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Vanusa foi um talento bruto e não merece ser lembrada por erro em hino

Vanusa (1947-2020) - Gabriela Biló/Estadão Conteúdo
Vanusa (1947-2020) Imagem: Gabriela Biló/Estadão Conteúdo

Leonardo Rodrigues

De Splash, em São Paulo

08/11/2020 14h31

A desastrosa apresentação do hino nacional na Assembleia Legislativa de São Paulo, em 2009, fez Vanusa, que morreu hoje, conhecer o fundo do poço. A internet, com sua memória curta e tendência ao bullying, fez troça e não perdoou a cantora por ter se confundido na letra. Uma injustiça tremenda, para dizer o mínimo.

Vanusa foi uma força da natureza. Teve uma carreira bem-sucedida desde o início na Jovem Guarda, quando foi lançada por Eduardo Araújo, até a consagração na seara romântica. Nos anos 1970, sua fase mais "experimental" e criativa, ainda se embrenhou por vários estilos diferentes e até pelo rock pesado, com desenvoltura ímpar.

Veja baixo cinco bons motivos para respeitar Vanusa.

1. Fez sucesso sendo engajada

Dona de um vocal etéreo, dramático, com a afinação aguçada das grandes cantoras, Vanusa fez sucesso nos anos 1970 com baladas: "Sonhos de um Palhaço", "Mudanças". Mas foi com "Manhãs de Setembro" (1973), parceria com Mário Campanha, que conquistou o Brasil.

Lançada na ditadura, a letra romântica à primeira vista esconde um contumaz discurso político. "Fui eu que em primavera só não viu as flores", canta ela em alusão a "Pra Não Dizer que Não Falei das Flores", de Geraldo Vandré, símbolo da luta contra a ditadura militar.

Em 1981, lançou "S.O.S. mulher", com versos fortes como "O braço forte que lhe ampara/É o mesmo que te bate na cara!", escancarando na MPB a triste realidade da violência contra a mulher, em uma época em que esse problema era apenas varrido para debaixo do tapete.

2. Soube ser roqueira e suingar

Redescoberta recentemente, a faixa "What to Do", de 1973, suscitou inevitáveis comparações com "Sabbath Bloody Sabbath", do Black Sabbath. Quem teria plagiado quem? Não importa. A música é um rock pesadíssimo, cheio de dinâmica e energia, cantado com vigor e "feeling" dos(as) grandes vocalistas.

Antes, no fim dos anos 1960, Vanusa já havia enveredado por outros ritmos de forma exemplar. Como o funk americano, que dá o tom em músicas do álbum "Vanusa" (1969), o samba (reverenciado em "Mercado Modelo", "Quebra Cabeça") e até a valsa (revistada em "Quero Você").

3. Ganhou reconhecimento da crítica e público

Representante do Brasil em vários festivais internacionais, Vanusa ganhou diversos prêmios durante a carreira. Já foi até eleita rainha da televisão, numa época em que a TV de fato merecia uma família real.

Em 1969, ainda virou estrela de cinema ao cantar "Aonde Estás" no filme "Pobre Príncipe Encantado", de Daniel Filho, e repetiu a dose no longa "Com a Cama na Cabeça", de Mozael Silveira, cantando "1971". Vozeirão.

4. Era compositora

"Manhãs de Setembro", "Mundo Colorido", "Perdoa", "Eu não quis Magoar Você", "Rotina", "Pode Ir Embora", "Espelho". Todas essas faixas têm Vanusa entre os autores, lançadas em um tempo em que cantores se consagravam principalmente como intérpretes. Talentosa, ela foi além.

Há décadas, ela goza de reconhecimento da classe artística. Em 2014, uniu-se a um fã antigo, o cantor e compositor Zeca Baleiro, que produziu o ótimo álbum "Vanusa Santos Flores".

5. Gravou belas versões

Um bom motivo para começar ouvir Vanusa: suas versões. A mais famosa é "Paralelas", que gravou antes mesmo do próprio autor Belchior. Mas vale a pena ir além do óbvio.

Escute "Sunny", de Bobby Hebb, regravada por gente como Marvin Gaye, Stevie Wonder e Boney M. Ouça "Talvez", releitura em português de "Maybe", imortalizada por Janis Joplin. Vá em "Avôhai", de Zé Ramalho, que ganhou ar acústico-progressivo naquela que talvez seja sua melhor versão.

Resumindo: Vanusa vive