Serendipidade

'Questionei Deus': Após ter filho com Down, empresário tem virada na vida e consegue ajudar 300 mil pessoas

Edison Veiga Colaboração para Ecoa Fernando Moraes / UOL

"Para contar a história do instituto, preciso falar um pouco antes da história da minha família: em 2018, eu e a Marina já éramos pais da Carolina, que na época tinha 5 anos. E do Felipe, que tinha 2 anos e meio. Em fevereiro nasceu Pedro e, um dia depois do nascimento, a gente recebeu o diagnóstico: síndrome de Down.

Durante os 21 dias em que ele ficou na UTI, por ter nascido prematuro, a Marina e eu começamos a receber informação e acolhimento, conversando com pais e mães de crianças com síndrome de Down e também com pessoas com deficiência. Entendemos que, na jornada em que estávamos prestes a entrar, havia luz no fim do túnel.

Essa luz era a possibilidade de o Pedro ser feliz, ser protagonista da própria história. Poder alcançar tudo aquilo que ele quisesse e pudesse. Foi um processo, uma virada de chave: passei de questionar a Deus por que ele tinha me mandado um filho com síndrome de Down, a questionar a Deus por que ele levou tantos anos para me apresentar algo que eu já devia conhecer, independentemente de ser pai do Pedro."

Henri Zylberstajn, fundador do Instituto Serendipidade

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Uma descoberta proveitosa

Serendipidade é uma palavra que tem certidão de nascimento. Foi inventada, em inglês (serendipity), pelo escritor britânico Horace Walpole (1717-1797) em 1754. De acordo com dicionários de língua portuguesa, significa algo como "descoberta feliz ou proveitosa, feita ao acaso, em geral quando se buscavam outras coisas".

"Foi exatamente o que aconteceu com a nossa família quando o Pedro chegou", define o engenheiro civil Henri Zylberstajn. "O Instituto Serendipidade não é sobre a gente. Somos atores importantes nessa engrenagem, mas não é algo que a gente fez para nós. Fizemos para todos. É sobre o filho de todo mundo."

Um percurso que começou com o choque pela notícia de um filho ter nascido com deficiência intelectual. Madurou com a consciência de que havia possibilidade de vida feliz dentro desse universo diverso. E passou a dar frutos quando Zylberstajn concluiu que seu filho Pedro era um privilegiado em um país em que a maior parte das pessoas com deficiência não tem, por limitações socioeconômicas, acesso a ferramentas para terem uma vida de qualidade.

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O instituto nasce daí, dessa chave virada, quando paramos de encarar a chegada do Pedro como um castigo e prometemos, a Marina e eu, que ninguém mais iria olhar para nosso filho da maneira como olhávamos pessoas com deficiência antes, por falta de informação

Henri Zylberstajn, fundador do Instituto Serendipidade

Entender para ajudar

Na época, Zylberstajn era CEO de uma empresa de tecnologia - um marketplace de leilões - fundada por ele 10 anos antes. Decidiu tirar um período sabático para compreender a realidade das pessoas com síndrome de Down.

Em sua cabeça, ressoava o momento em que a obstetra anunciou o diagnóstico, no segundo dia de vida do Pedro. "Eu comecei a fazer imediatamente associações entre deficiência e incapacidade, deficiência e doença, deficiência e infelicidade. Coisas que hoje sei que são erradas e inverídicas, mas na época eu não sabia", comenta.

"Eu não recebi bem a notícia da síndrome de Down do Pedro, e hoje falo isso com muito respeito e muito carinho não só em relação ao Pepo, mas também em relação a todas as pessoas com deficiência", diz. "Ao mesmo tempo, tenho a sinceridade que entendo ser necessária para alguém que hoje busca mudar o olhar de pessoas que eventualmente pensam como na época eu pensava."

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Em seu período sabático, além de pesquisar muito o assunto, decidiu se tornar voluntário na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de São Paulo, hoje Instituto Jô Clemente. "Ali eu pude entender que, infelizmente, a realidade do Pedro não é a realidade da maior parte das pessoas com deficiência. Foi o que começou a me motivar a dar um passo maior", conta.

Na mesma época, ele e a mulher criaram o perfil @pepozylber no Instagram, com a ideia de compartilhar os aprendizados com os familiares e amigos mais próximos. Para sua surpresa, o número de seguidores foi muito maior do que sua bolha — hoje está na casa dos 178 mil.

Zylberstajn sacou que era preciso mais informação para tornar a vida de seu filho melhor e, por tabela, a vida de tantas outras pessoas com deficiência. "O nascimento do instituto é por aí. Mas, naquele momento, ainda não era um instituto. Era um agrupamento do bem, que a gente chamava de Projeto Serendipidade."

Um ano depois, foi estabelecida a associação sem fins lucrativos e nascia, oficialmente, o instituto.

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Laços e cuidados

O Serendipidade atende a 500 pessoas de forma direta. Os projetos procuram abarcar todas as fases da vida de uma pessoa com síndrome de Down e com 14 outras deficiências. Tudo de forma gratuita.

Chamado de Laços, o programa de acolhimento procura dar apoio às famílias no momento do diagnóstico. A ideia é que pais e mães mais experientes possam ajudar os que acabam de receber a notícia.

Há também um programa de iniciação esportiva, com atividades para crianças de 3 a 9 anos. Por fim, um programa de saúde e envelhecimento, que busca dar melhor qualidade de vida a adultos e idosos com deficiência intelectual.

E os olhos de Zylberstajn brilham ainda mais para falar de outro desdobramento do Serendipidade: a atuação, em parcerias, com outras organizações já estabelecidas. "As ONGs gastam 80% de seu tempo buscando sobreviver", aponta. Ou seja: em vez de estarem focadas na ação em si, as entidades precisam ficar bolando maneiras para captar recursos.

"Contribuímos com aquilo que sabemos fazer: visão estratégica e captação de recursos. Deixamos para elas o atendimento de ponta. Com essas iniciativas, mais de 300 mil pessoas são impactadas", explica.

A inclusão de forma leve

Em 2021, Zylberstajn vendeu sua empresa e passou a dedicar-se a outros projetos, outros negócios de tecnologia. Busca setores diferentes e atribui ao filho caçula esse ímpeto. "Atuar em outras áreas está muito ligado a esse mergulho em direção ao ecossistema da inclusão, da diversidade, do terceiro setor", comenta.

"Hoje participo de empresas e projetos em áreas como educação, conservação ambiental e assim por diante. O instituto me fez revisitar a forma como eu encaro a vida e os negócios: deixei de pensar em querer fazer a melhor empresa do mundo para fazer as melhores empresas para o mundo", avalia ele.

Em meio a tantas serendipidades, até um livro Zylberstajn escreveu. 'Joca e Dado' trata de inclusão e diversidade e é voltado para crianças. Depois de ser incluído em um projeto de assinatura de livros e atingir a marca de quase 80 mil exemplares vendidos, agora o livro está sendo distribuído para 8 mil escolas públicas de São Paulo e do Rio de Janeiro.

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