Mãe e atleta

Minha História: campeã olímpica, Tandara conta como lidou com gravidez não planejada a um ano e meio da Rio-16

Tandara Caixeta, em depoimento para Nathalia Garcia Colaboração para o UOL, em São Paulo Marcus Steinmeyer/UOL

Todo início de ano faço um check-up para começar a temporada na seleção brasileira de vôlei tranquila. Era janeiro de 2015. Fui à ginecologista, expliquei que estava lá apenas para fazer os exames de rotina. Minha menstruação não estava atrasada, eu não sentia sono demais, fome demais, não sentia enjoo ou dor de cabeça.

Ao me examinar, a médica percebeu que o colo do meu útero estava um pouco inchado e pediu um exame de sangue. Nem abri o resultado. No retorno, ela me perguntou se não sentia alguma coisa no meu corpo, se minha barriga estava pesada, meu peito dolorido. Comecei a me assustar. "Eu tenho alguma coisa? Estou doente? Estou ficando preocupada". A ginecologista, então, deu a notícia: "Você está grávida de 12 semanas e 4 dias".

Eu parei e fiquei travada na cadeira. Meu mundo caiu. Na minha cabeça só veio o time, eu jogava no Praia Clube naquela época, e a Olimpíada. Faltava um ano e meio até a estreia dos Jogos do Rio, será que daria tempo de voltar e ser convocada?

Marcus Steinmeyer/UOL
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Consulta de rotina

Eu falava que ia ser mãe aos 26 anos, mesmo sem namorado. E mãe de uma menina. Eu sempre tive muito jeito com criança, sabe? Era babá de todos os filhos dos amigos dos meus pais. Brincava com as crianças e, no fim do dia, dava banho em todo mundo. Ser mãe era o meu sonho, mas não podia imaginar o que estava por vir.

As coisas aconteceram muito rápido quando conheci o Cleber. Após seis meses, a gente já estava morando juntos em Uberlândia. Naquele momento, meu foco era Olimpíada Rio-2016 e seleção, estava me dedicando ao máximo. Não pensava em ter filho. Eu tomava anticoncepcional, mas nunca gostei porque me sentia muito inchada. Conversei com minha ginecologista, expliquei que estava sentindo um desconforto e decidimos trocar a pílula.

Segui minha rotina. Para iniciar a temporada na seleção brasileira, precisamos apresentar um atestado médico. Aproveito esse período para consultar diversos médicos, incluindo nutricionista, dermatologista e ginecologista. Faço tudo para chegar trincando no time e começar o ano tranquila. Em janeiro de 2015, eu me sentia ótima.

A única diferença no meu corpo eram as espinhas na região do colo e dos braços. Eu queria tomar Roacutan para diminuir a acne. Para receitar esse medicamento, a dermatologista disse que precisaria comprovar que eu não estava grávida. "Não corro esse risco", respondi.

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A notícia

Fui, em seguida, à ginecologista com o mesmo propósito: pegar um atestado para comprovar que estava bem de saúde. Estava tão desligada, a médica pediu exame de Beta HCG —aquele que pode indicar se a mulher está ou não esperando um bebê— e não prestei atenção. Deixei até o resultado de lado, levei o envelope fechado na consulta. Foi quando veio a notícia da gravidez não planejada.

Saí do consultório chorando, no carro liguei para o Cleber e contei que estava grávida. Ele, calmo, me falou que tinha sentido e sonhado que era uma menina. Eu fiquei desesperada, mas nunca passou pela minha cabeça interromper a gestação. O único questionamento era como cuidar daquela criança. Fiquei desesperada também porque a Karine, que era do Praia naquela temporada, tinha contado ao time que estava grávida uma semana antes. No treino, chamei ela de canto e conversamos.

Liguei depois para minha família. Minha mãe conta que meu pai abriu um sorriso quando eu disse que estava grávida. "Meu bem, não era o momento, mas que venha com saúde, a gente vai cuidar". Minha mãe ficou brava. Um mês sem falar comigo.

Esperei uma semana para contar ao time. Quando fiz os exames e tive certeza de que tudo estava bem, falei que estava grávida de três meses. Eu sabia que seria difícil, mas expliquei que não tinha sido planejado e que não queria prejudicar o time. "Isso não vai atrapalhar. Você já é da casa, você é a cara do projeto, a gente está aqui para te ajudar". Me senti acolhida com aquelas palavras, fiquei aliviada. Esse era o time em que fui jogar quando saí de casa, em Brasília, aos 14 anos. Fizemos o comunicado para todos e seguimos.

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Longe do vôlei

Eu joguei até quatro meses e meio de gestação, já tinha até uma barriguinha. Fiquei fora de poucos treinos, minha performance em quadra não diminuiu. Continuava me jogando no chão, não desistia de bola em jogo. Tudo normal. Durante as quartas de final da Superliga 2014/2015 contra o Minas, fiquei triste com algumas situações, mas achei que tudo seria resolvido com uma conversa. O Praia Clube tinha mostrado interesse em renovar comigo.

Passou um mês e as coisas foram mudando. Depois que fui liberada, mesmo grávida, liguei pedindo a opinião da minha família, e decidimos juntos que brigaríamos pelo meu direito e pelo direito da minha filha, a Maria Clara, na Justiça. Deixei meu advogado cuidando da situação e me isolei. Decidi cuidar da minha gestação.

Foi nessa época que eu optei pelo parto humanizado. Li muito, vi vídeos, fiz ginástica, montei o enxoval com a ajuda da minha mãe, decoramos o quarto da Maria Clara branquinho com detalhes de coruja. E me desliguei totalmente do vôlei. Não tive o enxoval dos sonhos, mas ficou perfeito. Tudo simples e maravilhoso. Até setembro, recebia cerca de R$ 800 por mês. Fui usando minhas economias, vendi meu carro, tentei reduzir meus gastos. Só pensava que a gente tinha de comprar fralda. A Fabiana, que é a madrinha, deu o carrinho, meu pai deu o bebê conforto, foi tudo especial.

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O parto

Optei pelo parto natural porque tinha a Olimpíada. Eu não tinha desistido de participar. Queria também respeitar o tempo de nascimento da minha filha. Estava na expectativa, mas sem pressa. Completei 39 semanas, a Maria Clara parou de mexer porque não tinha mais espaço.

A doula chegou na minha casa por volta das 17h no sábado, eu disse a ela que a Maria Clara seria carequinha. Minha mãe já rezava o terço, o Cleber estava com os olhos arregalados. A madrugada foi muito intensa. Das 2h às 4h, foi um martírio, eu gritava desesperadamente. Às 5h, dilatei os 10 cm e não sentia mais dor. Mas a bolsa não tinha estourado ainda, eu precisava empurrar. Tentei no chuveiro, na banheira, no banquinho. Maria Clara nasceu na minha cama. Fiz a primeira força, a bolsa finalmente estourou, na segunda força, parei na circunferência maior da cabeça dela. Foi quando a doula me disse: "Você falou que ela não era cabeluda, mas ela é. Você quer vê-la? Empurra."

A gente contou até três, e a Maria Clara saiu. Domingo, dia 13 de setembro, às 7h40. Naquele momento, me senti completamente realizada.

Eu não sabia se pegava, beijava, abraçava, me senti perdida. Quando ouviu a minha voz, ela se acalmou e parou de chorar. Fiquei ligada com a Maria Clara durante uma hora pelo cordão umbilical até parar de pulsar. Eu dormi um dia inteiro depois de 28 horas de trabalho de parto. Assim que o pediatra disse que ela estava com saúde, minha chave virou. Precisava voltar ao vôlei.

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Novo clube

Quando engravidei, eu estava pesando 97 kg. Tinha programado engordar 15 kg, mas cheguei a pesar 117 kg. No dia em que a Maria Clara nasceu, subi na balança e faltavam só 10 kg para meu peso ideal. Fiquei feliz, estava com a Olimpíada na cabeça. Mesmo já sendo campeã olímpica, queria muito vestir a camisa da seleção no Rio.

Dois dias depois do parto, a Keyla Monadjemi, supervisora do Minas, me ligou: "Preciso ver como você está. A gente tem interesse em te contratar". Nem pestanejei, fui até Belo Horizonte. Precisava trabalhar. Tentei um último acordo com o Praia, sem sucesso. Pedi demissão e decidi seguir minha vida. Tenho minha consciência tranquila.

Cheguei em Belo Horizonte no dia 16 de outubro. Quando pisei na quadra para defender a camisa do Minas, a Maria Clara tinha apenas 2 meses. A gente terminou em terceiro lugar naquela temporada. Fiquei muito feliz por ter sido capaz de me recuperar e de jogar bem. Foi um troféu para mim.

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A Olimpíada

Logo depois, fui para a seleção. Cheguei com 100 kg, brigando pela minha posição. Fiquei 53 dias longe da Maria Clara. Ela estava com seis meses. Infelizmente, não deu para jogar a Olimpíada, mas foi um aprendizado grande, me fez outra jogadora. Os anos de 2016, 2017 e 2018 foram as melhores temporadas da minha vida. Meu corte na seleção foi indispensável para meu crescimento profissional e pessoal.

Não estou pensando agora em outro(a) filho(a). Se dependesse do Cleber, teríamos uma creche. Mas, por mim, uma nova gravidez não está no planejamento ainda. Quero ter o gostinho de jogar mais uma Olimpíada. Com 32 anos, talvez Tóquio seja minha última oportunidade vestindo a camisa da seleção brasileira. Vou seguir até quando meu corpo aguentar. Quem sabe, futuramente, minha cabeça mude.

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Minha História

Os Jogos Olímpicos de Tóquio, originalmente marcados para agosto de 2020, foram adiados para 2021. Com todo o mundo impedido de sair de casa, os atletas tiveram de parar, pensar e traçar planos para recomeçar. Para marcar essa etapa, o projeto Minha História, do UOL Esporte, em que grandes nomes do esporte nacional contam, em suas palavras, o que viveram para chegar ao topo, publica relatos dos grandes nomes do esporte brasileiro que devem brilhar no Japão.

A primeira edição teve o campeão olímpico do salto com vara de 2016 Thiago Braz, que fez um relato sincero sobre relacionamentos, como o que está reconstruindo com seus pais, e amizades, como as com o saltador Augusto Dutra, o treinador Elson Miranda e o fisioterapeuta Damiano Viscusi, que morreu em 2017.

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