Professora Jessi

Do BBB às aulas no Instagram, Jessi Alves quer mais mulheres negras na ciência: 'Não basta não ser racista'

Luciana Bugni Colaboração para Ecoa, em São Paulo (SP) Tuane Fernandes/Greenpeace Brasil

Quando deixou a casa do BBB, em 2022, Jessilane Alves, 27, tomou um susto ao abrir suas redes sociais: de repente, a professora brasiliense se viu seguida por pouco mais de um milhão de pessoas, uma legião de fãs do reality que, a partir de então, puderam conhecer mais de perto a 14ª eliminada da edição.

Investir em conteúdos mais populares nas redes, como assuntos de moda e beleza, certamente era uma opção para Jessi, como costuma ser para muitos ex-BBBs. Mas a bióloga nascida em Bom Jesus da Lapa (BA) optou por um caminho mais difícil, o da educação. E, para a surpresa dela, as aulas de biologia, sua especialidade, geraram alto engajamento entre os seguidores.

"No programa, o pessoal me perguntava sobre biologia e ciência e eu percebia que todo mundo ficava muito interessado. Enquanto estava na casa, pensei que seria uma boa ideia, quando saísse, criar um quadro para o Instagram com o jeito Jessi de ensinar", diz Jessi em entrevista exclusiva para Ecoa.

Assim nasceu o 'Jessiologia', um projeto audiovisual que, na primeira temporada, abordou temas como vida marinha, morcegos, areia do mar, reprodução das plantas, dentre outros assuntos que despertam a curiosidade.

Cheia de ideias, ela quis mais: em homenagem ao Dia das Mulheres na Ciência, comemorado em 11 de fevereiro, criou uma série de quatro episódios sobre o tema. "A ideia era trazer histórias de profissionais que foram e são silenciadas todos os dias pelo sistema patriarcal", explica. Uma das personagens escolhidas é Alice Ball. Botânica, ela foi a primeira a extrair óleo vegetal e compostos necessários para tratar a hanseníase — doença antes conhecida como lepra.

Já Jaqueline Goes, biomédica, foi a primeira mulher a mapear o genoma do coronavírus, em 2020. "Essa eu tive a oportunidade de conhecer pessoalmente. Quero falar sobre a admiração que sinto por essas mulheres", diz Jessi que, em seus perfis nas redes, busca trazer informações didáticas e de maneira bem descontraída.

Um ano após deixar a casa mais vigiada do Brasil, no BBB22, assistir o reality do lado de fora tem sido nostálgico para Jessi, que se vê ansiosa ao imaginar as emoções vividas pelos participantes. Apesar dos momentos de tensão, ficam ótimas memórias do programa. "Ver de fora é bom porque sei o que eles estão passando ali dentro, mas sei também que dá para julgar aqui de fora", diverte-se.

A mulher, enquanto cientista, não recebe o mesmo mérito e credibilidade pelos seus feitos que os homens, por isso quero colocar o holofote no trabalho delas.

Jessi Alves, bióloga e ex-BBB

Tuane Fernanes/Greenpeace Brasil Tuane Fernanes/Greenpeace Brasil

Maquiagem? Também, mas sua praia é falar de ciência

Como uma boa influencer, Jessi gosta de discutir seus looks e mostrar sua maquiagem. As baladas e encontros com amigos também merecem cliques da bióloga, mas a sua praia mesmo é falar de ciência.

"Parece que dando aula eu me sinto em casa. Sei que esperam que eu fale de glamour, moda, estética, mas eu quero produzir conteúdo social, discutir educação, política e meio ambiente. Lógico que também tenho que produzir trends, que viralizam rápido, mas gosto muito mais de vídeos educativos", conta a Ecoa.

A ideia de lecionar veio ainda na adolescência, após conhecer uma professora de ciências. "Fiquei muito encantada com a aula dela e perguntei o que ela havia feito na faculdade. Depois, tive outra professora de biologia que, além de lecionar esse tema, era uma mulher preta. Aí, eu decidi que queria estar naquele lugar também."

Apesar da paixão pela biologia, a falta de representatividade nas salas de aula deixou sua mãe apreensiva com o futuro. "Disse a ela que eu pagaria a faculdade que eu queria cursar, mas ela estava preocupada em como eu ganharia a vida depois, em Brasília. Eu disse que isso era um problema para a Jessi do futuro", recorda.

No fim, tudo saiu mais fácil do que sua mãe esperava. Professora desde os 21 anos, Jessi se percebeu como a referência que não teve. Mulher preta, ela sempre assumiu uma posição provocadora em sala, instigando seus alunos a discutir as consequências do machismo e do racismo.

Tuane Fernandes/Greenpeace Brasil Tuane Fernandes/Greenpeace Brasil

'Influenciando de verdade'

Foi o gosto pela contestação que inspirou um de seus quadros no Instagram, onde ela fala sobre a evolução da ciência e a necessidade de rever preconceitos.

Para quem morou, por alguns meses, na casa mais vigiada do Brasil, onde é impossível conhecer a aprovação dos outros, Jessi se sente feliz em poder, nas redes sociais, pôr em prática o que ela mais gosta: ouvir as pessoas, tirar dúvidas e aprimorar seu conteúdo.

"Eu adoro, de verdade, ler os comentários. A galera elogia minha didática e diz que não sabia nada sobre aquele assunto. Os seguidores também falam muito que isso é influenciar de verdade, é levar conhecimento para as redes sociais. Isso também é uma forma de matar a saudade da sala de aula", afirma.

No meio disso, um post de cervejinha com as amigas, um look para ir a um show ou uma foto com a namorada — a produtora Sté Frick, com quem assumiu o namoro recentemente. Nas redes de Jessi, tem espaço para todos os gostos.

Vejo cada vez mais em mim uma bióloga que não se conforma com qualquer coisa

Jessi Alves

Tuane Fernandes/Greenpeace Brasil Tuane Fernandes/Greenpeace Brasil

Professor pode ser o que quiser

Quando deu aulas para sua primeira turma, aos 21 anos, Jessi foi logo convidada pelos estudantes para compor a mesa de formatura. Naquele ano, foi surpreendida por alunas que confessaram ter prestado o vestibular para biologia por sua influência. "Diziam que nunca aprenderam ciência tão bem quanto naquele ano. Não é sobre biologia, é mostrar que mulheres e homens pretos podem estar nesse lugar".

O mesmo vale para sua participação no BBB. Num contexto de ataque à ciência e à educação no Brasil, Jessi e João Pedrosa, seu amigo, participante da edição anterior do programa, puderam mostrar, em rede nacional, uma outra fotografia dos professores no Brasil: pessoas críticas, contestadoras, que levam questões à baila, mas que podem muito bem ir à balada e ter uma vida noturna agitada, sem isso depor contra sua imagem. "Trazer conhecimento é muito bom, mas ser uma pessoa normal também é", diz ela.

Na vida da bióloga, a luta contra o racismo atravessa, por inteiro, sua visão de educação. "Não basta não ser racista, é preciso lutar contra essas atitudes. Eu via professores brancos normalizando certas situações na escola [...] é cansativo ter de levantar para si a bandeira que deveria ser de todos e, ainda, ouvir comentários grosseiros que colocam isso como militância. O momento social do Brasil é incompreensível — brancos e não brancos precisam estar nessa, juntos", diz.

Tuane Fernandes/Greenpeace Brasil Tuane Fernandes/Greenpeace Brasil

+ Entrevistas

Soldado da paz

Em livro sobre o pai, que lutou contra os nazistas, baterista dos Paralamas mostra não haver glamour na guerra

Ler mais

Roberta Faria

Fundadora da MOL, ela já reverteu R$ 57 milhões em doações, mas ainda acha pouco

Ler mais

Fazendeiro urbano

Após perder o pai por má alimentação, ele decidiu criar fazenda sem agrotóxico em teto de shopping

Ler mais
Topo