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Especial de Natal do Porta: advogado pede que STF não se deixe intimidar

Em 2019, o especial de Natal do Porta dos Fundos foi exibido pela Netflix - reprodução/Porta dos Fundos e Netflix
Em 2019, o especial de Natal do Porta dos Fundos foi exibido pela Netflix Imagem: reprodução/Porta dos Fundos e Netflix

Ana Carolina Silva

De Splash, em São Paulo

03/11/2020 04h00

O Natal 2019 do Porta dos Fundos ainda não terminou e terá mais um "capítulo" hoje, no Supremo Tribunal Federal (STF). A pedido da Netflix, que fez uma reclamação, a corte fará nova tentativa de julgar a censura do "Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo", obra de ficção humorística que retrata Jesus como homossexual.

Gustavo Binenbojm, advogado da Netflix e do Porta dos Fundos neste processo, falou com exclusividade a Splash sobre o que espera; ele pede que o STF não se deixe intimidar pelo que chama de "terrorismo religioso", que culminou no atentado à sede do Porta no Rio de Janeiro.

O que chama atenção é o elemento de violência por fanatismo religioso. O atentado à bomba teria alcançado seu objetivo, que é intimidar os artistas, que estariam sob ameaça para evitar uma reação violenta. É um alerta para que o Supremo não se deixe intimidar. Enquanto o mundo assiste horrorizado à reedição de atos violentos, como na França com Charlie Hebdo, agora importam para o Brasil uma espécie de terrorismo religioso.

O advogado, que também é professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), argumentou que o especial produzido por Porta dos Fundos e exibido pela Netflix não é uma violação à honra, já que a homossexualidade, por si só, não é desonrosa.

Não é um caso que trata de discurso de ódio, de violação à honra de alguém. Uma pessoa retratada como homossexual não teve a honra violada, ser homossexual não é desonra. O ódio está nos olhos de quem vê. Acho que essa turma pensa que está fazendo o bem, mas é como os movimentos da Idade Média, das Cruzadas: querem matar algo muito precioso, a liberdade.

Além disso, no especial de Natal feito pela produtora em 2018 (vencedor de um Emmy Internacional), no ano anterior, o personagem de Jesus tentava torturar outras pessoas; na ocasião, não houve uma campanha tão grande para censurar uma versão mau caráter de Cristo.

porta dos fundos natal - reprodução/Porta dos Fundos e Netflix - reprodução/Porta dos Fundos e Netflix
Em 2019, o especial de Natal do Porta dos Fundos foi exibido pela Netflix
Imagem: reprodução/Porta dos Fundos e Netflix

Jesus era um sujeito bom no especial de 2019, só tem certo comportamento aparentemente homossexual. Isso provocou o ódio das pessoas! Então, veja, no ano anterior a figura de Jesus é representada no humorístico ficcional como um homicida, e nada se diz. Mas quando é comparado a um homossexual, a reação é discriminatória e homofóbica de quem não reconhece a prerrogativa de artistas se expressarem por meio da hipérbole.

No início deste ano, por decisão do desembargador Benedicto Acicair, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), o especial teve sua exibição suspensa na Netflix —atendendo a uma ação movida pela Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura.

Atualmente, o especial de Natal de 2019 está no ar graças ao ministro Dias Toffoli, e a Netflix registrou uma reclamação junto ao STF para avaliar a "censura" que teria sido cometida pelo TJRJ contra o material.

Splash tentou contato com Leonardo Camanho Camargo, advogado da Associação Dom Bosco neste processo, mas não obteve resposta até a publicação deste texto (se a defesa do centro religioso se manifestar, a matéria será atualizada). A diretoria da Netflix também optou por não comentar o caso neste momento —ao contrário de Gustavo Binenbojm, que a representa na ação.

porta dos fundos natal - Divulgação/Netflix - Divulgação/Netflix
Especial de Natal do Porta dos Fundos
Imagem: Divulgação/Netflix

No último dia 30, o Supremo indeferiu um pedido para adiar novamente o julgamento que deve acontecer hoje; o advogado da Associação Dom Bosco estaria com covid-19 e teria pedido por um novo adiamento, que foi negado. O STF justificou que há mais de um advogado presente nos autos e que a argumentação ocorrerá por videoconferência, sem riscos.

Advogado de Netflix e Porta, Binenbojm tem uma suspeita:

Lamento que ele tenha contraído esse vírus horrível, mas tudo indica que o objetivo era adiar e aguardar pela posse do novo ministro nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Talvez tenham esperança de que o novo ministro Kassio Nunes tenha postura menos compatível com o STF sobre liberdade de expressão. Espero que ele faça um bom papel e frustre as expectativas de quem espera que seja uma voz reacionária.

Mais uma vez, Splash tentou contato com os advogados ligados à Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura para que pudessem responder ao comentário de Gustavo, mas não houve retorno até a publicação desta matéria.

Em parecer enviado ao STF, a Procuradoria-Geral da República (PGR) já apontou que houve censura à Netflix e defendeu a permanência do especial de Natal do Porta dos Fundos.