A final diz muito

Athletico e Red Bull Bragantino disputam a Sul-Americana e mostram como o futebol brasileiro mudou

Eder Traskini e Marinho Saldanha Do UOL, em Santos e Porto Alegre Robson Mafra/AGIF

Poucos apostariam, no início da temporada, que a final da Sul-Americana teria dois clubes brasileiros. E o número de palpites seria ainda menor para apontar o duelo de hoje (20) entre Athletico Paranaense e Red Bull Bragantino. Mas os dois postulantes ao topo não chegaram até aqui por acaso. Longe disso. Suas campanhas servem como exemplo de uma nova fase do futebol brasileiro. Enquanto instituições de longa tradição penam para sair da Série B, forças emergentes disputam um troféu no Uruguai.

É fácil achar semelhanças entre Furacão e Massa Bruta. Dois clubes que fogem do padrão de organização nacional, com estruturas mais profissionais e firmes em suas posturas dentro e fora de campo.

O time do Paraná pode ser considerado um desbravador —até hoje carrega em seu manifesto o orgulho de "fazer diferente". Foi um primeiro título da Sul-Americana de 2018 que abriu caminho para a arrancada recente, que teve título da Copa do Brasil logo em seguida. Motivos de sobra para colocar o Rubro-Negro como um clube que já chacoalha o conceito sobre quais seriam os grandes clubes do país hoje.

Já o Red Bull Bragantino trilhou um caminho da profissionalização completa, bem mais recente. Ao contrário da maioria das agremiações no país, vive sob regime de clube-empresa com modelo de negócio que regula suas ações no campo ou nos gabinetes. Em seu segundo ano consecutivo de Série A, atropelou o próprio planejamento de metas e já pode erguer uma taça internacional.

Robson Mafra/AGIF

Furacão de ideias

O que não falta ao Athletico Paranaense, em sua trajetória, são ideias. Mas de nada adiantariam tais planos sem a iniciativa e a coragem necessárias para realizá-los. E isso sobra ao Furacão. Como o apelido já diz, o clube já não passa despercebido.

Muito antes dos preparativos para a Copa do Mundo de 2014, que trouxe a onda das "arenas" para o Brasil, o Rubro-Negro já possuía a sua. Foi a primeira nesse formato, cuja transformação ocorreu em 1999.

Em 2005, o Athletico inovou ao ser também o primeiro clube a vender os direitos sobre o nome de sua casa para uma empresa —a Kyocera deu nome à Arena até 2008. O ímpeto pelo novo chegou ao piso. A casa do Furacão tem gramado sintético com certificado FIFA Pro (o mais alto nível de certificação, desde 2016.

Olhar para o céu também é perceber inovação. O estádio é o primeiro da América Latina (construído para futebol) a possuir a tecnologia retrátil em seu teto, que permite a realização de partidas e eventos independentemente das condições climáticas. O sistema é acionado remotamente e leva 25 minutos para concluir o fechamento total.

É pouco? Nos bastidores, quando todos ainda engatinhavam na valorização de um departamento de mercado, investindo em scout e busca por melhores negócios, o clube foi um dos pioneiros na construção de um setor específico para prospecção de atletas para a equipe principal e base.

Hoje, tudo isso pode parecer óbvio e uma tendência dentro do futebol, mas o Athletico bateu no peito e realizou quando tais fatos não passavam de meros idealismos. As críticas outrora recebidas se perderam em um furacão de resultados...

Um clube de posturas

Falem o que quiser sobre a gente. Mas se tem algo que ninguém pode negar é que somos mesmo um furacão. Passamos por cima de quem não põe fé na gente. Acreditamos que podemos conquistar um lugar onde ninguém imaginou que poderíamos estar

Athletico Paranaense, em manifesto do clube

Somos um pouco mais quebradores de paradigmas. O futebol é muito conservador porque envolve paixão, mas temos tido algumas oportunidades de realizar inovações e essas coisas têm acontecido satisfatoriamente bem conosco

Mario Celso Petraglia, Presidente do Conselho Administrativo e CEO do Athletico Paranaense

JUAN JOSÈ GARCIA/DIA ESPORTIVO/ESTADÃO CONTEÚDO

Touro voador

Qual é o caminho que um clube que almeja ser grande deve trilhar? Conquistar uma vaga em torneio nacional via certame estadual é o começo. Subir as divisões até a elite, conseguir se manter na Série A por um tempo e, a partir daí, buscar uma vaga em competição continental... Esqueça, o Red Bull Bragantino pulou tudo isso.

Antigo Red Bull Brasil, o clube que conta com apoio da multinacional homônima fez uma parceria com o tradicional Bragantino, clube do interior de São Paulo, e entrou direto na Série B do Brasileirão depois de capengar em divisões menores de São Paulo. Logo no primeiro ano, título e acesso à elite do futebol nacional.

Em seu primeiro ano de Série A, custou um pouco a assimilar este novo nível de competição, logo encaixou com o técnico Maurício Barbieri e conquistou a vaga para a Sul-Americana.

Como as regras usuais não valem para o Touro, o Red Bull Bragantino chegou à final do torneio continental logo em sua primeira participação e, mesmo sem foco no Brasileirão, figura no grupo que garante vaga para a Copa Libertadores da próxima temporada.

E o clube não quer parar por aí. Dado o histórico recente de fases puladas, não seria inteligente duvidar...

A Red Bull tem perfil de pilotos mais jovens na Fórmula-1. Atletas da marca são patrocinados desde a base, é uma empresa que se propõe a criar condições para que o atleta atinja o topo, e não contratá-lo no topo. O Athletico investe em estrutura há anos, é mais experiente que o Bragatino, uma organização mais madura, tem um perfil muito parecido, com jovens jogadores, o que torna a decisão um desafio muito grande.

Thiago Scuro, diretor executivo do Red Bull Bragantino

Com certeza as coisas aceleraram mais do que o previsto. Seria arrogância e prepotência dizer que o plano era esse (final da Sul-Americana no segundo ano de Série A). Não é racional nem lógico o que está acontcendo, mas é fruto do futebol brasileiro, da qualidade dos jogadores e de quando se cria um ambiente propício, as pessoas podem levar os objetivos muito além do que poderiam

Thiago Scuro, sobre o processo acelerado

Reprodução/Instagram

Pulso firme e continuidade

Mário Celso Petraglia é um nome que não deixa ninguém indiferente nos bastidores do futebol brasileiro. O homem que comanda o Athletico Paraense desde 1995 é o "visionário" responsável por todas as mudanças arrojadas praticadas pelo clube nos últimos anos, mas também é o polêmico cartola que chegou a ser banido no caso do "escândalo da arbitragem" em 1997 —a pena foi revogada pouco depois.

Passar 25 anos dando as cartas em um clube brasileiro poderia ser normal nas décadas passadas, vide Eurico Miranda no Vasco ou Marcelo Teixeira no Santos, mas Petraglia é talvez o único sobrevivente dessa geração de cartolas. Controverso, o cartola acumula críticas externas na mesma medida em que é unanimidade dentro do clube paranaense.

"Tudo é pelo bem do Athletico. O que fica é a obra. Uma vez aprovado e buscados os recursos que o mercado está oferecendo, seremos a noivinha mais bonita do mercado brasileiro. A mais jovem, a que dá as melhores condições pra um belo casamento. Já somos procurados por vários noivos, vários pretendentes", disse Petraglia em entrevista recente defendendo o projeto de transformar o Athletico em clube-empresa.

O modelo desejado pelo dirigente atleticano é exatamente o do Red Bull Bragantino. Com investimento da empresa multinacional, o clube tem mostrado todo seu poderio financeiro desde que subiu para a Série A do Brasileirão.

"Existe a participação de fora do Brasil, mas a voz mais alta é nossa. A responsabilidade sobre sucesso ou fracasso é nossa e a Red Bull entende isso. Temos reuniões bimestrais entre os diretores esportivos, chefes de recrutamento compartilham experiências, informações, atletas. Há uma gerência global que tenta conectar isso, mas há também o respeito à individualidade de cada clube", explicou Thiago Scuro, diretor executivo da equipe.

Divulgação/Conmebol

Mesmo norte, caminhos diferentes

Athletico e Red Bull podem carregar semelhanças em sua construção recente, na busca pela profissionalização de suas gestões ou nos rígidos conceitos de clube. Mas caminham em ruas diferentes na hora de formar suas equipes.

O Athletico é firme em sua prospecção de talentos. Contrata jogadores após observação detalhada e debate interno entre profissionais da área. Costuma garimpar atletas a custo baixo, dar condições de desenvolvimento e depois lucrar com isso. Ou ainda formar os próprios talentos na base e tirar o melhor deles após a maturação necessária.

Sobram exemplos. Bruno Guimarães, comprado do Audax (SP) e vendido ao Lyon; Renan Lodi, formado em casa e vendido ao Atlético de Madri, Rony, que esteve o Japão e no Cruzeiro antes de brilhar e ser vendido ao Palmeiras; Pablo, que foi formado por lá, saiu e voltou antes de ser vendido ao São Paulo; e Léo Pereira, que, da mesma forma é cria da base, deixou o clube, amadureceu, voltou, brilhou e saiu para o Flamengo.

Já o Red Bull Bragantino vive o que chama de fase dois de seu projeto. Atualmente, o clube aposta na contratação de jovens talentosos, mas seu capital lhe permite buscar em grandes centros, tirando atletas de vários dos gigantes nacionais. Paga caro crente no ganho de qualidade, crescimento e revenda.

Hoje, é um dos principais compradores do mercado nacional, se abastecendo de jovens de equipes tradicionais do país. Foi assim com Artur, do Palmeiras, Praxedes, do Inter, Nathan, do Flamengo, Helinho, do São Paulo, Ramires, do Bahia. Além de procurar também valores fora do país, como Jan Hurtado, do Boca Juniors, Emi Martínez, do Nacional-URU, e Realpe, que chegou do Independiente del Valle.

O Red Bull Bragantino espera, em breve, dar o "próximo passo" no plano de ação do clube que é passar a formar seus talentos nas categorias de base. Para isso, está investindo alto na construção de um moderno CT em uma área de 157 mil m², que contará com oito campos, um pequeno estádio, e toda estrutura física com tecnologia de ponta para os diversos departamentos, com novas ferramentas para qualidade de trabalho. Ali trabalharão lado a lado os atletas do principal e da base, facilitando a transição.

Athletico vende

  • Renan Lodi

    Para o Atlético de Madri por 20 milhões de euros (R$ 126 milhões na cotação atual)

    Imagem: Gabriel Machado/AGIF
  • Bruno Guimarães

    Para o Lyon, por 20 milhões de euros (R$ 126 milhões na cotação atual)

    Imagem: Lucas Uebel/Getty Images
  • Léo Pereira

    Ao Flamengo, por 5 milhões de euros (R$ 31 milhões na cotação atual)

    Imagem: Jason Silva/AGIF
  • Pablo

    Ao São Paulo, por 6 milhões de euros (R$ 37 milhões na cotação atual)

    Imagem: Heuler Andrey / AFP
  • Rony

    Ao Palmeiras, por 6 milhões de euros (R$ 37 milhões na cotação atual)

    Imagem: Jason Silva/AGIF
  • Robson Bambu

    Para o Nice, por 8 milhões de euros (R$ 50 milhões na cotação atual)

    Imagem: Divulgação/Site oficial do Athletico

Red Bull Bragantino compra

  • Praxedes

    Do Inter, por 6 milhões de euros (R$ 37 milhões na cotação atual)

    Imagem: Alessandra Torres/AGIF
  • Artur

    Do Palmeiras, por 6 milhões de euros (R$ 37 milhões na cotação atual)

    Imagem: Marcello Zambrana/AGIF
  • Cleiton

    Do Atlético-MG, por 5 milhões de euros (R$ 31 milhões na cotação atual)

    Imagem: Divulgação/Red Bull Bragantino
  • Alerrandro

    Do Atlético-MG, por 3 milhões de euros (R$ 19 milhões na cotação atual)

    Imagem: Diogo Reis/AGIF
  • Thonny Anderson

    Do Grêmio, por 3 milhões de euros (R$ 19 milhões na cotação atual)

    Imagem: Divulgação/Site oficial do Red Bull Bragantino
  • Emi Martínez

    Do Nacional, do Uruguai, por 4 milhões de dólares (R$ 22 milhões na cotação atual)

    Imagem: Divulgação/Site oficial do Red Bull Bragantino
  • Helinho

    Do São Paulo, por R$ 23 milhões.

    Imagem: Kely Pereira/AGIF
  • Natan

    Do Flamengo, por R$ 27 milhões.

    Imagem: Divulgação/Site oficial do Red Bull Bragantino

O futuro é sólido

Apenas um vai conquistar a Sul-Americana. O bicampeonato do Athletico ou título inédito para o Red Bull Bragantino ditará o fim da competição. Mas, nessa final, fica a curiosa sensação de que ambos já venceram.

Como disse o executivo de futebol do clube de Bragança Paulista, "as coisas aceleraram mais do que o previsto". Na esteira do pensamento do clube, o plano é que a atualização de metas sirva para solidificar o projeto e dar mais um passo para a consolidação total no grupo dos grandes clubes brasileiros.

Esse degrau que o Red Bull quer subir parece já vencido pelo Athletico. Além da decisão da Sul-Americana, o time também está na final da Copa do Brasil, competição na qual também procura o segundo título. Com uma taça, as duas, ou nenhuma delas, soa evidente que o Rubro-Negro já está firme no grupo dos grandes clubes do país, e lutando cada vez mais por objetivos maiores.

"O Athletico bateu no teto. Dentro desse modelo, vamos ficar entre os dez primeiros clubes brasileiros, ganhando torneios mata-mata, que são menos difíceis, mas o que nos interessa é ganhar o Brasileiro de pontos corridos. Tivemos a onda inicial da profissionalização e agora essa onda que chamamos de protagonismo", disse o presidente do Furacão recentemente em campanha pela aprovação por parte dos sócios do projeto de clube-empresa. E, como de costume, conseguiu o que queria.

Arrojados e voadores, Athletico Paranaense e Red Bull Bragantino duelam hoje (20) pela taça continental que vem para coroar ainda mais o já afirmado projeto profissional.

Divulgação/Red Bull Bragantino

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