A última Copa da Rainha

Marta encerra reinado nos Mundiais e vê seleção brasileira finalmente caminhar sem ela

Carolina Alberti e Luiza Sá Justin Setterfield/FIFA via Getty Images

A estreia da seleção brasileira na Copa do Mundo da Austrália e Nova Zelândia também significa também os últimos lampejos de Marta em uma edição de Mundial, o sexto de sua carreira. E o que o grupo de Pia Sundhage mais deseja é colocar, finalmente, no lugar mais alto do pódio, quem tanto deu ao futebol feminino brasileiro.

Na eliminação verde-amarela na Copa de 2019, Marta já tinha dado o recado: não seria eterna. Era a hora de novas estrelas surgirem e deixarem, aos poucos, a maior jogadora de todos os tempos, se tornar uma coadjuvante.

Queria estar sorrindo ou até chorando de alegria. Acho que esse é o primordial, chorar no começo para sorrir no fim. Quando digo isso, é querer mais, treinar mais, é se cuidar mais, jogar 90 minutos ou até mais. É isso que eu peço para as meninas. Não vai ter uma Formiga, uma Marta, uma Cristiane para sempre, e o futebol feminino depende de vocês para sobreviver. Então pense nisso, valorize mais. Chore no começo para sorrir no fim".

Sem Formiga, aposentada, e com Cristiane fora dos planos da atual comissão técnica, a camisa 10 é a última representante de uma geração que mudou a história do futebol feminino brasileiro.

Acostumada a ser Rainha, Marta pode deixar a Oceania como maior artilheira de Copas do Mundo entre homens e mulheres, posição que já ocupa, com 17 gols. Além disso, se marcar pelo menos um gol, será a primeira jogadora a balançar a rede em seis Mundiais consecutivos.

Justin Setterfield - FIFA/FIFA via Getty Images

Sempre ela

Se o início de Marta na seleção brasileira marcou um período de renovação, o fim também será desta maneira. Com diversos nomes da nova geração chegando, a craque deixa em boas mãos o legado que construiu. Em 2007 eram 13 estreantes na Copa, enquanto em 2023 são 11.

Há 20 anos, as jogadoras usavam as sobras dos uniformes do time masculino. Agora, a delegação embarcou para a Austrália com roupas feitas sob medida, um voo fretado e uniformes pensados para as necessidades das mulheres.

Marta marcou gols em todas as Copas do Mundo que disputou. Desta vez ela não sabe quanto tempo jogará. Para a estreia virou dúvida após problema na coxa durante a preparação.

Marta deixa a seleção com ouro nos Jogos Pan-Americanos de 2003 e 2007, prata nos Jogos Olímpicos de Atenas em 2004 e Pequim em 2008, e o vice-campeonato mundial em 2007.

Chris Hyde/FIFA via Getty Images Chris Hyde/FIFA via Getty Images

De Marta à Majestade

A Marta de 17 anos, que estreou em 2003, é bem diferente da versão com 37, que faz a última Copa em 2023. Vinte anos depois, ela assumiu o protagonismo, lutou por melhores condições e deixa a seleção em uma um patamar acima no que diz respeito a desenvolvimento.

Ela virou "mágica" pela sua boa estreia em Mundiais, há 20 anos, nos Estados Unidos. Foram três gols logo no primeiro ano no time profissional, e também um aperitivo do que viria adiante. A seleção ? que tinha a menor média de idade do torneio ? chegou às quartas de final, quando acabou eliminada pela Suécia.

O show na principal competição do futebol veio em 2007, na China. A Rainha conseguiu pela primeira e última vez ser a artilheira de uma edição da Copa, com sete gols. Foi também neste ano a melhor participação do Brasil na história, terminando com o vice-campeonato.

Na sequência das Copas do Mundo, foram mais quatro gols de Marta na Alemanha (2011), um no Canadá (2015), e dois na França (2019). Na última, inclusive, superou o alemão Miroslav Klose e se isolou como artilheira máxima dos Mundiais.

Hoje, Marta se tornou a referência que ela acredita não ter tido quando chegou aos 17 anos à seleção brasileira. A seis vezes melhor do mundo acha que antigamente a concorrência era menos saudável. Duas décadas mais tarde, ela serve como apoio, referência, diversão e conexão com as mais novas.

Infelizmente ela ficou fora um tempo muito grande pela lesão, mas sempre foi uma pessoa que manteve contato com a gente. A Marta é a Marta e dentro de campo não sou eu que vou falar para vocês quem é a Marta. Todo mundo já viu e sabe muito bem?

Ary Borges, meio-campista da seleção brasileira

Jamie Squire/Getty Images Jamie Squire/Getty Images

Eterna referência

Nós merecemos esse título, por tudo que vem acontecendo, e sem dúvida alguma a Marta e outras meninas estão dentro disso. A gente vai fazer de tudo para trazer esse título da Copa para o Brasil, para a Marta e para todo o povo brasileiro

Antonia, lateral da seleção brasileira

A Marta é uma pessoa excepcional, uma atleta fora de série, que sempre se dedicou nos treinos. Hoje ela sabe muito bem do papel que ela tem dentro da seleção brasileira, não só dentro de campo, mas principalmente fora de campo

Francielle, ex-jogadora da seleção brasileira e medalhista de prata em Pequim 2008

A Marta é uma líder, um exemplo de uma pessoa incrível, um coração enorme. Ela é uma das mais velhas, mas gosta de se sentar com as mais novas, quer saber qual é a dança do momento. É o tipo de pessoa que faz com que o ambiente fique leve

Ary Borges, meio-campista da seleção brasileira

Jean-Paul Pelissier/Reuters

Uma voz de contestação

Gigante dentro dos gramados, Marta aproveitou a visibilidade que recebeu pela habilidade com a bola nos pés para dar voz às lutas que cercam há décadas o futebol feminino.

Após receber sua quinta Bola de Ouro, Marta se encontrou com a então presidente Dilma Rousseff, no Palácio do Planalto, em Brasília, e pediu "mais atenção" à modalidade.

Já na Copa do Mundo de 2019, ela vestiu uma chuteira preta, sem qualquer estampa de patrocínio. Ao comemorar o gol contra a Austrália, ela mostrou uma bandeira azul e rosa, estampada na lateral do calçado. Era um pedido: igualdade.

O gol era o 16º da atacante em Copas ? empatando com Klose ? e a manutenção do "hábito" de balançar as redes em todos os Mundiais que jogou. Questionada, na época, sobre os recordes, ela manteve a versão contestadora.

Novo recorde? Isso é pela igualdade de todas mulheres. Não gosto de falar, gosto de mostrar".

Michael Buholzer/AFP Michael Buholzer/AFP

Missão cumprida?

Se o apito final da história de Marta nas Copas do Mundo acontecerá certamente em algum momento de agosto de 2023, o último capítulo da sua vida como jogadora de futebol também se aproxima.

As rugas entregam que Marta não é mais a menina que costumava encantar gerações, e a Rainha agora tem outros sonhos, bem distantes dos gramados. Com vínculo com o Orlando Pride (EUA) até 2024, a atacante sonha ser mãe.

Se a história de Marta no futebol acaba com a sensação de dever cumprido é algo que só a atacante poderá responder. A certeza é que, apesar das limitações, a Rainha entrega para as novas gerações um futebol feminino melhor estruturado e porque não dizer abraçado.

Nesta Copa, as meninas do Brasil tiveram voo fretado, longo período de treinos e adaptação, uniforme e roupa de viagem pensado para elas. Ainda falta reconhecimento, e até respeito ? visto os comentários durante a transmissão da CazéTV ? mas existem motivos para Marta voltar àquela frase de 2019 e, enfim, "sorrir no fim".

Galeria de Marta

  • Seis vezes eleita melhor jogadora do mundo (2006, 07, 08, 09, 10 e 18)

  • Vice-campeã da Copa do Mundo de 2011

  • Prata nas Olimpíadas de Pequim (2008) e Londres (2012)

  • Tricampeã da Copa América (2003, 2010, 2018)

  • Bicampeã Pan-americana (2003 e 2007)

  • Primeira mulher a integrar a calçada da fama do Maracanã

Justin Setterfield/FIFA via Getty Images Justin Setterfield/FIFA via Getty Images

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