Vai pra onde, Cavalo?

Werdum está fora do UFC. Enquanto planeja próximo passo, relembra porre ao bater Fedor e quase-morte no México

Brunno Carvalho Do UOL, em São Paulo Jeff Bottari/Zuffa LLC via Getty Images

Há pouco mais de um mês, Fabrício Werdum subia pela última vez no octógono do UFC para enfrentar Alexander Gustafsson. O triunfo sobre o sueco, com sentimento de deve cumprido, encerrou com chave de ouro uma vitoriosa (mas também polêmica) segunda passagem do gaúcho pelo maior evento de MMA do mundo.

Aos 43 anos, o "Vai, Cavalo" sai do UFC, mas não do MMA. A ideia de Werdum é lutar por mais dois anos, mas agora, diz ele, fazendo as coisas do jeito que sempre quis.

Em conversa com UOL Esporte, o gaúcho falou sobre as negociações em curso e relembrou os principais momentos da carreira: o porre para comemorar a maior vitória da vida, um evento de quase-morte antes de ser campeão e a tristeza ao perder o cinturão em casa, na Arena da Baixada lotada.

A partir de agora, Werdum deixa de ser o "Werdum do UFC". Resta saber para onde vai o "Cavalo".

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Maratona: oito lutas em dois anos

O destino de Werdum está entre o Bellator e o ONE FC, os dois maiores concorrentes do UFC. O próprio gaúcho cita as duas organizações e afirma querer ir para onde possa ser campeão. "Eu não luto por lutar, luto para ser campeão", diz.

"Se puder ir para um evento como o Bellator para ser campeão, eu vou amarradão. A mesma coisa com o ONE. Eu tenho um cômodo que eu chamo de 'Quarto da Vaidade', onde coloco meus troféus, cinturões, presentes de fãs. Quero colocar lá mais um cinturão".

Mesmo sem ainda ter definido em qual organização vai lutar, Werdum já planeja os próximos dois anos. A ideia é fazer uma maratona de lutas antes de se aposentar. "Fui de um extremo para o outro. Queria fazer só mais duas lutas, mas isso você faz em seis meses. Agora, quero ficar mais dois anos no MMA e fazer de seis a oito lutas".

Em sua primeira passagem pelo UFC, Werdum saiu em baixa. Foi nocauteado pelo compatriota Junior Cigano, não teve o contrato renovado e acabou no extinto Strikeforce. "Uma derrota desvaloriza seu passe. Eu fechei com o Strikeforce ganhando muito menos. Tive que começar tudo de novo".

Dessa vez, Werdum diz que sai em alta. Na segunda passagem pelo maior evento de MMA do mundo, o gaúcho venceu dez lutas, perdeu outras quatro e conquistou o cinturão dos pesados. "Não teve uma motivação muito extrema para sair do UFC. Foi só isso mesmo. Estou renovando esse ciclo da minha carreira para poder fazer do jeito que eu quero".

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"Ganho do Fedor novamente no primeiro round"

O "jeito Werdum" deve começar com uma luta explosiva: a revanche contra Fedor Emelianenko, 10 anos depois do combate que, segundo o próprio brasileiro, mudou sua vida. Em 2010, o gaúcho pôs fim à invencibilidade de dez anos do russo, considerado por alguns o maior lutador de MMA da história.

Werdum tinha acabado de sair do UFC e a vitória sobre o russo, incluindo o prêmio de "finalização do ano", o colocou de volta sob os holofotes. O resultado facilitou seu retorno ao UFC um ano e meio depois.

Todos disseram que o Werdum chocou o mundo. Acho que a galera começou a me respeitar mais depois dali. Eu considero essa a luta que mudou a minha vida".

Werdum está negociando com Scott Coker, presidente do Bellator. Em entrevista recente ao "MMA Junkie", o próprio Fedor afirmou que se interessaria pelo combate.

"Essa luta contra o Fedor vai ser muito boa financeiramente também. Porque não vai ser qualquer luta, vai ser de pay-per-view, algo que todo mundo quer ver. Eu respeito muito ele, mas acredito que ganhe novamente no primeiro round", disse Werdum.

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O porre da vitória: 12 tequilas em menos de uma hora

Um vídeo que circula na internet mostra um grupo de 15 homens festejando em uma calçada. Um deles cambaleia até ser alertado por um amigo: "Olha a cueca, Werdum". A cena é da comemoração às pressas após a vitória sobre Fedor Emelianenko.

"Essa foi a última vez que fiquei bêbado de verdade", relembra, aos risos. "Tomei umas 12 tequilas depois que ganhei do Fedor. Nunca mais repeti. Hoje, não consigo nem sentir o cheiro de tequila. Uma cerveja, um vinho eu ainda tomo, mas tequila nunca mais".

Werdum conta que as 12 doses foram consumidas em menos de uma hora por causa de uma regra dos bares nos EUA: por lá, eles costumam fechar às 2h. "A gente passou no hotel para colocar uma calça e fomos comemorar. Chegamos no lugar e já era uma e pouco da manhã. Aí foi aquela coisa, né: 'Dá dez tequilas. Dá 12'. Eu ia passando as tequilas e tomando junto. Passava três, tomava uma. Foi tudo muito rápido".

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"Quer ser campeão ou ficar perto da família?"

Depois daquele porre, Werdum voltou ao UFC. A luta pelo cinturão veio em 2014, contra Mark Hunt —era um título interino dos pesos pesados, mas ainda assim, um título. Existia, porém, uma dificuldade a mais: a altitude. O combate foi marcado para a Cidade do México, a 2250 metros do nível do mar.

Werdum, porém, só entendeu que precisava se preocupar com isso quando conversou com o ex-boxeador mexicano Juan Márquez. O brasileiro comentou que planejava chegar no México uma semana antes da disputa. Assim que as palavras saíram da sua boca, o gaúcho entendeu que tinha falado bobagem.

"Ele me olhou e falou: 'uma semana? Acho que você tem que vir no mínimo três meses antes'. Eu não queria ficar tanto tempo longe da minha família. Quando eu falei isso, ele me olhou de novo e respondeu: 'Você quer ser campeão ou ficar perto da família?'".

Era sua maior chance no UFC e Werdum cedeu. Foi para a Cidade do México dois meses e meio antes do combate. "No primeiro dia, a gente ficou em Toluca, a 4 mil metros de altitude. Eu não conseguia nem respirar direito. Nas seis primeiras semanas de treinamento, tinha certeza de que ia perder. Corria 100 metros e o ar não vinha, ficava cansado o dia inteiro. Mas depois disso você começa a pegar o ritmo e melhora".

Seguir o conselho do mexicano foi de grande valia, já que Werdum nocauteou Mark Hunt no segundo round e conquistou o cinturão. Sete meses depois, repetiu a estratégia. Ele venceu Cain Velásquez, o campeão linear dos pesados, e unificou o cinturão. Foi um combate em que o preparo físico foi determinante. No terceiro round, o norte-americano mostrava sinais claros de cansaço e foi presa fácil para a guilhotina aplicada pelo gaúcho.

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Werdum quase morreu no México

A passagem pelo México para a disputa contra Mark Hunt também rendeu outro episódio na vida Werdum, mas esse, em vez de trazer lembranças boas, é a história de uma quase tragédia, que ele mesmo conta:

"Um amigo mexicano me ajudou a alugar uma casa pela internet. Quando a gente chegou lá, era tudo precário, sem móveis. O dono da casa ligou o gerador com gasolina. Ficou um cheiro muito forte, mas seguimos a vida. Às 3h da manhã, ninguém mais conseguia dormir. Era muita dificuldade de respirar. E todo mundo estava achando que era por causa da altitude. Não passou pela cabeça de ninguém que era o gás do gerador.

Todo mundo começou a ficar tonto, vomitando, com diarreia. Foi uma coisa desesperadora. Meu irmão correu para abrir a janela, mas não adiantou nada. Só depois que ele se deu conta e desligou o gerador.

De manhã, fomos ao hospital. O médico disse que era algo comum no México. Os geradores normalmente ficam fora da casa, mas esse estava dentro. O gás carbônico por pouco não nos matou. 'Se seu irmão não tivesse desligado, vocês teriam morrido', ele me disse. A gente quase morreu de verdade mesmo. Imagina que notícia: 'Werdum vai disputar o cinturão e morre'."

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A derrota mais sofrida

Em maio de 2016, Werdum teve uma semana digna de astro de futebol ou de Hollywood. Ele estava prestes a defender o cinturão contra Stipe Miocic no evento principal do UFC 198. Quinze mil pessoas compareceram ao treino aberto, três dias antes da luta, para apoiar o brasileiro e tirar fotos com máscaras da "happy face", a careta que virou característica do gaúcho. Na pesagem, mais festa e barulho na hora da encarada.

No dia da luta, 45 mil pessoas se aglomeravam na Arena da Baixada, em Curitiba. Nos alto-falantes, o "Tema da Vitória", que marcou os triunfos de Ayrton Senna na Fórmula 1, embalava os espectadores que aguardavam a entrada do brasileiro. A primeira defesa do cinturão dos pesados seria em casa, não tinha como dar errado. Mas deu.

Depois de levar um duro golpe no rosto nos primeiros minutos, Werdum saiu em disparada atrás de Stipe Miocic. A movimentação não é comum tão cedo em uma luta, muito menos sendo campeão e tendo tanto a perder. Mas o clima de euforia parecia ter entrado no octógono, e o resultado foi o pior possível: derrota por nocaute em apenas 2min42s de luta.

"Não quero menosprezar o Miocic. Ele mostrou que é o melhor do mundo, ganhou várias lutas depois. Mas eu também não ajudei muito. Estádio de futebol, toda aquela galera gritando meu nome... me emocionei. A imagem que eu tenho é que estava disperso. Eu não foquei como deveria ter focado para uma luta tão importante", diz.

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"Tudo vazio, só a gente com aquela sensação de derrota"

A derrota fez Werdum acordar do transe em que entrou na semana de popstar em Curitiba. As multidões fazendo "happy face" ficaram para trás, e o que viria pela frente não seria fácil de encarar.

"Antes da luta eu nem conseguia sair do hotel de tanta gente que me rodeava. Era foto, autógrafo, aquela coisa toda. Depois que perdi, não tinha uma alma viva me esperando no lobby. Lembro que saí com meu irmão e a nossa equipe para comer. Estava tudo vazio, só a gente com aquela sensação de derrota. Foi horrível".

O mau momento ficou pior quando a possibilidade de uma revanche imediata não se concretizou. Miocic seguiu a vida e defendeu três vezes seguidas o cinturão dos pesados.

"Eu achava justa a revanche porque eu vinha de seis vitórias seguidas. Se eu tivesse tomado um pauzão do Miocic, tivesse sido espancado por cinco rounds, aí não faria sentido mesmo. Mas do jeito que foi é exatamente o caso de uma revanche imediata".

Sem cinturão e sem revanche, restou a Werdum recolher os cacos para tentar uma nova chance. "É difícil encontrar motivação para treinar. Você fica pensando que vai ter que começar tudo de novo. É o extremo do extremo: a felicidade quando ganha e a tristeza quando perde".

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"A mancha do doping vai ficar para sempre"

Werdum já vinha em uma sequência irregular nos pesados quando uma punição por doping acabou de vez com as chances de uma nova luta pelo título. Em 11 de setembro de 2018, a Agência Antidoping dos Estados Unidos (Usada) anunciou a suspensão do gaúcho por dois anos por uso do esteroide anabolizante trembolona e de seu metabólito epitrembolona.

Ele se disse injustiçado na época e reitera nessa entrevista. "Eu falo com todas as palavras que eu sei que eu não tomei nada. Tenho certeza de que em nenhum momento tomei intencionalmente alguma coisa para tirar vantagem. Isso me desmotivou muito. Vai ficar para sempre essa manchinha na minha carreira, apesar de eu saber que não tive culpa".

Durante o período de suspensão, Werdum disse que sentiu sinais de depressão. "Não fiz nenhum exame para confirmar, mas foi muito difícil. Eu sempre fui um cara que gostava de churrasco, ficar com os amigos, e naquela época eu só queria ficar em casa. Foi um dos momentos mais difíceis da minha carreira. Não tinha vontade nenhuma de levantar para treinar".

Em janeiro deste ano, a Usada reduziu em 10 meses a suspensão de Werdum. Em nota oficial, a entidade afirmou que o brasileiro colaborou com informações para a descoberta de outras violações. O gaúcho, no entanto, diz ter falado apenas de si.

"Falei coisas minhas, pessoais. Depois assinei um termo que me impede de falar qualquer coisa sobre isso. Eles sabiam que era uma injustiça me manter suspenso por mais um ano. Queriam aumentar a suspensão porque fiquei sem dar satisfação para eles. Três anos suspenso seria para acabar a carreira mesmo. Queriam acabar comigo".

Após cumprir a punição, Werdum fez as últimas duas lutas que restavam em seu contrato com o UFC. Foi derrotado por Oleksiy Oliynyk, mas saiu com a cabeça erguida ao vencer o sueco Alexander Gustafsson.

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