E assume que, para "Além da ilusão", sua inspiração inicial foi um livro de comemoração do centenário da Tecelagem Bangu. "Achei interessante a história da transformação de uma fazenda de algodão numa fábrica de tecidos e mais adiante num bairro da cidade. A partir daí comecei a imaginar quem morava nessa fazenda, quem eram os funcionários", conta.

Imensa nessa atmosfera de época, Alessandra releu dois clássicos da literatura nacional, "Menino de Engenho" e "Usina", ambos de José Lins do Rego. Sobre autores consagrados da televisão, ela elenca seus preferidos. "Sou muito fã do trabalho da Gloria Perez, da Lícia Manzo, do Walcyr Carrasco, do Silvio de Abreu, do Aguinaldo Silva e do Gilberto Braga. E claro, da grande Janete Clair", diz.

Novos Tempos

Alessandra está atenta ao impacto da paralisação das novelas durante a pandemia de Covid-19, no ano passado, em relação ao público crescente no streaming. Mas não concorda que novela seja um produto em extinção. "Nunca o melodrama esteve tão em alta e nunca se produziu tanto conteúdo audiovisual no mundo. As pessoas gostam e querem assistir a uma boa história e se emocionar com ela. O que vemos é uma mudança na maneira de assistir à novela, e o streaming é nosso aliado nisso. Muitos assistem pelo celular, outros esperam para juntar capítulos e assistir de uma vez só", garante.

Citando "Olho por olho", trama de João Emanuel Carneiro, que será lançada primeiramente no Globoplay ainda esse ano, a autora frisa que outros formatos de telenovela estão começando a ser testados, justamente no calor desses acontecimentos recentes no mercado audiovisual.

De olho na Ucrânia

"Além da ilusão" tem conquistado o público e a crítica pela dupla combinação: uma trama leve e esteticamente bonita. Mais de uma vez a autora já declarou que esse trabalho tem como objetivo "trazer esperança", principalmente pelo contexto tenso no campo político e ainda sofrendo reflexos da pandemia.

"Falo da esperança de acreditar que o mundo pode ser um lugar mais tranquilo e bonito de viver, sem um vírus perigoso, sem guerras, brigas ou medo. Falo da esperança de voltarmos a nos abraçar, de vivermos um grande amor, de realizarmos um sonho profissional ou pessoal. Uma novela que traz um mágico como protagonista é uma fábula, e quando vemos que ela se passa numa época e que quase nenhum de nós viveu, há um escape da realidade, um mergulho na fantasia", diz.

Mesmo sendo uma fantasia, "Além da ilusão" já mostrou ter ligação direta com a realidade. Como é de praxe nos folhetins da emissora, a situação do país influencia a ficção, até numa novela de época. "A novela conversa com os dias atuais através das histórias que, por coincidência, estamos vivenciando, como a Segunda Guerra Mundial na novela, enquanto estamos vendo a Guerra na Ucrânia; quando temos refugiados russos ciganos; quando uma enchente atinge a vila operária e vemos a tristeza que aconteceu em Petrópolis por conta da chuva recente", cita ela em referência às tempestades na cidade serrano no Rio, que deixou centenas de mortos e desabrigados.