Ídolo em todo lugar

Fernando Prass foi muito mais longe do que pensava. Não só isso: viveu seu auge depois dos 35 e foi canonizado

José Eduardo Martins Do UOL, em São Paulo Miguel Schincariol/Getty Images

Aplaudido por onde quer que tenha passado, Fernando Prass confessa que não entrou no futebol sonhando com glórias. Ao UOL Esporte, ele afirma que, mesmo com tantos títulos relevantes no currículo, a maior alegria de sua carreira é o simples fato de... ter uma carreira profissional.

Não passava pela cabeça do jovem Prass, mesmo na base do Grêmio, uma jornada tão longeva ou triunfante. Torcedores de Coritiba, Vasco e Palmeiras fazem questão de, a cada encontro, mostrar como eram modestas suas projeções. Aos 41, o goleiro agora tenta acrescentar o Ceará a essa lista de reverência.

"Quando eu estava começando, só imaginava chegar em um time de primeira divisão. Eu sempre falava para o Carlos Eduardo, o Careca, um cara que jogou comigo no Vila Nova. Nós concentrávamos juntos e eu falava isso para ele: 'Eu quero só chegar em um time de primeira divisão. Estar no bolo, como a gente falava."

Não é só o desempenho acima da média, trabalhado muito esforço e dores, que acaba cativando a torcida. A postura do veterano dentro e fora do campo é um alicerce tão ou mais importante na construção dessa relação de respeito.

"Agora, eu olho para trás... Pô, eu consegui chegar no Coritiba e ser reconhecido, no Vasco, chegar e ser reconhecido, no Palmeiras... Chega até ser surpreendente, sinceramente."

Miguel Schincariol/Getty Images

Vou contar uma história. Quando eu tava renovando meu contrato no Vasco em 2010, eu tinha 32 anos, e o Rodrigo Caetano era o diretor. Ele é ruim de negócio. Eu pedindo daqui, pedindo dali, um pouquinho mais de salário, um tempo maior de contrato. Eu falei: 'Rodrigo, cara, me ajuda porque é o meu último contrato em alto nível. Com 35 anos, provavelmente eu vou estar me aposentando'. Agora eu te pergunto: quais foram as maiores conquista que eu tive e os melhores rendimentos que eu tive na minha carreira? Depois dos 35.

Prass, ainda na estrada

Veja a entrevista na íntegra

Ale Cabral/AGIF

São Prass na Academia? Aí já é 'covardia'

Mesmo para um goleiro tão experiente, a missão era das mais complicadas. Na Academia de Futebol do Palmeiras, Prass teve de aprender na marra a conviver com a enorme responsabilidade de suceder Marcos — mesmo que não tenha sido o substituo imediato do lendário goleiro.

Dedicado em períodos de grande dificuldade, decisivo em conquistas, conseguiu carregar esse peso com força e talvez tenha passado por seu próprio processo de canonização. Virou São Prass, mesmo?

A cobrança em time grande já é enorme. Com um cara desse nível, é maior ainda. É uma memória muito recente. Então, tudo eles comparam com o cara. Esses dias saiu uma pesquisa de duelo de ídolos. Edmundo x Dudu, Djalminha x Rivaldo, aí Fernando Prass x Marcos. Eu falei: 'Porra, é covardia', né?

Prass foi contratado pelo Palmeiras no fim de 2012, mesmo ano do anúncio da aposentadoria de Marcos. Se figuras mais jovens como Bruno e Deola não suportaram a pressão, o goleiro ex-Vasco já tinha mais estofo. Mas não é que a aceitação tenha sido imediata.

"Foram uns dois anos assim, com todas as perguntas em relação a isso. Quando eu fazia um grande jogo, era sobre isso. Quando eu falhava, era sobre isso. Quando eu peguei o primeiro pênalti, foi sobre isso. Eu não gosto de falar sombra porque essa energia, essa luz que o Marcos tem, vai durar por muito tempo. O cara vai estar jogando no gol do Palmeiras daqui a 20 anos e vão comparar com o Marcos."

Friedemann Vogel/Getty Images Friedemann Vogel/Getty Images

Grandes momentos alviverdes

Na escalada palmeirense nesta metade de década, Prass de fato operou alguns milagres. Na campanha do título da Copa do Brasil de 2015, por exemplo, o goleiro foi fundamental —e não só por aquele momento que acaba sendo mais lembrado: a defesa de um pênalti e a cobrança certeira do tiro final contra o Santos na decisão.

O goleiro se recorda de intervenções na semifinal contra o Fluminense nesta campanha, com triunfo nos pênaltis após cada mandante ter vencido por 2 a 1.

"Aquela defesa [em lance do Fred] foi mais importante que o pênalti do Scarpa [que defendeu]. O pênalti tu poderia se recuperar. Ali, era aos 42 do segundo tempo, eu acho. O 2 a 2 era do Fluminense e mesmo um placar de 3 a 2 seria do Fluminense também. Então, ia ficar bem complicado para a gente. Teríamos que fazer dois gols."

Ao coroar a temporada com a sequência decisiva contra o Santos, era como se estivesse vivendo as partidas mais importantes de sua carreira.

"O primeiro jogo da final contra o Santos, se tu pegar o jogo todo e tu for ver, a gente teve duas finalizações no gol do Santos, bem no comecinho do jogo. Depois, a gente tomou um grande sufoco. Uma das melhores partidas que eu fiz foi aquela ali."

Enfim, a relação palmeirense com Marcos deixou de ser uma pressão: Prass tinha seu próprio espaço.

De me botar ali, pô, está louco... Tinham outros goleiros com mais história no Palmeiras para colocar. De repente, me colocaram porque eu fui o mais recente, também, mas tinha Oberdan Catani, Valdir Joaquim de Morais, Leão, Sérgio, Velloso. Tinha muita gente.

Prass, sobre um duelo virtual com Marcos

Não, medo não. Muita gente fala: 'O Prass é louco'. Eu não ia bater se eu não tivesse me preparado. Eu não seria louco, seria irresponsável se eu pegasse a bola e fosse bater, mas eu tinha treinado muito, muito, muito. Mas óbvio que sempre dá um frio na barriga

Prass, sobre o pênalti convertido contra o Santos

Pedro Vilela/Getty Images Pedro Vilela/Getty Images

A despedida poderia ter sido melhor

Não pegou bem, para a imagem da diretoria, o modo como conduziram a saída de Prass ao final do ano passado. Já era público que seu contrato chegaria ao fim. Mas em nenhum momento houve uma conversa franca para que lhe comunicassem que o clube não tinha mais interesse em uma renovação.

Se a cúpula palmeirense imaginava que sua despedida seria discreta, é porque subestimaram o carinho da torcida pelo veterano, mesmo que ele já fosse o reserva de Weverton há um bom tempo. No fim de sua passagem, ainda tinha o nome gritado pela arquibancada. Antes de fechar com o Ceará, o litígio alviverde deixou algumas marcas.

Tinha prometido não falar mais sobre isso. A única coisa que questiono para as pessoas entenderem bem é a maneira. Tem maneiras de tu dizer para uma pessoa que tu não quer mais e tem outras maneiras, como num casamento, como num relacionamento, em um namoro, ou em uma empresa. Tu pode chamar o funcionário e falar: 'A gente optou pelo outro. A gente quer mudar o perfil'. Tranquilo".

Prass lamenta que a notícia não tenha sido dada em uma conversa direta, olho no olho. Há entre os torcedores, então, uma expectativa de o clube remediar a situação para realizar uma partida de despedida em homenagem ao goleiro, no futuro.

"Eu comparo com os caras que tiveram, como foi Alex, como foi Marcos, esses caras assim. Sinceramente, não passa pela minha cabeça isso [jogo de despedida], não."

Eu não discuto nada a minha saída do Palmeiras, em relação à opção técnica. Como eu não discuto os jogos que não joguei por opção técnica. Isso são opções das pessoas, é natural

Prass

Bruno Ulivieri/AGIF Bruno Ulivieri/AGIF
Daniel Vorley/AGIF

"Tenho hoje 20% mais de potência no gol do que aos 35 anos"

Sabe a história de Prass não imaginar que pudesse ir tão longe em termos de conquistas? Então que esteja aos 41 anos defendendo um clube de Série A pode parecer ainda mais improvável.

E não é que o goleiro hoje cogite a aposentadoria. Tal façanha só é possível por causa da evolução dos métodos de trabalho com um jogador profissional. A ciência é o grande reforço.

"É difícil por causa das privações que tu tem que ter em relação a quando era mais jovem. Uma coisa que me ajudou muito e que acho que vai ser cada vez mais normal vai ser o jogador ter uma longevidade maior por causa da ciência no esporte. Então, hoje, eu tenho 20% a mais de força e potência do que quando eu tinha 35 anos. Não porque fiz mágica. É porque, de repente, antigamente, eu tava em sub-rendimento."

"Se fosse antigamente, com os métodos antigos, com certeza que eu teria chegado estourando aos 40, mas com esses novos métodos de treinamento, sinceramente, eu não sei. Eu acho que teria que ser uma avaliação ano a ano. Seria uma irresponsabilidade minha falar que eu vou jogar mais dois anos, mais três anos."

Nesse sentido, um ex-companheiro de Palmeiras serviu como inspiração: Zé Roberto, outro sinônimo de longevidade no esporte. O arqueiro até considera injusto quando apontam apenas a genética como explicação para o sucesso do ex-colega. "Não é de graça. Eu vi o Zé Roberto de perto. O Zé tem uma genética privilegiada, mas é uma injustiça do caramba dizer que ele jogou até os 43 por causa disso. Ele é um cara de uma determinação absurda e ele mostra que, tu sendo determinado, tu consegue manter o alto nível."

Daniel Vorley/AGIF Daniel Vorley/AGIF
Pedro Chaves/AGIF

Um novo projeto no Ceará

Muita gente pode ter se surpreendido ao ver Fernando assinar com o Ceará, clube que está bem longe do poder econômico do Palmeiras e escapou por pouco do rebaixamento em 2019. Mas, ao seu modo, o clube nordestino está em um momento de ascensão. Desenvolvendo sua infraestrutura para, quem sabe, poder fazer frente aos clubes dos grandes centros.

"Está sendo legal. É um clube que está crescendo. Ele está fazendo o processo, na minha opinião, certo para se diferenciar. Ele fez o saneamento financeiro, que é o primeiro a se fazer... Tem clubes que querem fazer o contrário, querem ter resultados dentro de campo para aí arrumar o financeiro. O clube comprou um CT para base e pagou em dois anos. Agora, está tendo o maior orçamento da história. Começou a investir no futebol mais forte", disse.

"Eu acho que é um projeto que tem tudo para dar bem certo. É um time que tem camisa, tem tradição, tem torcida, tem apelo popular. Então, é um baita projeto."

Alexandre Loureiro/LatinContent via Getty Images Alexandre Loureiro/LatinContent via Getty Images

Do outro lado do milagre

Prass foi peça importante na última conquista nacional do Vasco, a Copa do Brasil 2011. Era um núcleo de jogadores que, na cabeça de seus torcedores, poderia ter ganhado mais, inclusive uma Libertadores.

Pois, no duríssimo confronto com o Corinthians, pelas quartas de final do torneio continental em 2012, o veterano goleiro virou testemunha de uma das grandes defesas da década. Foi quando, no Pacaembu, aos 18 minutos do segundo tempo, Diego Souza avançou sozinho rumo ao gol, de frente para Cássio. O corintiano fez o milagre, defendendo com a ponta dos dedos. De longe, o vascaíno assistiu a tudo.

"Eu vi, até porque a jogada começou comigo. Cobraram uma falta pra área, eu tirei de soco, e acho que caiu no pé do [lateral] Alessandro a bola. Ele foi chutar e explodiu no Diego Souza. Aí, ele saiu sozinho com a bola e parece que todo mundo parou. Eu continuei caminhando e todo mundo ficou parado, parece que congelou naquele momento."

Muitos corintianos consideram aquele momento o mais importante do time rumo a sua primeira Libertadores.

"Quando o Diego chuta e o Cássio defende, eu paro e eu tava fora da grande área. Eu olho e tem gente atrás de mim. O campo inteiro parece que parou pra acompanhar o lance, porque não tinha o que fazer. Tenho tudo muito claro na minha cabeça."

Sabia que a torcida do Vasco tinha um carinho por mim. Quando eu fui jogar lá, em 2018, o Vasco tava lutando pra não cair, e a gente [ele estava no Palmeiras na época], pra ser campeão. Era um jogo importantíssimo pro Vasco. A gente era o 'inimigo' pra um possível rebaixamento. No fim do aquecimento, aconteceu uma coisa sensacional. A torcida inteira no estádio cantando o meu nome, cantando a música que cantava pra mim, então, foi uma coisa que me surpreendeu, sinceramente. Eu esperava que ia ser bem tratado, mas não daquela maneira.

Prass

Alexandre Schneider/Getty Images Alexandre Schneider/Getty Images

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