Naquele dia, Marcos Braz estava em Madri. A viagem tinha Filipe Luís como alvo, mas uma inesperada escala em Lisboa estava por vir. "Liguei para o Bruno Spindel [diretor-executivo do Fla] e pedi para ele voltar imediatamente para a Europa", conta Braz.

"Ele também era um grande entusiasta da ideia de ter um técnico português e foi para lá. Nosso primeiro encontro com o Jorge foi em um almoço no Hotel Ritz, em Lisboa. Quando a gente estava conversando com ele, soubemos que o Abel tinha pedido demissão. Aí, aceleramos com o Jorge", disse Braz ao UOL.

"Ninguém no Flamengo conhecia o Jorge, só eu. Já esperava que ele ia trazer o que trouxe, mas a capacidade didática dele é excelente. Ele explica os 'porquês' dos treinos, os caras entendiam as razões dele pedir as coisas".

Marcos Braz, vice de futebol do Flamengo

Com o acordo encaminhado, Jesus tinha um encontro marcado com Landim. O mandatário voou para Madri, local da final da Liga dos Campeões daquele ano, e se reuniu com o Mister antes do duelo entre Liverpool e Tottenham.

Naquele momento, o acordo foi selado formalmente. Jesus era rubro-negro. Pouco antes da decisão, JJ deu uma declaração que soou quase como uma premonição. "A proposta do Flamengo é ganhar. Objetivo de ganhar títulos. O Flamengo oferece essa possibilidade. Depois, podemos estar no Mundial de Clubes, que é o máximo para qualquer treinador. Espero que seja o Flamengo. O Flamengo já tem uma história com o Liverpool e ganhou de 3 a 0", disse ele, em entrevista ao Esporte Interativo.

Meses depois, o português conduziria o Fla ao bicampeonato continental e ao sonho de ganhar o mundo mais uma vez. Em jogo para lá de disputado, no entanto, os Reds venceram o Rubro-negro e faturaram o Mundial disputado no Qatar.

Mas como sempre existe drama antes do êxtase, foi assim com Jesus. Em sua estreia na Libertadores, o Mister voltou de Guayaquil com uma derrota por 2 a 0 para o Emelec. Fosse na fase de grupos já seria ruim. Mas o jogo valia pelas oitavas de final da Libertadores.

Com o trauma de eliminações frequentes na memória, o Fla ainda voltou do Equador com outro baque gigantesco: em entrada violenta de Arroyo, Diego sofreu uma gravíssima fratura na perna esquerda. "Ficou marcado pela situação supercomplicada. Tínhamos desfalques, o time não vinha num momento tão bom, apesar de estar fazendo o que era certo", lembrou Diego.

Na volta, o time encontrou um Maracanã abarrotado e confiante na vaga. Com um início fulminante, o time fez 2 a 0 e levou a disputa para os pênaltis. Em noite de Diego Alves, o Fla se classificou. "Superamos as dificuldades. Acredito que aquilo nos fortaleceu pelo título. Aquilo nos aproximou e nos deixou mais fortes", disse o camisa 10, que só voltaria a jogar no final da temporada.

Classificado às quartas da Libertadores, o Fla começava a imprimir um ritmo alucinante também no Brasileiro.

O final da história todo mundo já conhece, o primeiro título do Flamengo na Libertadores em 38 anos. Mas as dificuldades impostas pelo River Plate ao Flamengo foram grandes. O desempenho do técnico rival, Marcelo Gallardo, foi alvo de elogios de Jorge Jesus, que valorizou demais o futebol jogado pelo River.

No intervalo, o River vencia por 1 a 0. Foi quando seus jogadores estavam reunidos no vestiário que Jesus externou sua convicção: o rival cansaria e o Fla faria ao menos um golzinho. O time brasileiro empatou a partida aos 43 minutos do segundo tempo e virou aos 46, fazendo o Monumental de Lima se transformar no Maracanã por um dia.

Os dois gols foram de Gabigol. E os dois gols estão na história do clube. Mas um capítulo em Lima passa pelos pés de Diego, o mesmo que se machucou no primeiro jogo da Era Jesus na Libertadores.

Do campo de defesa, o camisa 10 apostou em uma bola alta e longa para achar o artilheiro, que foi beneficiado pela falha de Pinola antes de estufar as redes. Diego começou no banco de reservas. Quando o Mister passava algumas instruções táticas, fez algo que o jogador não esperava. Jesus disse: "Dá-me um beijinho que vai fazer um gol".

A taça foi a cereja no bolo na trajetória do jogador, que foi do drama à glória em poucos meses ao conseguir se recuperar em tempo considerado espantoso.

Não, Jorge Jesus não foi o primeiro técnico estrangeiro de sucesso no Brasil, nem sequer no Flamengo. Mas seu feito inédito — triunfos na Libertadores e Brasileiro no mesmo ano — transformou a visão dos clubes brasileiros sobre o treinador de fora. Foi como um terremoto que provoca um tsunami.

Desde o fracasso da Copa-2014, com o 7x1 fatídico, o futebol brasileiro adquirira uma consciência de seu atraso tático em relação ao mundo. Havia os negacionistas, apegados a antigos troféus, fingindo não ver o abismo para a Europa.

As opções por estrangeiros pipocavam aqui e ali, o São Paulo apostou em Juan Carlos Osório em 2015, Diego Aguirre girou por três clubes grandes, e Jorge Sampaoli desembarcou no Santos no início de 2019. Mas faltou a eles ou elenco, tempo ou inovação —no caso de Aguirre.

Jesus desembarcou no Flamengo com uma meia pré-temporada, um elenco estelar e ideias bem diferentes do futebol praticado por aqui. Sua marcação era avançada, com a zaga jogando no meio-campo, em qualquer lugar onde atuava. A movimentação e a pressão que seu time exercia só eram vistos também no Santos de Sampaoli.

Foi quase como se o brasileiro descobrisse uma nova forma de jogar futebol que só se acreditava possível na Europa. E é preciso ressaltar: o mundo girou a seu favor. A virada sobre o River Plate, nos últimos minutos da final, é um símbolo difícil de tirar das consciências de rubro-negros e de torcedores de outros times.

Todos passaram a aspirar ter em seus elencos algo parecido com aquele momento de catarse. É a busca por esse ideal que move o futebol a empilhar oito técnicos estrangeiros na Série A.