Filosofia Luxa

Os planos de Vanderlei Luxemburgo, 68 anos, para voltar a ser campeão com o Palmeiras

José Eduardo Martins Do UOL, em São Paulo Wagner Meier/Getty Images

Perguntamos a Vanderlei Luxemburgo sobre um dos seus times de maior sucesso, o Palmeiras dos 100 gols de 1996. Foi um time que encontrou seu espaço na história do futebol brasileiro. Mas, para o crivo do treinador, de volta ao clube alviverde 24 anos depois, aquele não se trata de um "grande time".

Não é que esteja subestimando Djalminha, Rivaldo, Müller e Luizão. Ele explica como nem mesmo um conjunto icônico como aquele era perfeito.

Aquele time acabou muito cedo. Não posso dizer que aquela foi uma grande equipe. Foi uma grande equipe, mas de espetáculo em seis meses, num campeonato paulista. Ninguém tinha visto um time ganhar de seis, sete, oito a toda hora. Para ser bom, tinha que ganhar Brasileiro, Libertadores, competições de outro nível."

E complementa voltando dois anos no calendário: "O Palmeiras de 1994 era mais sólido, mais equilibrado em todos os sentidos. E ganhou. Foi uma equipe vencedora".

Agora, voltamos para tempos mais recentes. Em 2019, esse mesmo técnico assumiu um Vasco de pretensões bem modestas —para a história do clube e para seu currículo. O projeto, como Luxa gosta de dizer, da vez era simplesmente manter um time longe do rebaixamento. Era mais uma temporada em que ficaria afastado da disputa por títulos.

Agora, em 2020, aos 68 anos, de volta ao Palmeiras, em sua quinta passagem pelo clube, ele pode olhar novamente para o topo. A meta é tentar elevar o padrão de um elenco cujo núcleo já foi campeão nas últimas temporadas e esteve perto de taças no ano passado. É possível tornar esse time competitivo numa grande equipe? Em entrevista ao UOL Esporte, ele responde a essa pergunta. E algumas outras.

Wagner Meier/Getty Images

Assista à íntegra da entrevista com Luxemburgo

O novo Luxa deixou o velho Luxa para trás

Luxemburgo conquistou oito troféus de peso na década de 1990 —e você pode somar aqui ainda mais dois Torneios Rio-São Paulo. Nos dez anos seguintes, mais oito taças. Mas e na década atual? Só dois títulos: Campeonato Carioca em 2011, pelo Flamengo, e Campeonato Pernambucano em 2017, pelo Sport.

No meio do caminho, de 2015 a 2016 é verdade, teve uma estadia de quase um ano na China. Mas a verdade é que os times dirigidos pelo treinador andaram mais próximos da parte baixa da tabela do que do topo. Suas equipes simplesmente não decolavam, mesmo trabalhando em clubes grandes como Grêmio, Cruzeiro, Fluminense e novamente o Flamengo. E aí chegou o momento de uma reflexão.

Existe uma coisa que você, sem perceber, vai trabalhando profissionalmente e, inconscientemente, vai fazendo uma mudança e não percebe que está acontecendo. Eu não tenho nenhuma vergonha de falar isso. Achei que, aonde fosse, por tudo aquilo que tinha conquistado no passado, iria conquistar, porque era o Luxemburgo chegando. E não é assim."

"Eu sempre tive a preocupação de olhar para onde eu ia trabalhar. De repente eu fui para clubes que não tinham estrutura e eu não consegui ganhar, achando que eu fosse ganhar sozinho. Precisa ter estrutura. Você tem que montar uma equipe de excelência."

Marcello Zambrana/AGIF Marcello Zambrana/AGIF

Quando Luxa não bastou

O currículo de Vanderlei Luxemburgo conta com cinco títulos do Brasileirão, passagem pela seleção brasileira e pelo Real Madrid. Porém, nem só de conquistas vive o "Professor". Apesar de trabalhos consistentes, como no Grêmio, entre 2012 e 2013, as taças não chegaram em profusão em um passado recente.

Tal situação pode ser explicada também por escolhas não tão boas, como em um Fluminense longe de seus melhores dias, em 2013. No cenário nacional, pelo Sport, de 2017, e pelo Vasco, do ano passado, também, as perspectivas eram de apenas se manter na Série A do Brasileirão.

Nesse meio tempo, em 2016, Vanderlei Luxemburgo se aventurou na China para comandar o Tianjin Quanjian, na segunda divisão local. A realidade, porém, foi bem diferente do que o sonhado no (então) milionário, e aparentemente promissor, mercado asiático. Lá, além de não obter os resultados esperados, sofreu com problemas de relacionamento com dirigentes.

Questionado sobre o que levou a esse período de conquistas em volume menor, Luxa não se incomoda em admitir que errou. "Fui para clubes que eu achava que não tinham a estrutura, mas que eu iria conseguir fazer com que eles ganhassem. Não consigo. Se não tiver estrutura, jogadores, não consegue. Você vai ganhar em outros clubes, claro, Ganhei no Bragantino, por exemplo, mas foi de um jeito diferente. Consegui ter quatro ou cinco jogadores convocados para seleção".

Ricardo Ayres/Photocamera Ricardo Ayres/Photocamera

O que vem pela frente

As perspectivas são promissoras. Mesmo que haja um Flamengo pela frente. No seu entender, seu Palmeiras tem condições para disputar as principais competições do país em pé de igualdade com o atual campeão carioca, brasileiro e da Libertadores.

E não é só por ter, com o Vasco, participado de um dos jogos mais eletrizantes do futebol brasileiro nos últimos tempos: o empate por 4 a 4 em 13 de novembro de 2019. Sobre aquela partida, especificamente, ele ri e diz que não pode dizer o que identificou que poderia ser eventualmente utilizado em novos confrontos diretos. "Aí você quer me derrubar."

Mas, a despeito daquele jogo, digamos, de igual para igual, Luxa não tem como negar que os rubro-negros estavam um degrau acima da concorrência. "O Flamengo ganhou com competência e propriedade. Subiu um patamar e os outros ficaram para baixo."

Agora, cabe ao Palmeiras tentar elevar seu padrão de jogo. Nessa linha, há uma preocupação do treinador. Saber que precisam atingir os rubro-negros, mas não trabalhar exclusivamente com os novos rivais na cabeça. "Sabemos que o Flamengo foi diferente, mas não se deve direcionar seu trabalho ao Flamengo. É saber o que você fez de errado, o que te fez perder espaço. Para ganhar uma Libertadores, o que o Palmeiras fez no ano passado não serve. Então falta o quê?"

E aí Luxa oferece algo mais concreto aos torcedores alviverdes. "Eu já fiz essa comparação: entre o time do Palmeiras na última Libertadores e no Basileiro com o que o time fez neste ano nestes 14 jogos. E temos alguns pontos bastante positivos que já são diferentes. Temos um avanço", afirma. "Mas sem comparação com o Flamengo, e, sim, com o que fazem em geral os campeões."

Bruno Ulivieri/AGIF

Quais os pontos principais do novo Palmeiras?

Nestas análises dos rivais, Luxemburgo percebeu que era necessário fazer algumas mudanças em relação ao trabalho implementado por seus antecessores no Palmeiras. Em 2019, o clube começou sob a direção de Luiz Felipe Scolari e depois teve Mano Menezes à frente da equipe. Nesse processo de renovação alviverde, o antes diretor executivo de futebol, Alexandre Mattos, deixou o clube — atualmente ele comanda o Atlético-MG.

Com Luxemburgo à frente, o time também apresentou algumas mudanças táticas. O lateral esquerdo passou a marcar mais, a saída de bola ganhou qualidade com Felipe Melo na zaga, o meio de campo ganhou o toque de bola do Zé Rafael e Bruno Henrique como volantes, e Lucas Lima ganhou chances de mostrar serviço. Os jovens da base também entraram na "nova foto" que Luxemburgo quis tirar do seu vestiário.

"Se você perceber, houve uma mudança muito grande do elenco do ano passado para esse ano. Não em contratações, mas de jogadores que saíram e abriram espaço para seis ou sete jogadores de base entrarem no profissional. Houve uma mudança na fotografia e mudança de mentalidade."

Entre esses "seis ou sete jogadores da base", a torcida já celebra os atacantes Gabriel Veron e Wesley e os meio-campistas Gabriel Menino e Patrick de Paula, por exemplo.

Pictorial Parade/Archive Photos/Getty Images

Mudança de posição é chave no projeto

Uma alteração tática do Palmeiras que chamou a atenção envolve o grande líder do elenco, Felipe Melo. Quando Luxemburgo chegou, ele finalmente deixou o meio de campo para atuar na zaga —mudança que vinha sendo especulada há algumas temporadas, mas sempre rejeitada. São ações que fazem parte do histórico de Luxemburgo.

O treinador já havia recuado Djalminha na década de 90, no próprio Palmeiras; Elano, no Santos; e até o astro francês Zidane, no Real Madrid, passaram pelo mesmo processo. "As pessoas perguntam 'porque você mudou o Zidane no Real? Simplesmente porque na Copa do Mundo o Zidane jogava atrás do atacante. Não jogava do lado, seguindo o lateral até o final. No Real, o Raul jogava atrás do Ronaldo, Figo na direita e Zidane na esquerda. Eu só girei o time. Coloquei o Raul ao lado do Ronaldo, com dois atacantes. Coloquei o Zidane por trás dos dois. Não se faz coisas porque você quer fazer. É olhando as características dos jogadores".

A inspiração para mudanças táticas assim veio de um outro time que fez história no futebol mundial. Comandada por Zagallo, a seleção brasileira que ganhou a Copa de 1970, no México, tinha vários exemplos de como trocas de função podem ser benéficas. "Pessoal esquece o que aconteceu em 1970. Falam dos camisas 10, mas tinha quatro zagueiros convocados, mas o Zagallo colocou o Piazza de quarto zagueiro. Ele foi adaptado junto com o Brito. Colocou o Tostão de centroavante, mesmo tendo Darío [o Dadá Maravilha] e Roberto Miranda. Colocou Jair de ponta, mas ele era atacante por dentro no Botafogo. Colocou o Rivellino por dentro para fazer um 4-2-3-1. Colocou dois volantes que não eram de marcação, eram meias, o Clodoaldo e o Gérson. Jogadores de qualidade de passe".

Se em 1970 o Zagallo faz isso e mostra o conhecimento do técnico brasileiro e ganha uma Copa, por que trazer o Felipe Melo para trás é errado? Felipe Melo atrás é uma coisa inteligente, modéstia à parte. Eu não sou burro."

Quem ele já mudou no Palmeiras

Marcello Zambrana/AGIF

Felipe Melo

Na atual passagem, Luxemburgo recuou o ex-volante para a zaga, para aproveitar a saída de bola.

Zé Rafael

Também em 2020, Luxa tirou o meio-campistas das pontas. Agora, ele é segundo volante.

Antônio Gaudério/Folhapress

Mazinho

Em sua 1ª passagem, Luxa pegou o habilidoso lateral e o colocou no meio de campo,

Ricardo Nogueira/FI

Léo Lima

No Palmeiras campeão Paulista de 2008, recuou o meia para a posição de volante.

Quem ele já mudou no mundo

Reprodução

Zidane

Jogava pela esquerda no Real Madrid e atuou mais centralizado, servindo Ronaldo e Raul.

Divulgação/SantosFC

Elano

Era o curinga do Santos. chegou a jogar até como lateral, antes de ser fixado como volante.

Folha Imagem

Rincón

Armador no Palmeiras, foi recuado para ser volante no Corinthians para dar espaço a Vampeta.

Sergio Perez/Reuters

Sergio Ramos

Era lateral direito quando chegou ao Real Madrid, foi fixado como zagueiro por Luxemburgo.

A importância de mostrar os treinos

Durante o período de pandemia do novo coronavírus, o mundo do futebol ficou ainda mais misterioso. Acesso aos treinos e entrevistas com atletas e treinadores, que já eram escassos, acabaram praticamente extintos. Vanderlei Luxemburgo era exceção. Adepto de novas tecnologias, como ele gosta de dizer, foi o primeiro técnico a conceder uma entrevista coletiva para os jornalistas que acompanham o Palmeiras remotamente. Fez isso por um desses aplicativos de teleconferência que muitos estão usando nesses tempos de distanciamento social.

Na volta aos treinamentos, após os primeiros 20 dias de paralisação do esporte, ele aproveitou as mesmas facilidades tecnológicas para unir seu grupo. "Eu reuni os jogadores e falei: 'agora não tem mais essa de pedir para vocês treinarem. Agora, tem a obrigação de treinamento. Vou criar um meio para que eu possa treiná-los onde vocês estão'. Chamei o preparador físico e o responsável pelo centro de ciência para fazermos a demonstração dos exercícios. O jogador faz o vídeo, manda para cá e podemos acompanhar. Foi a maneira que eu entendi para treinar os jogadores no espaço deles".

Esses treinamentos costumam ser resumidos e publicados no canal do clube no YouTube. Além disso, Luxa tem usado os aplicativos de videoconferência para reunir seu elenco em reuniões. "É pelo Zoom [aplicativo que ganhou popularidade desde o confinamento global], todo mundo junto. É importante que cada setor saiba o que está sendo cobrado dos outros setores. Por exemplo, falei da defesa. Aconteceu isso e isso. E o meio-campo e a defesa precisam saber o que está sendo dito. É um conjunto, não tem a separação. Quando é por setor, falo só por setor. Individual, é individual", resume.

Reprodução

Transparência é importância para o negócio

Essa postura de mostrar o que está sendo feito é uma continuação do que o treinador vinha fazendo desde que abriu sua quinta passagem pelo Palmeiras. Desde que ele chegou, o nível de abertura para a imprensa das atividades é muito maior do que aquele que existia com o ex-técnico Luiz Felipe Scolari. As diretrizes do novo comandante chegaram a causar surpresa dentro do clube.

"O tempo vai passando e você vai amadurecendo. Já fechei treinamento. Se tiver a necessidade de fechar, eu vou fechar. Porque vocês têm que entender o seu trabalho. Tem repórter que vê um pouco mais, relata. O adversário vai ler. E você vai ter de fechar. Mas entendo que o futebol é um negócio que é gerido amadorísticamente, e precisa ser gerido profissionalmente. Você tem de entender o que faz parte do seu contexto. Eu entendo que o futebol tem de ser aberto, sem problema nenhum".

Vale dizer, também, que Luxemburgo já tinha dado mais liberdade para os profissionais de imprensa desde os tempos de Vasco da Gama, quando abriu as portas de São Januário para os repórteres acompanharem o dia a dia da equipe.

Rebeca Reis/Rebeca Reis/AGIF Rebeca Reis/Rebeca Reis/AGIF

Vovô luxa

A experiência também fez Luxemburgo moldar sua postura no dia a dia com os jogadores da nova geração. O trato com os boleiros é bem diferente de quando ele despontou, no início da década de 90. Antes, a conversa era direta e reta —incluindo xingamentos. "Hoje o jogador aceita a abordagem do técnico de um jeito diferente. Você encontra casos, não aqui no Palmeiras, do jogador ligar para o assessor e dizer que o Luxemburgo falou isso e isso de mim. E aí liga para imprensa e vaza. Tem que ter cuidado nessa relação hoje", admite.

Casos como esse o ajudaram a aprender a gerir um grupo de jovens com um entorno diferente da geração anterior. São atletas que chegam ao futebol profissional com assessores de imprensa, empresários e mais uma infinidade de pessoas. E já são, ainda jovens, influenciadores digitais. Para tanto, até o contato com o netinho vira um aliado na hora de entender e falar a linguagem dos mais jovens. "Estou aprendendo com meu neto".

"Como é que você vai tirar o celular do jogador? Nós criamos uma regra, daqui pra frente vamos pensar no jogo e deixar o celular para lá. Aí você usa o celular como uma ferramenta de trabalho. Eu gravo um vídeo do adversário e mando para o setor de inteligência mandar para eles assistirem no celular. Então usamos o celular para passar a programação da semana, não tem mais papel".

Luxemburgo sempre gostou de usar recursos tecnológicos como celular. Outro exemplo é o ponto eletrônico. No Corinthians, ele se envolveu em uma polêmica ao colocar o meia Ricardinho em campo com o aparelho. O uso foi proibido, mas Luxa ainda defende a iniciativa.

"O ponto eletrônico vai chegar no futebol porque o futebol é coletivo. O treinador precisa falar coisas que o adversário não pode saber. No vôlei, se usa isso, só no futebol não se usa isso porque as pessoas no futebol acham que não pode. Estou prejudicando o futebol? Não, estou levando meu time à vitória. Eu ofereci ao meu adversário, o técnico do Botafogo-SP", lembra.

Evelson de Freitas/Folha Imagem

Pegadinha do Baixinho

Ainda defendendo a tecnologia, Luxemburgo relembra de uma pegadinha que sofreu. Uma delas, envolvendo o hoje senador, Romário, que não mediu esforços para "atrapalhar" a preleção do Profexô.

"Eu tenho um programa que anima os posicionamentos, é dinâmico, não tem mais os jogadores, aquilo manual. Mas quando tinha, tem um lance que eu vou contar de um jogador sacana pra caramba. Eu estava de costas, e ele tirou um jogador do quadro. E eu não conseguia encaixar o meu time de jeito nenhum. Poxa, está com um buraco no meu time. Aí um deles falou: 'Não está faltando um jogador não?' Sacanagem. Foi o Baixinho, de sacanagem mesmo. Eu ri."

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