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Compulsão alimentar rendeu 14 kg em 2 meses e atrapalhou lateral na Europa

Gustavo Polese, ex-jogador do Chaves, de Portugal, passou por Chapecoense e Internacional na base Imagem: Divulgação/Chaves

Gabriel Carneiro

Do UOL, em São Paulo

08/01/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Gustavo Polese, 19 anos, é lateral-direito e atuou por Boavista e Chaves em 2019
  • Fase de lesões e problemas pessoais rendeu ansiedade e compulsão alimentar
  • Jogador brasileiro ganhou 14 kg no período de só dois meses e teve problemas
  • Transtorno atinge quase 5% da população brasileira e exige acompanhamento
  • Polese fez desabafo no Instagram, perdeu peso e agora planeja sua retomada

Um transtorno incomum atrapalhou a carreira de um jogador brasileiro que se aventurou no futebol português na última temporada. Gustavo Polese, lateral-direito de 19 anos, com passagens por Internacional e Chapecoense nas categorias de base, defendeu Boavista e Chaves em 2019. Em meio à tentativa de se firmar na Europa, o garoto recebeu diagnóstico de TCAP (Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica), depois de ganhar 14 kg em dois meses e vivenciou um custoso processo de recuperação.

A compulsão alimentar acontece por diferentes razões, especialmente psicológicas, e se caracteriza pela pessoa comer exageradamente de forma descontrolada, mesmo sem fome. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o transtorno atinge 4,7% dos brasileiros e é mais frequente próximo da faixa etária de Gustavo, entre 14 e 18 anos. A taxa mundial é de 2,6% e o fenômeno é tão raro entre esportistas que não há um dado oficial neste sentido.

No caso do jogador brasileiro, uma série de lesões no tornozelo direito no momento em que estava há quase um ano longe do país para tentar a sorte no futebol foi responsável pelo abalo psicológico. "Eu tinha acabado de assumir a titularidade. Fizemos um jogo pelo Boavista em que arrancamos um empatezinho contra o Porto, que foi campeão da Liga dos Campeões sub-19, e foi bem marcante. Aí me machuquei numa dividida na semana seguinte. Depois de um mês, voltei e machuquei de novo. Aí minha cabeça ficou um pouco ruim. Tive episódios de ansiedade e descontava na comida", conta ao UOL Esporte.

As lesões que impediram a manutenção da rotina de treinos renderam os primeiros quilos. Depois é que a compulsão alimentar se revelou. Idas ao supermercado rendiam pizza, refrigerante e chocolate no carrinho de compras. Ou, como ele diz, "muita besteira". "Aí, em 30, 40 minutos eu comia tudo sem ver e passava mal."

Jogador postou na internet duas fotos antes e duas durante o processo de compulsão alimentar Imagem: Acervo pessoal

VivaBem: 11 estratégias para lidar com a compulsão alimentar

Gustavo estava sozinho em Portugal. Tinha dúvidas sobre a sequência da carreira, tanto é que saiu do Boavista para jogar no Chaves justamente nessa época, e ainda tinha acabado de perder o avô. "Estava bem nos treinos no Chaves, mas meu treinador começou a me cobrar. Tinha episódios de compulsão e meu peso estava aumentando. Eu sabia que estava gordo, mas não queria aceitar, porque meu rendimento não era ruim", conta Gustavo Polese, com uma metáfora inusitada sobre o tema.

Sabe quando você está dormindo e alguma pessoa toca a campainha? É uma pessoa importante, você sabe que tem que atender, mas está gostoso ficar dormindo. Entende? Eu não queria aceitar.

Uma pessoa com compulsão alimentar tem quatro vezes mais chances de chegar à obesidade do que uma pessoa que não apresenta este quadro. Também por isso, o acompanhamento psicológico e nutricional é recomendado em casos mais graves. Ou seja: há tratamento. E no caso de um jogador de futebol profissional isso pode salvar a carreira.

"Dadas as elevadas necessidades energéticas dos atletas, trata-se de um grupo com elevado risco de desenvolver o TCAP, especialmente em longos períodos de recuperação de lesões e no final da carreira, em que os hábitos alimentares são mantidos, mas as necessidades energéticas são drasticamente reduzidas (...) Os atletas estão sistematicamente expostos a importantes estressores, o que os coloca em maior risco de fazer o uso da alimentação, como uma mediação para saciedade ao estresse", contam Mariane de Andrade de Oliveira, Marcus Levi Lopes Barbosa e Valesca Beatriz Streppel Panichi em artigo publicado em 2017.

Chegou num ponto em que eu me olhei no espelho e falei: 'porra, o que eu estou fazendo com a minha vida, a minha carreira?' Vou jogar fora por causa de algo que eu sou forte para enfrentar?

Este ponto de virada foi atingido quando o lateral viu que tinha pulado de 66 kg para 80 kg em apenas dois meses. "Eu montei um protocolo de dieta e comecei a me dedicar cada vez mais. Além dos treinos no clube, fiz trabalhos à parte, me segurei e meu peso foi baixando. É difícil você se controlar. Às vezes passa dois dias ou dois meses sem ter um episódio assim e numa escapada tudo vai abaixo. Eu ainda tenho vontade de sair comendo tudo o que vejo pela frente, é um processo longo. Mas hoje meu mindset é melhor, eu consigo neutralizar mais. Vou melhorando a cada dia. Você tem que fazer as coisas por você", conta.

Em ação pela Chapecoense sub-17 na Copa Internacional Alkass no Qatar, em 2017, contra a seleção da Síria Imagem: Divulgação/Chapecoense

Gustavo Polese voltou ao Brasil após deixar o Chaves. Está com 70 kg. Fez um desabafo no Instagram perto do Natal em que fala de "trabalho", "disciplina" e "vontade de mudar". O objetivo do textão era dizer que assuntos como a compulsão alimentar precisam ser tratados de forma séria, não como piada: "Isso pode acabar com vidas e sonhos."

Ele planeja voltar a Portugal e retomar a carreira no segundo semestre. Mas desta vez sem lotar o carrinho no mercado.

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