Zagueiro escapou da guerra e jogou Fut7 antes de final pelo Nova Iguaçu

Sérgio Raphael ajudou o Nova Iguaçu a alcançar o feito inédito de ir à final do Carioca. O zagueiro celebra o bom momento quase um ano depois de escapar de uma guerra e viver incertezas.

Eu me vi em uma situação, no pós-guerra, em que eu não sabia do meu futuro, não sabia se ia conseguir jogar bola, não tinha mais cabeça Sérgio Raphael

O jogador da equipe da Baixada Fluminense atuava no Al-Merreikh quando estourou a guerra civil no Sudão — o conflito entre o exército do país e o grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido dura até hoje.

Sérgio integrava um grupo de nove brasileiros, sendo quatro atletas e cinco pessoas da comissão do time: "Eu estava conversando com o meu barbeiro e ele falou: 'Você tem noção que vai fazer um ano de uma coisa terrível que você passou e, agora, você está vivendo um momento incrível?'. Muita gente não sabe o que a gente passa".

Os brasileiros desembarcaram no país natal em 28 de abril do ano passado. O zagueiro ficou sem clube por seis meses, período em que passou a atuar no Fut7 e fazer alguns cursos pensando na possibilidade de mudar de carreira.

No fim de outubro, porém, o telefone tocou e, do outro lado da linha, era Ronaldo, preparador de goleiros do Nova Iguaçu: "Ele viu que eu estava no Brasil e ligou perguntando como estava a minha situação. Ele falou que estavam planejando o elenco e que meu nome tinha sido citado. Isso foi de uma alegria enorme."

Jogadores brasileiros que estavam presos na guerra do Sudão começam a deixar o país
Jogadores brasileiros que estavam presos na guerra do Sudão começam a deixar o país Imagem: Arquivo pessoal

Tensão na guerra

Sérgio e os outros brasileiros do Al-Merreikh chegaram a ficar presos em um hotel Cartum, capital do Sudão. Eles deixaram a cidade de ônibus e foram até o Egito, onde conseguiram pegar os voos rumo ao Brasil. O zagueiro lembra da tensão e relata um pouco do que viveu naqueles dias antes de conseguir passar a fronteira.

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Ouvíamos os barulhos, estávamos muito próximos da zona de perigo. Víamos, da janela do hotel, os caças passando, tanque na rua. Para mim, o mais tenso foi quando acabou a luz e não sabíamos o que íamos fazer. A comida estava acabando. Chegamos a ficar sem comer e a água tinha acabado. Depois de um tempo, as coisas começaram a andar. Conseguimos um ônibus com o clube para ir para o Egito. Foi a maior tensão da minha vida porque tínhamos contato direto com os militares, com os pessoal da milícia. Eles entravam armados para revistar

Sérgio conta que não mantinha contato com familiares devido a uma preocupação com a avó, Dona Nice, que completou 81 anos ontem (28).

"Eu me afastei de tudo, de rede social, não postava nada. As pessoas da imprensa me procuravam e eu tinha um medo terrível de aparecer porque eu tenho uma avó, e ela se preocupava muito comigo. A única pessoa com quem eu falava diretamente era a minha irmã. Ela filtrava as informações para passar aos meus familiares", contou.

Campanha histórica

A campanha do Nova Iguaçu neste Carioca é histórica. É apenas a terceira vez que um clube de fora da capital chega à decisão — Americano e Volta Redonda já tinham alcançado tal feito. A equipe do técnico Carlos Vitor terminou a Taça Guanabara na segunda posição, atrás apenas do Flamengo, e eliminou o Vasco na semifinal.

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Logo depois da semifinal, a ficha ainda não tinha caído. Estávamos comemorando a vitória, mas eu não tinha ideia real do que a gente tinha feito. Claro, a gente sonhava em chegar à final, mas a ficha só foi cair quando voltamos aos treinos

Mundo afora

Além do Sudão, o zagueiro tem no currículo passagem por clubes de Portugal, Malta, Arábia Saudita, Iraque e Bolívia, onde defendeu o Oriente Petrolero, time conhecido dos brasileiros. "Foi uma experiência incrível, a melhor que eu tive de carreira. A torcida deles é incrível. Jogar na Sul-Americana, em casa, é surreal", conta,

Mudança de posição

Sérgio começou no futsal e, ao fazer a transição para o campo, pensava em ser atacante. A chance como zagueiro surgiu por acaso, e ele abraçou a ideia.

"Sempre joguei futsal e não almejava jogar no campo, mas como cresci muito, acabei indo. Sempre quis ser atacante, jogava de ala, era driblador. Mas quando fui para o Vasco, os caras eram fenômenos, faziam três gols por treino e eu não tinha essa qualidade de finalização. Quando sai de lá, precisavam de um zagueiro na America e eu fui. Joguei bem como zagueiro e acabei gostando", completou.

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