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Atacante viveu em lixão coletando ferro velho. Hoje, joga futebol na Europa

Michael Alves durante aquecimento pelo Cherno More (BUL) Imagem: Reprodução/Cherno More

Do UOL, em São Paulo (SP)

26/05/2024 04h00

Quando Michael Alves, atacante de 28 anos, conta sua história, ele não esconde um sorriso. Após viver em um lixão para ajudar a mãe a colocar comida em casa, hoje ele joga no futebol europeu.

Eu, minha mãe, meu padrasto e minha irmã íamos em um caminhão. Depois de algumas semanas, esse caminhão voltava. Buscava a gente e os materiais [coletados no local]. Meu padrasto até voltava dentro do baú porque não cabia na cabine. Minha mãe montava uma cabana e ficávamos lá. Cozinhávamos na lenha. Ia juntando um lambão, que é um saco bem enorme. Lá ia ferro velho, plástico, alumínio... Desde os 13 anos eu juntava um saco pra mim também. Para separar 50 reais que fosse para jogar videogame. O resto dava pra minha mãe comprar coisa pra casa. Quando as coisas apertavam novamente, a gente já falava com o dono do ferro velho e ia para o lixão de novo.
Michel Alves, sobre como sobreviveu antes de virar jogador de futebol.

O aterro sanitário ficava em Cruz das Almas, próximo de Feira de Santana, na Bahia. Michael e a família iam para o local quando faltava dinheiro para comer ou para pagar o aluguel. Quando não tinha jeito, a família precisava mudar de casa.

Uma vez, a casa que minha mãe tinha alugado alagou. Eu chorei demais. Olhei pra ela e falei que um dia Deus ia me dar a oportunidade de trazer o pão de cada dia para ela, dar um conforto. Eu nasci em um bairro perigoso e muita gente olhava pra mim e falavam que seria só mais mais um traficante que ia tirar a vida das pessoas. Desse dia, só nós três dentro da casa alagada e sem ter o que comer, eu coloquei na cabeça: 'eu sou o homem da casa'.

Michael Alves, em atuação pelo Cherno More (BUL) Imagem: Reprodução/Cherno More

Michael juntava ferro velho para comprar mortadela e ovos. Ele e a irmã vendiam temperos de porta em porta para conseguir dinheiro. O futuro jogador também passou a ir ao estádio da cidade vender ingresoss e cuidar de carros. "Uma vez, peguei ingresso que estava no chão e tentei vender, mas era falso. Aí o cara me falou que era falso e eu pedi desculpa, mas era o que eu tinha pra vender ali pra levar a comida pra dentro de casa".

O começo no futebol

Michael jogava na pracinha do seu bairro quando foi descoberto pelo seu empresário. Ele começou a treinar no terrão da cidade, fez sua primeira peneira no Bahia aos 14 anos e passou. Ficou três anos no clube, depois foi para o Atlético Metropolitano-SC por meio de um projeto social chamado 'Acorda para vencer'.

Um ano depois, estava de volta na Bahia, atuando no Alagoinhas. Foi campeão da segunda divisão baiana. Também por meio do projeto social, Michael Alves foi viver uma aventura: jogar no Japão.

Consegui um teste, nada certo, no Japão. Teve um amistoso, graças a Deus fui muito bem, fiz gol e consegui um ano de contrato. Foi algo único. Não esperava sair do país, pra ser sincero. Eu sonhava, ser um jogador de futebol profissional, mas não acreditava que ia ter esse privilégio de ir pra um país de primeiro mundo, de jogar futebol, fazer alguns gols. Foi um choque de realidade. É muito difícil a língua. Eu procurei mais saber o básico: vai pra direita, vai pra esquerda, pra frente, pra trás. Quando chegava no mercado lá pra comprar alguma coisa, apontava assim, quero isso aqui.

Pandemia levou ao desemprego

Michael voltou ao Brasil de férias e quando tentou retornar ao Japão foi proibido devido às restrições da covid-19. Ele tinha uma boa proposta do futebol japonês, mas ficou dois anos desempregado no Brasil. Vivia de bicos, mas nem todos ele conseguia suportar.

"Fui trabalhar com meu padrasto. Eu, minha esposa e a minha filhinha pequenininha ainda mudamos para perto do Minas Gerais. Fui cortar cana, uns matos enormes da altura de uma casa... Primeiro dia e eu não aguentei, cheguei em casa chorando de dor. Falei pra ele: 'me desculpe, mas não dá pra mim não'. Ele arrumou outro trabalho. Cinco da manhã, ele me levou para a rodovia: um varria e outro pintava o asfalto da estrada toda. Passei uns três meses, juntei um dinheirinho pra ir pra casa. Vendi a televisão, comprei as coisas da minha filha. Voltamos pra Feira de Santana pra trabalhar na feira. Acordava umas três da manhã, pegava as verduras e frutas. Foi um meio de a gente conseguir colocar o que comer dentro de casa."

Em dado momento, Michael chegou a ir para São Paulo com o empresário para ajudá-lo em troca de 500 reais. O dinheiro era para comprar o leite da filha recém-nascida. "Até hoje me emociona falar sobre essas coisas. Eu já não tinha mais esperanças de voltar para o futebol depois de ter ficado muito tempo em casa, desempregado. Ele me deu uma força enorme e arrumou um time para voltar para o Japão em 2022, só que não tinha como me inscrever. Pedi para ele me levar para o time dele em Portugal, só que esse time joga a 4ª divisão. Joguei uns jogos e um pessoal da Bulgária, da 1ª divisão, me mandou mensagem interessados. Eu fiquei desesperado. Eu chorava, ligava pro dirigente: 'pô, vocês têm que me liberar aí, é uma oportunidade única'. Uma agonia. Conseguiram entrar em acordo, o clube pagou a multa e vim pra cá."

Michael Alves, atacante brasileiro em atuação pelo Cherno More (BUL) Imagem: Reprodução/Cherno More

Hoje em dia

Michael Alves atuou pelo Cherno More (BUL), clube que deve disputar a Conference League na próxima temporada. O time só ficou atrás do Ludogoretz, campeão nacional, na temporada. O atacante já conseguiu comprar um terreno para a mãe e agora sonha em construir uma casa para ela.

Minha mãe está morando em Feira de Santana, agora não é mais aquela dificuldade. Ela não leva a vida de rainha, mas o pouco que ganho aqui a gente consegue comer bem, se divertir. Não precisa mais ficar naquela dúvida de saber o que vai comer amanhã. Quando as coisas melhorarem quero construir a casa dela, fazer do jeito que eu sempre sonhei. É meu sonho.

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