Ame-o ou deixe-o

Ciclo de Sampaoli no Brasil é marcado por euforia, milhões gastos, inesgotáveis problemas e saídas traumáticas

Eder Traskini e Guilherme Piu Do UOL, em Santos (SP) e Belo Horizonte Pedro Souza/Atlético-MG

Tudo que envolve Jorge Sampaoli é intenso — e tenso, também. Em uma analogia com relacionamentos, é como se você conquistasse a pessoa desejada, mas, no final, descobrisse que não valia a pena o esforço.

No início, há paixão. Sampaoli causa uma euforia quase "beatlemaníaca". Sua chegada é ovacionada e suas primeiras palavras conquistam até o mais descrente dos torcedores. Ele, que já tinha animado você (no caso, o clube), ganha a simpatia também daqueles que torcem por você. É como se sua família e amigos aprovassem o relacionamento.

Quando vocês começam a sair de rolê (no caso, os campeonatos), atraem olhares invejosos. É fácil se render ao estilo de Sampaoli: um futebol ofensivo e repleto de conceitos modernos. Mesmo nas derrotas (algumas acachapantes) e nas eliminações (algumas precoces), você fecha os olhos e procura recordar os bons momentos.

Então, aos poucos, começam os problemas graves. Aquilo que você faz por ele nunca parece ser suficiente. A relação se desgasta. E, a cada dia, ele quer mais reforços. E sem dar muita coisa de volta. Nos dois relacionamentos que teve no Brasil, fez Santos e Atlético-MG investirem mais de R$ 210 milhões em contratações, mas só conquistou um título, o Campeonato Mineiro de 2020.

E é assim que termina. Depois de tudo que você fez por ele, é ele quem decide ir embora. Você já não lamenta, sabe que vai ser melhor assim, tem noção de que é impossível satisfazê-lo. A saída de Sampaoli, perto de trocar o Atletico-MG pelo Olympique de Marselha (FRA), não causa dor, só alívio — e vem com muitas contas para pagar...

Pedro Souza/Atlético-MG

Contratações pouco utilizadas

A passagem do argentino pelo Santos durou apenas um ano, mas foi repleta de pedidos por reforços — alguns que ele mesmo não utilizou. Ele exigiu a contratação do peruano Christian Cueva, mas com apenas 16 jogos — e muitos problemas de comportamento, é verdade — o argentino encostou o meia. O clube paulista investiu R$ 27 milhões no jogador.

Ele também pediu o centroavante Uribe, que custou R$ 5 milhões, mas parou de utilizar o colombiano após apenas 11 partidas. Os dois acionaram a Justiça para sair do clube, que não teve retorno algum pelos R$ 32 milhões gastos na dupla.

O Peixe, que já vivia situação financeira delicada antes da chegada de Sampaoli, se afundou ainda mais em dívidas, utilizando os R$ 172 milhões arrecadados com a venda de Rodrygo ao Real Madrid (ESP). O dinheiro que poderia pagar dívidas foi gasto em atletas e, agora, o clube está perto de completar um ano proibido pela Fifa de fazer contratações por causa das pendências financeiras.

O Atlético-MG, por sua vez, gastou R$ 4,4 milhões para tirar Léo Sena do Goiás a pedido de Sampaoli. Mas o jogador só atuou em três partidas com a camisa do clube mineiro antes de ser encostado e, posteriormente, emprestado.

Bruno Cantini/Atlético-MG

Sistema tático: genial ou maluco?

Um dos motivos para a eloquência de Sampaoli ao pedir reforços é seu esquema tático peculiar, marcado pela ofensividade permanente. Para executá-lo, Sampaoli pede jogadores com características específicas, desprezando muitos que já estão no elenco.

No Santos, colocou o goleiro Vanderlei no banco e conseguiu a contratação de Everson, que sabe jogar com os pés. Liberou Eduardo Sasha para buscar outro clube, afirmando que o atleta não possuía "definição esportiva". Mas o atacante ficou, ganhou a confiança do comandante e terminou 2019 como vice-artilheiro da equipe. Sasha e Everson foram pedidos de Sampaoli na sua mudança para o Atletico-MG.

O argentino preza pela posse de bola e pelo "perde-pressiona", cobrando que a equipe faça uma espécie de blitz assim que perde a bola para recuperá-la rapidamente. Os extremos costumam jogar colados nas linhas, enquanto os laterais constroem por dentro. O resultado é um volume grande de chances criadas na maioria dos jogos.

Mas quando o esquema naufraga, os resultados são goleadas históricas. O Santos que o diga: perdeu para o Ituano por 5 a 1 e para o Botafogo-SP por 4 a 0, ambos no Paulista de 2019, além de ser derrotado por 4 a 0 pelo Palmeiras no Brasileirão daquele ano.

Bruno Cantini/Atlético-MG Bruno Cantini/Atlético-MG

Reforços, sempre mais reforços...

Ávido por contratações, Sampaoli faz exigências que beiram à loucura no futebol brasileiro. Se os dirigentes não aceitam os pedidos, o treinador ameaça deixar o clube e cria um ambiente de dúvidas. A reportagem ouviu relatos assim no Santos e no Atlético-MG.

Entre dezembro de 2018 e o fim de 2019, a diretoria do Peixe gastou quase R$ 70 milhões em 14 contratações e se endividou ainda mais para agradar o treinador. Além disso, já em um cenário de discórdia com o então presidente José Carlos Peres, Sampaoli exigiu que outros R$ 100 milhões em aquisições fossem gastos para a disputa da Copa Libertadores. O pedido — absurdo para a realidade da maioria dos times brasileiros e principalmente do Santos naquele momento — não foi aceito, deixando o treinador mais perto de sair da Vila.

Desde que chegou ao Galo, em março de 2020, Sampaoli pediu 13 reforços. Foram investidos R$ 145,49 milhões. O dinheiro saiu dos cofres de empresários do grupo dos 4 R's, que influencia diretamente nas ações diretivas do clube. Rubens Menin e Rafael Menin, que atuam no ramo de engenharia e comunicação, Ricardo Guimarães, banqueiro, e Renato Salvador, administrador de redes hospitalares, são conhecidos como os "mecenas" atleticanos.

Apesar da exigência por gastos exorbitantes, Sampaoli conquistou apenas um título em solo brasileiro: o Campeonato Mineiro de 2020 pelo Atlético-MG. No Santos, foi vice-campeão Brasileiro.

Daniel Vorley/AGIF

Desgaste e saídas traumáticas

Sampaoli não deve sequer completar um ano de Atlético-MG. Com o interesse do Olympique de Marselha (FRA), o treinador arruma suas malas para deixar o país ao fim do Brasileirão, que termina na próxima quinta-feira (25).

O argentino, inclusive, já colocou seu carro, modelo Range Rover Evoque, à venda por quase R$ 420 mil. Também não pretende renovar o contrato de aluguel — que termina em março — da casa onde mora, em Lagoa Santa, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

É mais uma saída com certo desgaste no currículo de Sampaoli. Desde o ano passado, sua relação com dirigentes do Galo não é tão boa. O ex-presidente Sérgio Sette Câmara disse ao UOL, quando ainda estava à frente do clube, que praticamente não conversava com o treinador. O ex-dirigente Alexandre Mattos também não tinha relação 100% pacífica com o comandante, que ganhou fama de ter "recebido a chave do centro de treinamento do Atlético-MG como se fosse o dono do local".

O treinador chegou, inclusive, a impedir que ídolos da história do clube, como o ex-zagueiro Leonardo Silva, hoje membro da diretoria alvinegra, e Éder Aleixo, integrante da comissão técnica, acompanhassem os treinamentos no CT.

Conversamos com dirigentes da Universidad de Chile e da seleção chilena e temos relatos da convivência, e mostra que ele sai sempre de forma difícil dos clubes. É um grande treinador, mas sempre sai com um final infeliz".

José Carlos Peres, ex-presidente do Santos, em entrevista à Fox Sports, em dezembro de 2019

Minha relação [com Sampaoli]? Zero. Praticamente zero. É o estilo dele ficar fechado ali entre ele e a comissão técnica dele, sem se abrir demais. Não é só comigo, é com a direção de comunicação, com o corpo médico".

Sérgio Sette Câmara, então presidente do Atletico-MG em dezembro de 2020.

Jason Reed/Reuters

Círculo vicioso na carreira

A saída iminente do Atletico-MG não será muito diferente das protagonizadas por Sampaoli ao longo de sua carreira de treinador. Foi assim quando deixou a seleção chilena para ir ao Sevilla (ESP), com rescisão terminando em disputa judicial. A despedida do time espanhol também não foi das mais amigáveis. Até da seleção argentina, que comandou por pouco mais de um ano e levou às oitvas de final da Copa do Mundo de 2018, Sampaoli saiu de forma polêmica, com uma suposta discussão envolvendo o craque Messi.

Já a passagem do argentino pelo Santos foi marcada por discussões públicas com o então presidente José Carlos Peres e uma ação na Justiça, em que o treinador cobra R$ 4 milhões em verbas trabalhistas.

Seus críticos o definem como "intransigente", "arrogante" e "cheio de si", e talvez, por essas características, o treinador frequentemente se envolva em polêmica com dirigentes. Há um padrão ao longo de sua carreira como técnico: chega ovacionado e deixa o clube em meio a atritos e indisposição com cartolas. No Santos e no Atlético-MG, a história não foi diferente.

Em resumo, o treinador é como um vulcão ativo: impressionante, potente, poderoso e que pode entrar em erupção a qualquer momento. Como bom latino, o argentino causa uma mistura de sensações, que vão desde o amor até a raiva. Basicamente: "ame-o ou deixe-o".

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