Abrir caminhos

Embaixadora da ONU, ela diz: 'A gente só debate Amazônia quando olha pro céu de SP e ele está cinza'

Adriana Terra Colaboração para Ecoa, em São Paulo (SP) Fernando Moraes/UOL

"Fui uma adolescente questionadora, inquieta. E acho que todo mundo tem essa inquietação, o que muda é o que a gente faz com ela. Sempre gostei de ouvir as pessoas, isso me fez mais sensível ao outro e à minha própria história. Na adolescência, fui voluntária em asilos, projetos para jovens e voltados à proteção de terras indígenas. Quando entrei na faculdade, fui trabalhar com crianças refugiadas.

Nesse processo, ingressei nos Embaixadores da Juventude da ONU e hoje também estou na diretoria da ONG Perifa Sustentável. A visão que a gente tem da pauta ambiental foi dominada por vozes da elite branca e masculina por muito tempo, então penso num viés social, racial, que coloca a juventude no centro.

Nas zonas urbanas, infelizmente a gente só vai debater Amazônia, regularização de terra, reconhecer a importância dos povos originários quando olha pro céu de São Paulo e ele está cinza de fumaça. A gente tem de fazer disso uma pauta indispensável. Quando a gente fala de êxodo climático, fala de precariedade social; quando fala de demarcação, fala do sofrimento de populações. Não é 'só' uma pauta ambiental.

Criei também o projeto As Yalodês, uma academia de liderança para jovens mulheres negras - algo muito íntimo pra mim e, ao mesmo tempo, coletivo. Porque eu me inseri cedo nos espaços e sempre me senti sozinha. E, a partir do momento em que sou a primeira, quero fazer uma revolução. Eu quero abrir caminhos."

Mahryan Sampaio

Fernando Moraes/UOL
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É possível apresentar Mahryan Sampaio, 22, a partir de sua formação acadêmica e de trabalhos que tem feito, mas há outras experiências importantes para entender o caminho que ela tem trilhado. Nascida no Rio de Janeiro e criada na zona norte paulistana, a jovem cresceu tendo relação forte com a terra: mesmo quando havia pouco espaço em casa, plantava — um aprendizado que herdou da avó, mineira de origem indígena.

Com a mãe, desde pequena frequenta quadras de escola de samba - na infância de Mahryan, a jornalista Simone Sampaio era rainha de bateria da Nenê de Vila Matilde. Por ali, tinha uma vivência que lhe ensinava sobre comunidade, ancestralidade.

Ávida leitora, do tipo que a família encontra em um cantinho imersa em um livro nos fins de semana, ela foi uma adolescente frequentadora de bibliotecas municipais e, por volta dos 13 anos, resolveu cursar Relações Internacionais. Tanto com a mãe quanto com a avó, teve exemplos de mulheres afetuosas e potentes, características que busca carregar em sua atuação em diversos projetos.

Mahryan é co-fundadora e diretora do Instituto Perifa Sustentável, uma organização sem fins lucrativos de periferia que fala sobre assuntos ambientais para a periferia.

Além disso, a jovem é Embaixadora da Juventude da ONU Brasil, faz parte da diretoria da organização I Know My Rights e toca o projeto As Yalodês. Um ponto comum a todas essas atividades é o trabalho com jovens, fortalecendo pautas ambientais, de migração e refúgio, gênero e raça

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Quem protege a terra

Foi por meio do Perifa Sustentável, iniciativa que acaba de vencer o prêmio Jovem Brasileiro, que Mahryan participou em 2021 da COP26, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, na Escócia.

Para ela, apesar de o acordo não ter tido grandes avanços, houve um ganho para o Brasil em termos de protagonismo negro e indígena. Ao lado de Mahryan, estavam outras três jovens na delegação da ONG, que foram ao evento com a Coalizão Negra por Direitos, a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos e o Instituto Clima e Sociedade.

Por lá, ela participou de uma mesa falando sobre a história de mulheres negras na proteção do meio ambiente. "Colocando não só que somos as pessoas mais afetadas pela mudança climática, mas também as líderes comunitárias, as mulheres que têm essa relação forte com a terra", conta.

"Ao falar de meio ambiente, a gente observa quem são aqueles que prioritariamente protegem a terra. Então, acho que considerar povos indígenas e quilombolas como guardiões da floresta é possibilitar que eles tenham cada vez mais voz para falar do assunto. Me alegro em ver mais indígenas, quilombolas falando de titularização das terras, uma das pautas indispensáveis à proteção ambiental", diz ela.

Não é só sobre ser vítima do racismo ambiental, mas sobre ser agente de mudança que protege e reivindica

Mahryan Sampaio

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Outra liderança

Apesar de logo cedo ter entendido a força da coletividade e das redes, algo que a formação no Embaixadores da Juventude da ONU estimulou, Mahryan se sentiu sozinha em muitos momentos, olhando para o lado e não vendo gente como ela - seja na faculdade no Centro Universitário Belas Artes, onde estudou com o auxílio de três bolsas (sendo pesquisadora e monitora), seja no ativismo.

Pensando nisso, ela idealizou o projeto As Yalodês, financiado pela ONG Vital Voices e pela empresa Procter & Gamble.

A iniciativa é uma academia de liderança para jovens mulheres negras. Nela, saem os tradicionais termos em inglês e entram conteúdos sobre engajamento comunitário, sustentabilidade, saúde mental, setor público, educação financeira, ministrados por outras mulheres negras.

A primeira edição foi neste ano e contou com 25 participantes, com idades entre 18 e 25 anos.

Para a estudante Yohana Abyara, 18, que atuou ao lado de Mahryan na iniciativa, "a sociedade cria uma lacuna nos sonhos de meninas negras. Fui aluna de muitos projetos sociais e fazia falta me enxergar na posição de liderança", conta.

"O mundo em que a gente vive ensina jovens, mulheres e negros a estarem numa posição de subserviência. E no As Yalodês a gente faz o contrário", explica Mahryan.

É como se você tivesse escalado muitos metros e agora estivesse num nível aceitável, e isso reverbera em nós de forma agressiva, porque a gente sabe que, na sociedade em que a gente vive, se uma mulher negra não ocupa determinado espaço é porque ela não teve oportunidade.

Mahryan Sampaio

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Frutos de um quintal

Atuando em diversos projetos para a juventude, o que lhe rendeu homenagem na Câmara Municipal de São Paulo em agosto, e fazendo pós-graduação em Direitos Humanos na Universidade Federal de São Paulo, os dias de Mahryan são cheios.

Na data em que foi feita a entrevista, em sua casa em Cotia, município vizinho de São Paulo onde mora hoje com a mãe, o intervalo de compromissos era quebrado pela pausa para um bolo de laranja da avó que as visitava, ou pela tigela de cana que a matriarca havia acabado de colher do pé no quintal.

Simone conta que foram elas quem plantaram tudo que hoje tem dado fruto ali: limão, mamão, abacaxi...

Apesar de ser crítica a uma postura que imputa ao indivíduo a crise climática, Mahryan crê que é preciso responsabilidade.

"Não é porque o agronegócio está sendo pautado por uma cultura de superexploração capitalista que eu não devo fazer nada. O que critico é um discurso que se volta à culpabilização das pessoas pela degradação do planeta, acho que não é assim que funciona", diz ela.

Para a ativista, a chave é entender que é necessário alinhar o passo - sociedade civil, empresas, governo -, e que nada está isolado. "Se ver nessa coletividade, como agente para mudar a própria vida, influenciar pessoas e pressionar setores", diz ela.

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