Homem do futuro

Bob Burnquist faz 45 e fala de fitoterápicos, neurociência e como NFTs podem virar uma alternativa de receita

Paulo Anshowinhas Coaboração para o UOL, em São Paulo Divulgação

Quedas, fraturas, conquistas, controvérsias, negócios, projetos, sonhos e tecnologia. A vida de Bob Burnquist, o maior nome do skate brasileiro de todos os tempos, daria um livro — que ele está desenvolvendo. Antes, porém, deve apresentar sua vida em uma série para a TV, criar conteúdo para ser vendido com NFTs, produzir um podcast e mais algumas coisas.

Bob é um personagem multifacetado, extremamente eloquente e carismático. Hoje, faz 45 anos de idade com 44 fraturas decorrentes do skate, mas dividindo sua vida com atividades tão diferentes quanto ser comentarista de TV e piloto de aeronaves. Ele ainda pode ser paraquedista, praticante de jiu-jitsu, sócio de uma empresa farmacêutica de fitoterápicos (incluindo alguns à base de canabis)...

Em entrevista exclusiva para o UOL, Bob se mostra uma pessoa à frente do seu tempo, com uma visão clara sobre mundo dos negócios, das novas tecnologias e de como ações sociais impactam na sociedade. De quebra, falou um pouco de skate...

Divulgação
Daniel Bourqui/Arquivo Pessoal

Eu jogava futebol com meus amigos da escola no Brooklyn (zona sul de São Paulo), onde eu morava, e um dos meninos perdeu a bola que eu havia emprestado para ele. Em troca, o menino me ofereceu um skate gringo que estava escrito Skateboard — bem antigo. Eu ficava andando com ele o dia todo na minha sala e pirei nisso. Como meu pai viu meu interesse pelo objeto, no meu aniversário deu um skate de verdade, todo desmontado, que comprou em uma loja chamada Mustabi, em Perdizes."

Bob Burnquist

Quem é Bob Burnquist

No alto dos seus 1,88 metros de altura, Bob inovou o skate ao se descobrir ambidestro. É um skatista de base regular (anda normalmente com o pé esquerdo na frente do skate), mas se tornou o rei do switchstance, quando se inverte o pé de base, e consegue, com absoluta tranquilidade, realizar as manobras mais complexas de forma invertida.

Foi também o primeiro skatista a realizar o 900 Fakie to Fakie e a andar em uma mini rampa flutuante no Lago Tahoe, na Califórnia. Em 2012, voou (literalmente) de um corrimão para um abismo no Grand Canyon, no Arizona. Cerca de 15 metros depois, deixou o skate cair no solo para abrir seu paraquedas e aterrissar em segurança.

Voar, aliás, é uma das paixões de Bob: fora do skate, acumula mais de 600 horas de voo como piloto de aeronaves e 800 saltos de paraquedas.

Depois de participar do documentário Vida Sobre Rodas (2010), convidou o diretor Daniel Baccaro para dirigir sua vídeo-biografia, em produção na Califórnia. Semanalmente, ainda é produtor da série Skate Overall, transmitida pela Band —que também comprou os direitos de transmissão do Desafio Mega-Rampa.

Também é proprietário da Burnkit Skateparks, que fornece pistas e equipamentos para a prática de skate e comercializa fingerboards (skates miniatura), da farmacêutica americana Farmaleaf (junto com o chef de cozinha e amigo de infância Alex Atala), que produz fármacos fitoterápicos, e presidente do Instituto Skate Cuida, cujo lema é inspirar, educar e transformar.

Dan Sturt (Grand Canion) e Brian Fick/Arquivo Pessoal (helicóptero) Dan Sturt (Grand Canion) e Brian Fick/Arquivo Pessoal (helicóptero)

Essa inquietação não é nova. Ele nasceu no Rio de Janeiro, morou até a adolescência em São Paulo e partiu para os Estados Unidos ainda jovem para se tornar o maior medalhista dos X Games de todos os tempos. São 30 medalhas no total, 14 de ouro, um recorde inigualável até hoje.

O que recebeu dos prêmios que ganhou usou para comprar um imenso terreno no sul da Califórnia, na cidade de Vista. Lá, montou sua Dreamland. É onde está localizada sua famosa mega-rampa particular.

Eleito por sete vezes o skatista do ano pela revista Thrasher, foi coroado King of Skate e ainda faturou o mais prestigiado prêmio do esporte mundial, o Laureus, em 2002. Recebeu o prêmio das mãos de Michael Jordan. Foi o primeiro brasileiro a receber o troféu.

Buda Mendes/Getty Images

UOL - Do início da carreira até agora, você teve várias quedas, algumas cinematográficas. Como você consegue absorver tanto impacto e continuar praticamente ileso?

Bob Burnquist - A parte do ileso eu não continuo (risos), mas a vontade de andar de skate é maior do que a dor ou outra adversidade. Antes de andar de skate eu me quebrava muito, era muito agitado. Minha mãe sempre dizia que ia pular de uma cama para outra e quebrava o dente, pulava de um lado pro outro e quebrava um pé, estava com um gesso que mal deixava andar e já estava quebrado de novo.

Quando eu comecei andar de skate eu me machucava também, mas eu caia e levantava, caia e levantava, querendo acertar a manobra. Claro que naquela época eu não calculava muito o risco, hoje eu administro melhor. Mas me jogava muito, caia de cara e a galera dizia: vá com calma, para que tudo isso?

Eu andava de skate como se fosse o último dia da minha vida. Sempre paixão máxima. Não precisa disso toda hora, não precisa desse volume 110%, mas evoluí bastante com isso. Cai bastante também, é claro, mas acho que adquiri uma hipermobilidade. Minhas juntas são todas bem elásticas, punho, ombro, joelho, ligamentos.

Sempre que eu me machuco, rezo para que seja fratura. Fratura é sempre melhor do que um rompimento do ligamento. E a minha cabeça sempre era muito intensa na cura, e eu fazia fisioterapia, alimentação balanceada e entrava em foco de cura. Machuca, cura. Machuca, cura.

Divulgação Divulgação

Como foi o turning point na sua vida? Você andava de skate no Brasil e de repente estava morando em uma fazenda imensa na Califórnia, com uma mega-rampa no quintal?

É o famoso ten year overnight, que é um super trabalho e, de repente, você está em outra realidade. Quando eu fui para Califórnia em 1995, de lá fui para o Canadá e ganhei o campeonato de vertical. Assim, comecei a fechar contratos, patrocínios e fui conseguindo renda fixa. Montei uma casa e uma rampa em um lugar mais barato, nem tão perto da praia. Com a rampa, fui evoluindo dentro da minha própria Dreamland (apelido da sua casa).

Como foi que você chegou na CBSK? E deixar de ser apenas skatista para ser presidente?

Quando rolou a oportunidade de o skate ser olímpico, e do surgimento de uma outra associação que não era de skate assumir o lugar dos skatistas, eu sabia do meu poder político em cima do meu skate. Notei que eu faria a diferença. A maioria me aconselhou não assumir o cargo (de presidente), mas eu nunca deixei de ser skatista mesmo sendo dirigente e com toda a responsabilidade de lidar com dinheiro público. Optei por continuar a andar de skate e passei o cargo para o meu vice-presidente Duda (Eduardo Musa), que está lá até hoje.

Lembro que, um dia depois de sair do cargo, ao andar de skate, me sentia leve, como se tivesse tirado um peso das costas. Eu não cresci tendo o sonho de ser cartola. Se a gente não faz as coisas, coloca a mochila nas costas e vai fazer, quem irá?

O skate foi mais importante para as Olimpíadas ou foi o inverso?

Acho que foi bom para os dois. Aumentou o recurso para todos. Muita gente que criticava a entrada nas Olimpíadas nem entrava em campeonatos. Como modalidade, o skate lembrou o verdadeiro espírito olímpico. O espírito às vezes está mais na Paraolimpíada do que na própria Olimpíada. Aí chega o skate, com a Rayssa dançando com 13 anos, e muita gente ficou encantada com essa interação e amizade entre skatistas.

As Olimpíadas precisaram do skate para lembrar do espírito olímpico. E o skate precisou das Olimpíadas para mostrar quem somos, para ser olhado por olhos que não olhariam normalmente. Economicamente, na semana pós-olímpica, o resultado imediato foi de 30 % de aumento de vendas em produtos de skate.

Atiba/Arquivo Pessoal (paraquedas) e Arquivo pessoal Atiba/Arquivo Pessoal (paraquedas) e Arquivo pessoal

Você continua pilotando e saltando de paraquedas?

Eu tenho uns 60 saltos de wingsuit. Já fiz um curso com o Flávio Jordão no Morro de São Paulo. Os equipamentos evoluíram com ar dentro das asas. Eu comecei a estudar em 2000 — a aviação civil nos Estados Unidos é mais barata do que aqui — e tirei minha carteira em 2003. E usei como terapia antes das competições de skate. Eu ficava estudando sobre aviação em vez de me preocupar com os campeonatos.

E a maconha medicinal, como ela surgiu no seu mapa?

A canabis, a maconha, é um termo mais agressivo no Brasil, mas é o que é. Veio como aliviante das dores. Como eu te disse, eu tenho mais de 44 ossos quebrados. E com 45 anos neste domingo, descobri que o canabidiol me ajudava a aliviar as dores e acalmava. Eu nunca gostei de ficar tomando muito remédio, mas tinha de tomar Ibuprofeno, que acabava afinando o sangue. Depois me machucava e com o sangue fino dava outros problemas.

Eu sempre usei fitoterápicos, não apenas CBD, mas arnica, camomila e muitos outros. E achei que era um mercado bem bacana para trabalhar. Cheguei no (chef) Alex Atala, que foi meu primeiro investidor, e demos o start. Como ainda havia muitos riscos sobre o tema nos Estados Unidos, e como não era mais um moleque de querer cair de cara, achei melhor não encostar na planta. Criamos uma nova identidade da marca, à base de plantas.

Temos produtos de canabis, mas temos camomila para fazer óleos e cremes para alívio de dores, tirar nós doloridos nos músculos. Também ajuda em reumatismo, epilepsia, Alzheimer, dores crônicas... É esse produto, com óleo de coco e CBD, que vou trazer ao Brasil com aprovação da Anvisa. Mas cada paciente precisará de prescrição médica para adquirir o produto, com as especificações.

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Na área social, você está com um projeto com neurogames para crianças?

Sim. Desde o início eu busquei a neurociência e não o esporte para criar esse projeto. Eu queria abrir a cabeça das pessoas para essas novidades com o Instituto Bob Burnquist, sempre com muito cuidado, afinal tinha o meu nome nisso.

Durante a pandemia, ajudamos 800 famílias com refeições por seis meses junto com a Ticket Alimentação. Doamos máscaras, rampas, obstáculos de skate para apoiar a comunidade e crianças carentes.

Fizemos um evento no Allianz Park, o Spotlab Sessions, para doação de máscaras. Assim, iniciamos nossas atividades. Apoiamos entidades sociais voltadas ao skate, como a Ong Social Skate, a Ademafia, a Skate Terapia, com meu poder de captação. Potencializamos o que essas entidades já fazem.

E isso evoluiu para o programa Skate Educa Mais, do Instituto Skate Cuida. Nossa hashtag é #skatecuida e o lema é "Inspirar, Educar e Transformar". Trouxemos o pensamento da neurociência e criamos um programa que engloba todas essas atividades para ajudar durante a pandemia as crianças com problemas de depressão.

Conseguimos o apoio do aplicativo Neuroforma. É uma plataforma com exercícios para turbinar a capacidade cognitiva utilizando exercícios mentais e até o Tom Brady e pessoas com Alzenheimer já utilizaram. Com ela, começamos a ajudar, pela veia do skate e pela da neurociência.

Então, no Instituto Skate Cuida, primeiro damos comida, depois andamos de skate, fazemos o neuroforma, alongamos, ensinamos a filmar, compor câmera, postar nas redes sociais e dar ferramentas para dar liberdade de expressão e criar novos projetos. Eles aprendem ainda sobre tecnologia, sobre criptomoedas, como fazer o seu próprio NFT social, entre outras.

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Fingerboards da Burnkit, uma das empresas de Bob

Você também tem um projeto que envolve NFT, pode explicar?

Neste domingo, dia 10, dia do meu aniversário, vou lançar meu próprio NFT. Essa sigla significa Non Fungible Token, que é como um certificado digital dentro do protocolo blockchain. Não é um assunto novo para a garotada que curte videogames, é uma realidade mercadológica nova e crescente. Existem as bitcoins, que não tem utilidade, mas são valiosas como o ouro. E tem o Etherium, que é uma criptomoeda em que cada token pode ter atrelado um contrato inteligente. E assim você consegue comprar e vender arte nessa plataforma.

As pessoas perguntam: mas é apenas um jpeg? A resposta é sim, é. Por que as pessoas pagam milhões por um quadro do Picasso? Não querem saber quanto vale, mas apenas certificar que é original. Isso pode ser também um ticket do Chicago Bulls contra não sei quem. E vai virar uma tendência. E assim vou lançar o bobburnquit.io e vou mostrar meu mundo em NFT, com colecionáveis, cards, fotos, vídeos... E assim se cria uma nova forma de captação de recursos encriptados.

Já que você está vivendo no futuro, qual o futuro do skate no Brasil e do Bob?

Futuro do skate acho que vai crescer. A galera vai dar mais atenção para outras modalidades — isso já é o presente, o mercado só tende a crescer. No meu caso, estou criando conteúdo para NFT, tenho a Farmaleaf.com, a Skate Cuida.org, o Instituto Bob Burnquist, que atua no Brasil mas vou captar recursos de todo mundo para investir aqui, a Burnkit Skateparks, de obstáculos e fingerboards, e quero levar skate para escolas misturando com arte. Vou me manter bem ocupado, hehe.

Para fechar, sua vida vai dar um livro ou filme?

O nome da minha biografia ainda não está definida, mas pode ser Bobiography. A princípio, será uma série documental da HBO, mas estou trabalhando também em meu show de TV no canal Off, o Vida de Bob, que está na quarta temporada de um total de 11. Também terão livros de fotos e textos, e ainda vai ter o volume dois, que não vai parar por aí. Estou empolgado e tem muito por vir. Sem esquecer do meu podcast, o Idealabb no app da Orelo.

Arquivo Pessoal

A vida é curta, mas é importante aproveitar e aprender o máximo. Da mesma maneira que eu gosto de andar de skate, precisamos constantemente criar coisas novas. Eu estou vivendo. O que já foi, já foi. Quando eu olho pra trás, deixo de fazer o que eu tenho de tocar em frente. E quero agradecer minha esposa Vivi Zanini para enfatizar a importância da família nessa construção. É sempre vital."

Bob Burnquist

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