Topo

Rodrigo Ratier

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Só 10% dos diretores de escola têm formação específica. Como avançar?

diane39/iStock
Imagem: diane39/iStock

14/02/2022 06h00

Um em cada dez. Na divulgação da primeira etapa dos resultados do Censo Escolar de 2021, o número passou quase despercebido, mas não devia. Ele se refere à quantidade de diretores de escola com alguma formação específica para a função. Só 10% fizeram algum curso na área, e ainda assim o índice é generoso: considera até cursos curtos de 80 horas.

Há uma comparação imprópria que equipara a direção de uma escola a cuidar de uma casa. Não há paralelo possível. Liderar escolas exige conhecimentos atualizados de áreas como legislação, políticas públicas, gestão administrativa, financeira, do espaço, da tecnologia e de pessoas. Ter familiaridade com o cotidiano de uma sala de aula também é desejável, embora a parte didática propriamente dita fique à cargo da coordenação pedagógica. Esses profissionais, em conjunto com o orientador educacional, que cuida da relação com alunos e famílias, formam o chamado "trio gestor" de uma escola.

No papel, o curso de Pedagogia habilita para a função de direção, mas há consenso de que a graduação deixa a desejar. "Vários estudos brasileiros apontam que a formação inicial não tem sido suficiente", diz Lara Simielli, diretora de Conhecimento Aplicado do D3e e professora do departamento de Gestão Pública da FGV. "Uma pesquisa publicada em 2020 analisou 58 cursos de licenciatura e pedagogia em instituições públicas e privadas apontou que 82% deles ofereciam apenas uma ou nenhuma disciplina relacionada à gestão escolar."

Lara aponta que o problema não é exclusividade nossa. Segundo a especialista, a maioria dos países não elege a gestão escolar como prioridade. É um equívoco. "Na década passada, um estudo internacional apontou que a liderança fica atrás apenas da instrução em sala de aula entre os fatores que impactam a aprendizagem." Se a dificuldade é mundial, no Brasil ela ganha camadas extras de gravidade. Por aqui, a forma mais utilizada para o acesso ao cargo de direção ainda é a indicação política - 24% nas escolas estaduais e 66% nas municipais. Isso pode fazer com que a gestão escolar seja uma moeda de troca entre prefeitos e apadrinhados que não entendem nada de educação, dando palco para pessoas despreparadas ou, ao contrário, encurtando gestões bem sucedidas.

"O Índice de Oportunidades da Educação Brasileira (IOEB), que mede as oportunidades educacionais oferecidas para todas as crianças e jovens em idade escolar, reitera a importância do diretor, destacando como um dos seus subindicadores o seu tempo de permanência na gestão", explica Lucinha Magalhães, coordenadora pedagógica da Comunidade Educativa CEDAC. "É preciso tempo para conhecer melhor as necessidades de sua comunidade e assim poder, de fato, contribuir com o funcionamento da escola e assegurar um clima escolar mais positivo para que as aprendizagens aconteçam".

Há, portanto, a necessidade de uma revisão global nas condições de acesso e permanência na carreira. Um estudo de 2008 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indica ações em três dimensões: formação inicial, transição da sala de aula para a direção e formação continuada ou em serviço, voltada para a atualização e desenvolvimento de novas competências.

O relatório Desenvolvimento Profissional de Diretores Escolares traz algumas pistas mais concretas para essa revisão. "Olhamos para 10 casos internacionais, mas dois foram analisados mais profundamente: África do Sul e Ontário, no Canadá", conta Lara, uma das autoras do documento. Entre as recomendações estão o estabelecimento de uma política de desenvolvimento e não uma formação pontual; a formação inicial em nível de pós-graduação — o entendimento de que a experiência docente é central, mas precisa ser suplementada por qualificação específica para a direção; estabelecimento de um marco para a liderança escolar e a definição de competências para a atuação dos dirigentes; e definição da metodologia de ensino. "Em ambos os países, há conexão da teoria com a prática, por meio de mentorias, estágios e portfólios", afirma a especialista.

O consenso é que a função merece atenção redobrada dos diferentes níveis de governo. "Dada a importância dos diretores para uma educação de qualidade, é preciso garantir que eles recebam a formação adequada", diz Lara. "É preciso qualificar o gestor escolar para ser o guardião do projeto educativo e da aprendizagem. É ele ou ela quem legitima e faz acontecer as políticas públicas na prática", finaliza Lucinha.