A tradição das bonecas de cerâmica une gerações no Vale do Jequitinhonha
Carol Scolforo
Colaboração para Nossa
30/03/2021 04h00
Maria José Gomes da Silva é artesã do Vale do Jequitinhonha e faz esculturas de cerâmica junto à família.Mestra Zezinha
Quem é
Assim como muitas meninas que cresciam no Vale do Jequitinhonha, aos 10 anos, Maria José Gomes da Silva observava sua mãe encher as mãos de barro para dar forma a objetos que iam para as casas de outras pessoas e traziam de volta o sustento. "Aprendi com ela, que foi ensinada por minha avó", conta. Hoje, 40 anos depois, Mestra Zezinha é uma artista reconhecida.
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As cerâmicas do Jequitinhonha retratam um Brasil que buscou na natureza uma forma de sobreviver e que encontrou, depois de décadas, valorização. Finalmente suas esculturas coloridas são vistas como arte.
Mas o caminho para tornar o Jequitinhonha visível aos olhos do mundo foi longo. Há alguns anos, a ONG Rede Artesol passou a oferecer apoio e curadoria ao trabalho da comunidade. "Aprendemos vendas pela internet, precificação, logística e comercial, além de eles divulgarem nosso trabalho".
Assim, as esculturas de mulheres, homens e animais chegam com mais facilidade ao Brasil todo e encantam. A inspiração? "Vem do amor que eu carrego pela minha família e pela natureza. Depois de uns anos na produção de cerâmica, comecei a aperfeiçoar as esculturas nos traços de membros da minha família, como minha mãe, algumas amigas e minhas filhas", diz Zezinha.
Peguei gosto em pintar em minhas esculturas os vestidos mais lindos que imaginava. Eu me via neles, adoraria poder vestir algo assim."
Do barro à arte
O trabalho é intenso e envolve a família toda. "Começa com a coleta do barro, no barreiro, pelo meu marido. Trazemos para casa e levamos para a gangorra, que é uma ferramenta de madeira muito antiga usada para socar e triturar o barro. Depois que vira um pó, eu amasso com água e começo a modelar pela base", diz.
Depois de modelada em altura e proporção, cada peça descansa e seca. É hora de suas duas filhas pintarem com cores extraídas da própria natureza, usando penas, palito de bambu ou um pedaço de pano.
"Vem então o último processo, que é a queima, feita pelo meu marido Ulisses, em período de 8 horas para cada peça em um forno de barro com fogo à lenha". Cada item leva em torno de 9 a 15 dias para ser concluído.
O maior desafio
Das lições da vida de ceramista, Zezinha se lembra de uma bem específica. "Recebemos uma encomenda de mil bonecas em tamanho médio. Mas não conseguimos atender toda a demanda dentro do curto prazo e o cliente ficou apenas com 20% disso. Aprendi que um objeto de cerâmica de artesanato não pode ter o seu processo acelerado, pois é totalmente manual e individual."
Uma mulher realizada
Zezinha é uma mulher simples. Nunca desejou nada além de ver as filhas criadas com conforto.
"Procurei nunca alimentar outra expectativa no meu coração, talvez por receio de não conseguir realizar e perder meu foco, que era minha família. Hoje sou avó e quero ver meus netinhos crescidos", diz ela.
A boa notícia? "Eles estão aprendendo a pintar as peças de cerâmica comigo".
Alaize é minha sobrinha muito talentosa. Tem uma pintura muito bonita e delicada, o olhar dela é rico em detalhes e ela gosta de ver as peças sempre perfeitas. Anisia Lima Lopes é uma mulher batalhadora assim como eu, perseverante, que conseguiu criar toda a família por meio do artesanato. Admiro o trabalho dela.@s que me inspiram
@alaizelopes
@_anisialima