O desafiante

Quem é Jimmy Butler, o finalista da NBA que une Neymar, Marielle Franco e xícaras de café a R$ 100

Arthur Sandes e Beatriz Cesarini Do UOL, em São Paulo Andrew D. Bernstein/NBAE via Getty Images

Jimmy Butler é um vencedor. Aos 31 anos, encontrou no Miami Heat o time perfeito para sua ambição e finalmente conseguiu chegar onde nunca esteve: a quatro vitórias do título da NBA. É alguém acostumado a desafiar as probabilidades, afinal, a vida começa antes do basquete. Para quem foi abandonado pelo pai e depois expulso de casa pela mãe, ser o azarão nas finais contra o Los Angeles Lakers é até bastante confortável.

O astro do Miami Heat é como dois homens em um só. Um cara inabalável, de estilo simples e sorriso malandro que vira uma fera em quadra e faz o que for preciso para ganhar. Ele brigou a vida inteira para disputar os jogos que agora tem pela frente. Entre a tranquilidade e a fome de vencer, lidera a campanha surpreendente do Heat que agora quer pregar mais uma peça em quem acredita em favoritismo: vencer LeBron James e os Los Angeles Lakers na série decisiva que começa às 22 horas (de Brasília) de hoje (30) - com transmissão da Band e da ESPN, que você pode assistir assinando o UOL Esporte Clube.

Batizado como Jimmy Butler III, o astro do Heat nasceu na pequena cidade de Tomball, nos arredores de Houston, no Texas. O pai biológico nunca se incomodou em criá-lo e a mãe expulsou o futuro jogador da NBA de casa quando ele tinha 13 anos. Ele só voltou a ter uma casa quatro anos depois, quando foi adotado pela família de um colega do time de basquete da escola. O jogador não gosta de tocar no assunto. Negou várias vezes que não tinha onde morar, mas não dá detalhes sobre a história. Diz que atualmente está "em bons termos" com a mãe biológica.

Confiante por natureza, mas não falastrão, quando Butler promete que vai competir, é difícil de duvidar. Uma entrevista dada em julho ilustra bem o caráter imperturbável: "Nós não nos importamos com estatísticas, com fama, com nada disso. Só nos importamos em ser campeões. E estou te dizendo: é por isso que jogamos como estamos jogando". A frase foi dita há dois meses e soou como discurso vazio. Hoje, ninguém mais pode desmerecê-la. A segurança de Jimmy Butler é tão grande que ele parece saber de alguma coisa que todos nós desconhecemos.

Andrew D. Bernstein/NBAE via Getty Images
Instagram/Neymar Jr.

Parça de Neymar e reverência à Marielle

Nas finais da NBA, nosso personagem ganhou o apoio de pelo menos um torcedor especial: Neymar. Os dois são amigos, vivem se elogiando nas redes sociais e, nesta semana, o brasileiro publicou uma foto parabenizando o "parça" pelo título da Conferência Leste. "Hey, bro, estou muito feliz por você. Você merece!", escreveu o camisa 10 da seleção brasileira na legenda.

Butler já disse mais de uma vez que considera Neymar o melhor jogador de futebol do mundo e mantém uma relação especial com o Brasil. Ele foi campeão com a seleção dos EUA nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, e voltou à cidade para passar suas últimas férias, no ano passado.

Durante a viagem, tirou um monte de fotos de pontos turísticos do Rio, como a praia de Copacabana e os Arcos da Lapa. Em meio aos registros, uma fotografia simbólica de um grafite de Marielle Franco, vereadora assassinada em 2018.

Instagram/Jimmy Butler Instagram/Jimmy Butler
Michael Reaves/Getty Images

Vencer o melhor para ser o melhor

O posto de desafiante parece fazer bem a Jimmy Butler, que trata a condição com uma naturalidade impensável. É um Davi com ar malandro na encarada com Golias. Em dezembro, na véspera de um duelo contra os Lakers, ele foi perguntado sobre o que esperava do jogo. "Vai ser bem legal. Eles têm aquele cara que costumava jogar aqui? Qual é o nome dele?", começou, escondendo um meio sorriso e se referindo, é claro, a LeBron James.

Não era descaso ou provocação, mas um sossego de quem sabia estar à altura do desafio. Jimmy sempre foi uma pedra no sapato de LeBron quando o marcava, e não é à toa que o histórico entre os dois tem 17 vitórias para cada lado. Mas o empate, é claro, não é suficiente para Butler.

Pela grandeza e por ser um cara que faz tudo muito bem, eu gosto da competição, de enfrentá-lo. Há um respeito mútuo entre nós, mas ele tem vencido mais contra mim nos jogos que importam [nos playoffs]".

Os dois vivem um antagonismo diferente do usual. Butler estreou na NBA na temporada em que James foi campeão pela primeira vez — pelo Miami Heat, inclusive. Nas conquistas, nos números e nos recordes, não há comparação. Tecnicamente, talvez não haja comparação também. Mas se o título da NBA depender da força de vontade, pode apostar que Butler faz as finais durarem até o último arremesso do jogo 7.

No começo da temporada regular, ele escolheu os Lakers como o time "imparável" e a dupla LeBron James e Anthony Davis como a mais perigosa da NBA. "Estou sendo bem amoroso com os Lakers aqui, mas é real, é verdade", brincou, antes de voltar a ser o Butler de sempre. "Eu realmente não dou a mínima [sobre favoritismo], não tenho medo de você. Estou aqui para batalhar", avisou. O recado não tinha intenção de ser direcionado aos Lakers, mas hoje pode ser.

Reprodução/Twitter @nbaoncampus

Café de R$ 100 agora tem concorrência no Heat

Jimmy Butler transformou a bolha da NBA em uma oportunidade de negócio e virou barista. O ala do Miami Heat levou equipamentos e ingredientes para preparar o próprio café. A explicação: considerava ruim o que é servido aos jogadores no complexo da Disney. Quando percebeu que os companheiros tinham a mesma opinião, criou uma cafeteria no seu quarto, a Big Face Coffee — uma piada interna da equipe.

O seu cafezinho fez sucesso, mas o preço é alto. Butler chega a cobrar US$ 20 (cerca de R$ 108) por uma única xícara e oferece nove variedades de café. A vantagem é que o valor é o mesmo para todos os tamanhos, pequeno, médio ou grande.

O astro valoriza o produto e já avisou que nem o título da NBA renderia uma rodada de café grátis para os jogadores do Miami Heat.

Não vou dar café de graça para ninguém, nunca".

Bam Adebayo criticou o preço, dizendo que o companheiro "inflaciona o café". Goran Dragic é cliente fiel e até já usou um boné onde se lia "já paguei meus vinte", em referência à xícara caríssima. Fato é que o empreendimento de Butler agora tem concorrência: a Little Face Coffee, criada por um assistente técnico do Heat, que cobra US$ 5 (R$ 27) por um cafezinho bem mais simples.

Garrett Ellwood/NBAE via Getty Images

Heat volta à final por um caminho diferente

Talvez a principal história desta decisão seja o reencontro entre LeBron James e o Miami Heat, mas a franquia que deu o primeiro título ao astro desta vez chegou à final por um caminho diferente. Se em 2012 o técnico Erik Spoelstra comandou um trio histórico, que ainda tinha Chris Bosh e Dwyane Wade, desta vez montou um finalista com talentos bem menos badalados.

Bam Adebayo, de 23 anos, praticamente duplicou suas principais estatísticas e se tornou pilar do Heat na primeira temporada como titular. Duncan Robinson, de 26 anos e apenas dois na NBA, não foi draftado mas está no top 5 na média de arremesso de 3 pontos convertidos nesta temporada (3,7 por jogo). Já o calouro Tyler Herro, de 20 anos, tem o sangue frio de um veterano e na semana passada anotou 37 pontos em um jogo — a melhor marca da carreira. O time ainda tem Andre Iguodala, que pelo Golden State Warriors venceu três finais sobre LeBron James e foi muito importante para parar o astro rival.

O desempenho do trio e a campanha surpreendente coroam um trabalho pautado na competitividade. Desde que perdeu Bosh-James-Wade, o Heat se negou a admitir campanhas deliberadamente ruins para ter melhores escolhas no draft (o polêmico "tank", algo não tão incomum na NBA). Em vez disso, mirou sempre lá em cima, onde agora chegou.

Jimmy Butler, a estrela de Miami, mostra confiança desde o começo dos playoffs. Em julho, quando ele disse que o Heat estava na bolha para vencer a NBA, a aposta soou como vazia. Hoje, ninguém mais pode desmerecê-la. "Não nos importa estatísticas, fama, nada disso. Só nos importamos em ser campeões. E estou te dizendo: é por isso que jogamos como estamos jogando", diz.

Sean M. Haffey/Getty Images Sean M. Haffey/Getty Images
Jesse D. Garrabrant/NBAE via Getty Images

Lakers jogam por Kobe e pelo 17º

Em 2010 os Lakers venceram os Cetics em sete jogos para conquistar seu 16º título da NBA. Dez anos depois, o adversário não é o mesmo (os Celtics caíram para o Heat há poucos dias), mas esta final ainda carrega muito do simbolismo daquela. Principalmente por Kobe Bryant, herói de LA que morreu tragicamente em um acidente no começo do ano.

Nesta temporada os Lakers jogam por Kobe, inclusive com a camisa feita em homenagem ao ídolo, em alguns jogos. Isolado da torcida e do mundo exterior, os Lakers parecem usá-lo como força motriz da campanha na bolha. "Toda vez que coloco essa camisa roxa e dourada, penso em seu legado, sobre ele e o que ele significou para esta franquia por mais de 20 anos", disse LeBron James nesta semana.

James é a principal cara do time, mas não a única, principalmente porque Anthony Davis tem sido protagonista. Quando os dois capricham, os Lakers são quase imbatíveis: são 16 vitórias e uma só derrota nos jogos em que a dupla combina para 60 pontos ou mais. Só uma dupla na história da NBA teve retrospecto melhor do que este: Shaquille O'Neal e Kobe Bryant em 2000, quando foram campeões.

A temporada marcante pode terminar com os Lakers no topo da NBA e também do ranking de maiores campeões. A franquia tem um troféu a menos do que os Celtics e pode dar fim a uma hegemonia de mais de 50 anos. Além disso, LeBron James chega à décima final em busca do quarto anel, pelo terceiro time diferente.

O Los Angeles Lakers tem LeBron James e Anthony Davis, os dois melhores jogadores da final, mas o Miami Heat tem um elenco versátil e defensores o bastante para tentar minimizar o estrago que a dupla pode causar. Espero uma decisão equilibrada, em que pequenos ajustes podem mudar de uma hora para outra o panorama da série. Até porque os técnicos Frank Vogel e Erik Spoelstra chegaram na decisão mudando bastante suas rotações durante os playoffs, se adaptando aos adversários

Lucas Pastore, editor do UOL Esporte e colunista do Vinte e Dois

Joe Murphy/NBAE via Getty Images Joe Murphy/NBAE via Getty Images

A bolha imune à covid-19

Para dar sequência à temporada em meio à pandemia do coronavírus, a NBA decidiu montar uma bolha a fim de proteger seus atletas e delegações. Um esquema de guerra com investimento de US$ 170 milhões (R$ 875,6 milhões) levantaram uma redoma virtual em um resort dentro do complexo da Disney, em Orlando, na Florida (EUA).

Ironicamente, a bolha da NBA foi um sucesso mesmo montada em um dos estados americanos com mais casos de covid-19. Em três meses de isolamento e protocolos rígidos a serem seguidos antes mesmo do início dos jogos, nenhum caso de infecção por coronavírus foi registrado. Muitos até pensaram que o local estava realmente coberto por uma estrutura física, como um grande muro.

A liga americana de basquete reservou, para os 22 times participantes, 18 hotéis do "mundo onde os sonhos se tornam realidade". O complexo de 90 hectares tem três arenas para os confrontos e sete ginásios para treinamentos.

Como se faz um isolamento de verdade

A determinação para entrar na bolha foi padrão: assim que chegasse, a pessoa ficava 48 horas isolada em seu quarto. Tinha de registrar "negativo" em dois exames para covid-19 para ser liberado. Quando um jogador deixou o local de isolamento, teve que ficar alguns dias em nova quarentena e realizar testes de detecção de coronavírus antes de retornar às partidas e treinamentos —um deles foi o brasileiro Bruno Caboclo.

A recomendação foi de que os atletas só deixassem o resort em casos extremos, como o nascimento de um filho, morte de familiar ou problemas de saúde e outros tipos de emergência.

O protocolo da NBA permitiu que cada clube levasse 37 pessoas a campo, contando atletas, técnicos, integrantes da comissão técnica, seguranças e outros funcionários. Todas as pessoas que convivem na bolha, além das delegações das equipes, foram submetidos a exames a cada noite e o resultado foi sempre divulgado na manhã seguinte.

A entrada de familiares foi permitida apenas após a primeira rodada dos playoffs. O atleta que quis receber convidados foi responsável por arcar com os custos de reserva de um quarto adicional e os visitantes tiveram que ficar em isolamento por uma semana, além de serem submetidos a dois testes de covid-19 em um período de três dias até ficarem liberados para permanecer na bolha.

Douglas P. DeFelice/Getty Images

A bolha derrubou os favoritos?

Sem viagens, sem pressão da torcida e sem distrações extra-quadra, a bolha parece purificar o basquete e otimizar o que a NBA tem de melhor: nível técnico altíssimo, jogos acirrados e um punhado de lances históricos. A quadra neutra pode ter ajudado a nivelar as coisas e aumentar as chances de zebra. "No final das contas, são dez caras em uma quadra e vence quem for melhor. O nível tem sido ótimo", opinou recentemente o técnico dos Celtics, Brad Stevens.

Um estudo feito no ano passado na Universidade de Samford, no Alabama, calcula que a vantagem de jogar em casa é grande na NBA. Em dez playoffs recentes, de 2009 a 2018, o time de melhor campanha se classificou em 74% das séries analisadas (111 de 150). Na bolha, o número ficou em 71% após 14 séries, o que inclui as eliminações precoces do atual campeão Toronto Raptors e de dois favoritos ao título (Milwaukee Bucks e LA Clippers).

A final da Conferência Leste não teve os dois melhores times da fase anterior (Bucks e Raptors), algo inédito desde 1984 - ano em que a NBA expandiu os playoffs. Os Bucks lideraram a temporada regular comandados por Giannis Antetokounmpo, eleito MVP em 2019 e 2020.

No Oeste, o Denver Nuggets virou duas séries em que perdia por 3 jogos a 1, um feito também inédito e que talvez não ocorresse se Jokic, Murray & Cia. tivessem que ir a Los Angeles duas vezes nos três jogos decisivos da semifinal da conferência. A campanha também surpreendente terminou nos Lakers, no último sábado (26).

Sem justiça, sem NBA

No dia 26 de agosto, o elenco do Milwaukee Bucks se recusou a entrar em quadra contra o Orlando Magic, como forma de protesto contra a violência policial e o racismo estrutural nos Estados Unidos.

O efeito foi dominó. O boicote iniciado pelos Bucks em apoio ao movimento "Black Lives Matter" foi seguido por outras duas partidas naquele dia (Rockets x Thunder e Lakers xTrail Blazers) e por equipes de ligas como a WNBA e campeonatos de futebol e beisebol.

A NBA foi paralisada e retornou três dias depois da primeira manifestação. O confronto que marcou a volta foi justamente o que desencadeou os protestos. Atletas, árbitros e membros da comissão técnica entraram em quadra vestidos com camisetas em alusão ao movimento "Vidas Negras Importam", se ajoelharam para ouvir o hino nacional. O gesto representa o ativismo antirracista desde que o jogador de futebol americano Colin Kaepernick começou a fazê-lo na NFL, em 2016.

Além disso, jogadores e técnicos entraram em campanha para incentivar a votação nas eleições presidenciais de novembro. Nos EUA, o voto não é obrigatório. A liga já anunciou que todas as suas arenas poderão ser usadas como locais de votação no pleito, oferecendo mais uma possibilidade ao voto presencial "e seguro" durante a pandemia do novo coronavírus.

A paralisação da maior liga de basquete do mundo esteve quase sempre associada a raros eventos externos e não aos protagonistas da competição. Os atletas conversaram entre si e exigem das autoridades uma significativa reforma policial. É desta maneira que a temporada recheada de grandes disputas e qualidade altíssima também marca a história da NBA com o admirável e forte gesto de engajamento político dos seus jogadores.

David Dow/NBAE via Getty Images

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