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Revelação do golfe vence miséria e disputa torneio mais importante do mundo aos 15 anos

Anderson Nunes é o primeiro colocado no ranking brasileiro em sua categoria - Felipe Martin
Anderson Nunes é o primeiro colocado no ranking brasileiro em sua categoria Imagem: Felipe Martin

Felipe Martins, no Rio de Janeiro

21/04/2012 06h00

Na cidade de Japeri, a mais pobre do estado do Rio de Janeiro segundo o IBGE, nasceu um craque do esporte considerado de elite. Ele venceu a subnutrição na infância para tornar-se um dos melhores golfistas do país na categoria juvenil.
 
Anderson Nunes, de apenas 15 anos, vai disputar na Inglaterra o Junior British Open, principal torneio mundial, no próximo mês de julho. A competição acontece paralelamente ao British Open, principal competição do Grand Slam da modalidade.
 
Anderson treina no campo da Associação de Golfe Público de Japeri (AGPJ). O projeto foi criado por moradores da cidade que trabalhavam como caddies (profissionais que carregam as bolsas dos tenistas) nos principais campos de golfe do Rio e abraçado pela Confederação Brasileira de Golfe. Hoje, atende 120 crianças de 7 a 18 anos. O convite para o Jr. British Open partiu da R&A, entidade máxima do golfe mundial à AGPJ. 
 
O tio de Anderson era um dos caddies e o levava desde os primeiros meses de vida aos campos. Segundo a mãe do garoto, os primeiros passos do jovem foram em um campo de golfe. Hoje, aos 15 anos, o garoto de jeito tímido, corpo franzino medindo 1,56m é um jovem gigante do esporte. 
 
“Eu aprendi vendo meu tio e meu primo jogarem. Comecei a gostar de golfe e pedi para o meu tio me colocar na escolinha. No começo, eu era menor que o taco, então tinha muita dificuldade. Mas com o tempo, fui aprendendo e gostando cada vez mais”, disse Anderson.
 
Quando ocupou o primeiro lugar no ranking nacional, Anderson foi convidado a treinar por uma semana na David Leadbetter Golf Academy, Flórida, conhecida mundialmente por técnicas de ensino inovadoras. Ele representou o Brasil no Campeonato Sul-Americano de Golfe disputado no Peru. Apesar de consciente da importância do British Open, fala com tranquilidade sobre o novo desafio e espera conhecer o seu ídolo, Tiger Woods
  • Segundo a mãe do garoto, os primeiros passos do jovem foram em um campo de golfe

“É muito emocionante. Fica muito peso em cima de você, mas tá tranqüilo. É só levar na esportiva, jogar o golfe que eu sei. Quero ver os profissionais jogando. Vou para aprender, jogar e fazer bonito. Tem que fazer bonito”, definiu.
 
Dedicado, Anderson treina quatro horas por dia antes de ir para a escola à noite, chegando a casa por volta das 22h. A mãe, Aparecida Celi Pires, 39 anos, é empregada doméstica. Levanta todos os dias às 3h30 para chegar ao trabalho em Copacabana, zona sul do Rio, às 6h. Orgulhosa do filho, ela o descreve como “um menino de muita coragem”. Com as medalhas e troféus, o golfista ganhou a admiração de um empresário, que reformou a casa onde moram. 
 
“Mesmo tímido, ele é um garoto que sempre lutou por seus objetivos. Ele é muito corajoso. Eu fico feliz da vida. Torço para que ele alcance tudo o que ele quiser na vida”, ansiou a mãe.
 
Treinador de Anderson, o golfista Tiago Silva, quarto lugar no ranking nacional em 2011, acredita em um grande futuro para o menino.
 
“O Anderson é um atleta de alto nível. Ele está bem focado no British Open. O treinamento tem sido para tentar adaptar o jogo dele ás condições do clima da Inglaterra. Ele tem todas as condições de, com dedicação, tornar-se um profissional e rápido”, projetou.
 
Campo de golfe é ameaçado por construção de Arco Rodoviário 
O campo de golfe de Japeri está perdendo parte da área em conseqüência da construção do Arco Rodoviário Metropolitano, obra dos governos federal e estadual. Dos nove buracos do campo, três já foram perdidos e mais dois estão no caminho da obra, o que vai inviabilizar o treinamento.
 
Contudo, segundo a presidente da Associação de Golfe Público de Japeri, Vicky Whyte, há espaço no terreno para a adaptação do campo e o posicionamento dos buracos em novos lugares.  De acordo com Whyte, o Governo do Estado se comprometeu a fazer o ajustamento, mas até agora não cumpriu a promessa. 
 
“Já tiraram três buracos. Está prometido há mais de dois anos pelo governador, pelo vice-governador que vão reconstruir sem custo para nós, só que nada acontece. Não temos dinheiro para fazer as obras nós mesmos, estamos dependendo deles. Será uma pena se os resultados alcançados ao longo de todos esses anos se perderem”, lamentou.
 
Procurada pela reportagem do UOL Esporte, a Secretaria Estadual de Obras, por meio da assessoria, informou aguardar há um ano que a Associação de Golfe Público de Japeri (AGPJ) envie projeto para a reconstrução do campo de golfe. A presidente da AGPJ, Vicky Whyte, por sua vez informou que desde 2008 apresenta sugestões alternativas para a manutenção do campo e que dois projetos já foram apresentados.
 
De acordo com Vicky Whyte, o primeiro projeto foi apresentado em agosto do ano passado e rejeitado pelo Departamento de Estradas e Rodagens (DER), vinculado à Secretaria de Obras. Ainda segundo a presidente da AGPJ, um novo projeto foi apresentado no último dia 2 para atender às exigências do DER.
 
Caddies começaram golfe em Japeri
O golfe em Japeri começou em 2002, quando um grupo de 35 caddies resolveu montar um campo para praticar o esporte. Jair Medeiros, um desses caddies, lembra com orgulho as dificuldades vencidas para a concretização do espaço. Hoje, é um dos instrutores da escola de golfe.
  • Dedicado, Anderson treina quatro horas por dia antes de ir para a escola à noite

“Os caddies que moram aqui tiveram a idéia de fazer aqui um lugar para treinar. A desconfiança dos moradores era muito grande, a ponto de imaginarem que nós éramos sem-terra. Os proprietários da área botavam a gente para correr a base de capatazes e cachorros, contou.  
 
Com o objetivo maior de oferecer a alternativa do esporte às crianças de Japeri, em 2005 a Associação foi fundada e um ano depois já oferecia a atividade esportiva através da escola de golfe. Abraçado pela Confederação Brasileira de Golfe, Ministério do Esporte e empresas privadas, revelou talentos e hoje sete atletas da instituição ocupam posição no ranking nacional juvenil. Além de Anderson, Cristian Barcelos, Vitória Monteiro e Kely Aparecida Simone ocupam posição de destaque no golfe juvenil brasileiro.
 
“Se tiver mais projetos como esses nas periferias do Brasil, nós vamos ter vários Tiger Woods”, aposta Jair.