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Opinião

Tempestades, refugiados... navegamos pelos efeitos das mudanças climáticas

Como atleta, sempre vibro quando bato algum recorde. Mas isso fica restrito, claro, às competições de windsurf e regatas a vela, porque alguns recordes são lamentáveis e alarmantes. De acordo com o noticiário recente, o observatório climático europeu Copernicus revelou que, considerando as temperaturas da superfície do mar e do ar, fevereiro de 2024 foi o mais quente da história! Todos nós percebemos que está mais quente mesmo e nos deparamos com outros efeitos devastadores das mudanças climáticas. E o que mais, nós, da Voz dos Oceanos, percebemos navegando cerca de 22 mil milhas náuticas - aproximadamente 40 mil quilômetros - dos oceanos Atlântico e Pacífico em pouco mais de dois anos?

A primeira etapa da nossa expedição atracou em cerca de 100 destinos de mais de 10 países das Américas do Sul, Central e do Norte e da Oceania. Em todos eles, absolutamente TODOS, notamos a presença de plástico e microplástico - mas também encontramos pessoas e iniciativas comprometidas em reverter essa invasão de resíduos. Paralelamente outra questão marcante é que, em cada lugar por onde a Voz dos Oceanos passou nesse período e rota, as mudanças climáticas são perceptíveis e sentidas em vários níveis. No meu caso, então, são gritantes - e assustadoras.

Quando eu nasci, minha família já se preparava para a primeira volta ao mundo a bordo de um veleiro. Ou seja, meus primeiros passos aconteceram já buscando o equilíbrio sobre as águas. Cresci dos 7 aos 17 anos a bordo, no balanço das ondas, numa época em que as estrelas eram nosso GPS. De lá para cá, chegamos a 40 anos de vida literalmente no oceano, onde mantenho meus momentos contemplação deste fascinante planeta Água.

Como capitão do veleiro Kat, também observo o entorno com atenção para lá de redobrada ao clima e condições do mar, apoiado por tecnologia e informações meteorológicas precisas e importantíssimas para nossa jornada segura. Cerca de um ano antes do início da nossa expedição Voz dos Oceanos, a Mãe Natureza nos mandou um alerta. Estávamos apenas eu e Erika levando o veleiro Kat para as ilhas Falkland/Malvinas, quando fomos surpreendidos por uma tempestade com ventos de 140 km/h e ondas de 8 a 10 metros de altura. Sofremos alguns danos na embarcação, mas superamos o desafio e chegamos em segurança no nosso destino.

Uma tempestade atípica e isolada? Não, né? Entre agosto de 2021 e novembro de 2023, tive que pensar e repensar o cronograma da Voz dos Oceanos, antecipando ou atrasando diversas partidas em consequência das mudanças climáticas. Nossa rota foi marcada por tempestades mais fortes que o "usual", incluindo um ciclone de categoria 5, a mais alta da escala Saffir-Simpson com ventos acima de 251 km/h, que chegou no Pacífico Sul em outubro do ano passado - um mês antes do início da "temporada oficial" de ciclones e devastou Vanuatu. Ao identificar o que estava por vir, antecipei nossa partida rumo à Nova Zelândia.

Desde a nossa primeira volta ao mundo, nos anos 1980, essa é uma região muito especial para a nossa família - e que conquistou também a tripulação da Voz dos Oceanos. Além de sua beleza fascinante, a Polinésia Francesa reúne comunidades encantadoras. Pessoas acolhedoras, que vivem uma vida simples e feliz, desapegadas de toda essa parafernália que nos absorve. Pois são essas comunidades que estão sofrendo com os impactos dos nossos "modernos" modos de consumo, produção... vida! Por lá, encontramos comunidades inteiras que estão se deslocando de locais perto da costa, devido ao aumento do nível do oceano - mais um efeito das mudanças climáticas.

Nas ilhas Fiji e por vários locais da Polinésia, conhecemos muitas pessoas e reencontramos famílias que são nossas amigas desde 1988. Entre novas e antigas amizades, os mesmos relatos: as marés estão cada vez mais altas, os ventos mais fortes e a rápida aceleração na morte dos corais - como testemunhamos em alguns mergulhos. Para navegar por essa região, antes, cruzamos o Canal do Panamá, onde o nível da água começava a ficar abaixo do ideal por causa da pouca chuva, no começo de 2023. Agora, isso está afetando ainda mais o trânsito no local - e de uma maneira jamais imaginável.

A bordo da Voz dos Oceanos, testemunhamos in loco o que cientistas, meteorologistas, biólogos marinhos, oceanógrafos, velejadores, pescadores... pessoas que vivem dos e nos oceanos vêm alertando. Todos veem claramente a evolução das mudanças climáticas, seus impactos no planeta e como nos afeta. E já nos alertam para outra questão assustadora: as correntes marinhas podem entrar em colapso, como a Corrente do Golfo no Atlântico Norte que, devido ao derretimento do Ártico, está sendo afetada em mais um comprometimento ao sistema regulador do clima nos oceanos.

Nos preparamos para a segunda etapa da Voz dos Oceanos, que continuará sendo guiada pela missão de combater a invasão plástica. Mas, naturalmente, atentos também às consequências da crise climática, como o branqueamento de corais e o movimento de refugiados climáticos. O desafio é grande, mas acreditamos que, juntos, podemos minimizar os impactos e impulsionar a onda da transformação, da recuperação e preservação do nosso planeta Água.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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