Guerreiro ou Gianecchini?

Ex-atacante Leandro conta como virou ídolo e elogia atual time do São Paulo. Hoje ele é comentarista

Gabriel Carneiro, Luis Augusto Simon e Vanderlei Lima Do UOL, em São Paulo Antônio Gaudério/Folhapress

Nascido na cidade paulista de Ribeirão Preto há 41 anos, Leandro cansou de fazer testes para entrar na base do Botafogo — tradicional clube local — quando era moleque. Ele lembra que sempre ia bem, fazia gols e dava bons passes, mas nunca passava. "Os treinadores falavam que já tinham jogadores como eu", era a resposta.

Tudo mudou em 1998. Já perto da maioridade, trabalhava num lava-rápido quando foi chamado para outro teste. Relutou, mas foi. Lá, encontrou vários meninos com quem brincava de bola na rua para um jogo-treino contra o sub-20 do Botafogo. "Com 15 minutos, estava 2 a 0 para a gente, o treinador era o [Carlos] Guerra. Ele parou o treino e disse: 'O que eu estou pedindo para vocês há meses esses garotos fizeram em 15 minutos'. No dia seguinte assinei contrato."

O resto é história. Virou profissional no Botafogo em só três meses e acabou vendido ao Corinthians poucos anos depois. Lá, virou Leandro Gianecchini. Também jogou na Rússia e no Japão, mudou o apelido para Leandro Guerreiro no Fluminense e se tornou ídolo do São Paulo bicampeão brasileiro em 2006 e 2007. Entre Gianecchini e Guerreiro, conseguiu um espaço na história recente do futebol brasileiro, tanto é que hoje trabalha como comentarista do Campeonato Paulista na HBO Max.

No papo do UOL Entrevista, exibido na sexta-feira (18), no Canal UOL, ele fala sobre passado, presente e futuro e prova que, ao contrário do que diziam os resultados dos testes no passado, não existem vários como ele.

Antônio Gaudério/Folhapress

"Meu estilo de jogo irritava": veja a entrevista com Leandro completa

As histórias por trás dos apelidos

Reprodução/Instagram

Gianecchini

"Meus primeiros treinadores do profissional pediam para que a gente fosse trajado como se fosse para uma empresa, respeitando o clube. Nunca de chinelo, evitar bermuda. Quando eu fui para o Corinthians em 2001, eu seguia isso à risca. Sempre bem alinhado. Aí o Batata e o Ricardinho começaram com a brincadeira de chamar de Giane. O Milton Neves também me chamava de Gianecchini e ficou porque eu ia para o treino alinhado."

Ivo Gonzalez/Fluminense

Guerreiro

"Era uma final de Taça Rio pelo Fluminense contra o Flamengo e eu tive uma lesão no ombro, uma luxação. Ia me deixar uma mês fora. Eu não treinei a semana toda com o braço inchado, muita dor. Mas na sexta-feira cheguei para o Abelão e falei que queria jogar. Eu fui para o jogo e fiz gol, joguei 70 minutos. Foi uma dor insuportável, mas eu resisti, estava sob medicamento. A gente ganhou de 4 a 1, fomos campeões e aí começou o apelido."

Robson Ventura/Folhapress

Moderno antes de ser moda

Essa história de ser recusado em testes na juventude e tratado como um jogador comum ajudou a moldar na personalidade de Leandro o lado "guerreiro", para quem não existe tempo ruim. Atacante dedicado, jogou como ala e lateral-direito, volante, meia e centroavante numa carreira de mais ou menos 15 anos de duração.

"Desde pequeno, sempre joguei em várias posições. Onde tinha brecha de titular, eu estava. Quem me colocou no profissional do Botafogo foi um treinador chamado Lula Pereira, que Deus o tenha. Ele falava: 'Eu vejo você em uma posição que poucos têm: você ataca, mas consegue recompor, vai fazer muita diferença no futebol'. Isso aconteceu, foi o que me fez sobressair", conta, entre as brincadeiras de que se vê no futebol como fermento numa receita, porque "tem que estar no bolo".

Leandro foi um atacante moderno, de facilidade na recomposição defensiva, antes de ser moda: "Hoje os caras jogam abertos, mas não tem espaço livre para o 'facão', que é cair do meio para a ponta. Isso acaba prejudicando muito o atacante. O jogador fica acompanhando lateral. Eu ficava mais por dentro. Quando recebia, eu estava em velocidade. Mas tem que ter a função defensiva. Desde antigamente, eu fazia isso, e com qualidade."

Autor de 17 gols pelo Corinthians e só um a menos pelo São Paulo, Leandro deixa o legado de jogador "chato" para as defesas adversárias: "[Meu estilo de jogo irritava] Bastante. Eu apanhei bastante (risos)".

Teve uma outra em que eu estava lesionado no Fluminense. Fiquei quase um mês sem treinar. Voltei, fiz três treinamentos, na quarta, quinta e um rachão na sexta e fui para um jogo contra a Ponte Preta, em Volta Redonda. Na sexta-feira, o Abelão me chamou e disse que ia me levar para o jogo. 'Você está doido, professor? Fiz dois treinos, não fiz parte física, nada. É um jogo que precisa vencer'. Ele falou que ia levar, que eu não ia começar, mas que talvez eu entrasse. Ele falou que eu poderia pegar ritmo. Eu disse que tudo bem."

Leandro, Sobre um jogo em que mostrou o lado guerreiro no Fluminense

Dezoito minutos e a Ponte fez 2 a 0. Começou um 'zumzumzum' [da torcida]: 'Leandro Guerreiro'. Daqui a pouco, o Abel me mandou aquecer e entrei. Com seis minutos em campo, minha perna estava inchada. No fim do primeiro tempo, estava quase vomitando. O primeiro tempo acabou 2 a 1. Voltamos, empatamos, a Ponte fez 3 a 2. Aos 39 do segundo tempo, a gente empatou: 3 a 3. Aos 47, eu fiz 4 a 3 e viramos o jogo. Foi surreal. Eu não acreditava de onde tinha tirado a força, como o treinador acreditou em mim. Vou levar para o resto da vida."

Isso aconteceu em 2005

Mensagem de Muricy emociona Leandro ao vivo; assista

Rubens Cavallari/Folhapress

Relação com Rogério Ceni: de ídolo a 'patrão' no São Paulo

Leandro não esquece uma história dos tempos de garoto, nos anos 90. São-paulino, viu no estádio o time do coração enfrentar uma seleção de jogadores do Botafogo e do Comercial. Na época, o Tricolor mandou para Ribeirão Preto o "Expressinho", como era chamado o time formado por jovens e reservas. Um dos nomes preferidos da torcida era o goleiro Rogério Ceni.

"Depois do jogo, eu invadi o campo e corri. A polícia atrás, mas eu me esquivei, cheguei até o Rogério e peguei um autógrafo dele. Depois de anos, estava do lado do 'patrão'. Ele é meu ídolo e referência profissional e pessoal", elogia o ex-atacante.

Rogério Ceni deu aval para a contratação dele, em 2006, e no convívio diário só ganhou respeito. "O que mais me doeu nesses dois anos de São Paulo foi a final da Libertadores de 2006, a forma como a gente perdeu para o Inter. Demorou meses para curar a ferida dentro de mim, é uma das maiores derrotas da minha vida. Depois da partida, o Rogério quis assumir a culpa sozinho, ele soltou a bola em uma oportunidade, mas salvou outras vezes. Mas dissemos que a derrota foi do São Paulo, de todos, dentro e fora de campo. Ali, a gente cresceu demais, abraçou ele de uma forma e disse: 'Vamos ganhar o Brasileiro'."

Leandro diz que já via perfil de técnico no "patrão" naquela época: "Ele enxergava o campo lá de trás. Sempre teve uma visão diferenciada"

Ettore Chiereguini/AGIF

Comentarista, Leandro vê evolução no time em 2022: 'Surpreendendo'

Rogério Ceni hoje é técnico do São Paulo. Leandro, comentarista da HBO Max e torcedor. Apesar da amizade e da relação antiga, o ex-atacante não tem receio em dizer que o time teve problemas neste começo de temporada.

"Não começou muito bem o Paulista, teve bastante dificuldade, principalmente contra as equipes que jogavam atrás. O São Paulo sofria muito para furar o bloqueio. Mas na reta final, o time evoluiu, tem mais troca de passes na parte ofensiva, tabela, triangulação. Teve uma evolução muito boa no campeonato. Apesar de o Rogério sempre mexer no time, sempre surpreendendo, como no clássico, deu resultado", opina Leandro.

O São Paulo já está classificado para as quartas de final do Campeonato Paulista como líder do Grupo B, com seis vitórias, dois empates e três derrotas, 16 gols marcados e nove sofridos. Também já tem definido o confronto no mata-mata contra o São Bernardo, ainda sem data. Antes disso, fecha a fase de grupos hoje (19), às 16h, contra o Botafogo. Curiosamente, um duelo entre os dois ex-times mais queridos por Leandro. Coração dividido?

"São os times do meu coração. O Botafogo é onde eu comecei, me deu a chance de ser um jogador de futebol. E o São Paulo é onde eu tive as maiores conquistas. Vamos torcer para um resultado que seja bom para os dois. O Botafogo tem um time com transição veloz, o São Paulo é de toque de bola. Vai ser um bom jogo", diz.

O Botafogo-SP briga pela classificação no Grupo C.

Almeida Rocha/Folhapress Almeida Rocha/Folhapress

Eu fiquei feliz e surpreso com o convite para ser comentarista. Estudei, procurei ver os principais comentaristas do futebol brasileiro, quem eu gosto de ver. Também pesquisei, procurei informações dos clubes, dos atletas. No primeiro dia que eu fui para comentar, cheguei com um caderninho e o pessoal se assustou, não entendeu o que estava acontecendo. Estava com todas as anotações dos dois clubes na palma da mão."

Leandro, Sobre a aventura como comentarista da HBO Max

Em alguns jogos eu fico na altura no campo, acho que a visão é melhor, maior, do que está acontecendo. Você vê detalhes que a TV não pega. Eu consegui ver, por exemplo, que dois atletas seriam substituídos antes do Rogério chamar. Eu já tinha percebido jogador cansado, com cãimbra, puxando a perna. São detalhes. Eu consegui informar a equipe no dia. E até mesmo visão de coisas que o torcedor não vê."

Ele trabalha em jogos do São Paulo na plataforma

Tem sido uma experiência maravilhosa. Agradeço à TNT pela emoção de estar dentro de campo. Eu senti um friozinho na barriga. Sei da dificuldade de ser da imprensa, comentarista, jornalista. Respeito muito, não é fácil. Tenho muitos amigos na imprensa, mesmo os que me cornetavam nunca levei para o coração."

Leandro, de novo

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História no Corinthians apagada

Leandro é ídolo do São Paulo graças ao bicampeonato brasileiro de 2006 e 2007, seus 116 jogos e 16 gols. Depois da aposentadoria, virou figura ligada ao clube. Esta relação de certa forma apaga ou esconde o que o atacante fez no Corinthians.

Entre 2001 e 2003, foram 17 gols marcados em 113 partidas pelo rival. Além disso, três títulos — um a mais do que tem no São Paulo. Quase quatro, não fosse a perda do Brasileirão de 2002 para o Santos. Ao lado de Deivid e Gil, formou um trio de ataque temido e construiu uma história respeitável. Que hoje é pouco lembrada.

"Eu tenho um respeito muito grande. Sempre vou ter gratidão pelo Corinthians, que me trouxe do Botafogo-SP e me fez ser convocado para a base da seleção. Fui feliz, três vezes campeão, fiz gols importantes, dei um passe para gol no título da Copa do Brasil, com a mão, na cabeça do Deivid. Eu tenho o reconhecimento do torcedor, sempre me trataram bem. Já fui convidado para algum evento do clube, até para jogos festivos", diz, antes de completar:

"Quando eu parei de jogar profissionalmente, montei um camarote no Morumbi e todos meus laços são com o São Paulo. Então, fica mais difícil atrelar algumas coisas ao Corinthians. Passei a frequentar mais o Morumbi, até mesmo na arquibancada. Sei dos meus números, títulos, foram dois anos e pouco, quatro finais e eu agradeço demais ao clube, todos que trabalhei. Como o Rogério fala, a gente é marcado pelas conquistas. Meus quadros estarão sempre na galeria do Corinthians."

Do Corinthians, do São Paulo, do Fluminense e de todos que decidiram não considerá-lo um jogador comum.

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