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Rodrigo Ratier

Parques, zoológicos e outros micos da reabertura

21/09/2020 04h00

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Para quem gosta de espaços públicos ao ar livre, a reabertura gradual após meses de isolamento tem adicionado generosas porções de dissabores ao menu de causos "classe média sofre - versão pandemia". Em São Paulo, informações escassas, horários bizarros e medidas incompreensíveis são garantia de frustração a todos os envolvidos. O que segue é um relato pessoal sobre uma sequência desses percalços.

Capítulo 1: parque com crianças pequenas. Tentativa realizada durante a semana, porque áreas verdes permanecem fechadas aos sábados e domingos. Como já conhecíamos o local, coube a mim desapontar Luiza, 5, e Clara, 2, explicando que os brinquedos estariam indisponíveis. O que não poderíamos supor é que haveria outras coisas desativadas. Caminhamos em direção à portaria mais próxima. Trancada. Assim como a segunda e a terceira. Ao longe avistamos um portão aberto, provavelmente o único do lugar. Enquanto marchávamos cada vez mais suados, Luiza proclamou as mais sábias palavras daquela manhã: "Vamos voltar para casa?"

Por acaso passamos pela mesma região no fim de semana. Em vez de impedir aglomerações, o fechamento programado apenas as concentrou do lado de fora das grades. Imaginei que o capítulo 2 - praça com crianças pequenas - nos reservaria melhor sorte. Só que praça Horácio Sabino, nosso objeto de desejo, lembrava a pista do Rock in Rio. Fila para o tanque de areia, gente usando mascara como bandana, cachorros congraçando com idosos do grupo de risco como se não houve amanhã. Passamos. O destino seguinte, a singela praça Irmãos Karmann, é lar de um gira-gira, um escorregador algo prejudicado e o balanço de dois assentos mais resiliente que o ser humano já foi capaz de usinar. O parquinho está vazio e logo fica evidente por quê: começa a chuva - e o choro, justificado, ao batermos em retirada. As meninas me consolam.

Insistentes, dobramos a aposta. O capítulo 3 atende pelo nome de Zoo Safari, zoológico de animais silvestres percorrido de carro num circuito de 2,9 km. Sendo um dos pouquíssimos equipamentos de lazer abertos na cidade, recebe os visitantes com uma fila constrangedora. A temperatura é hedionda e Clara começa a berrar de desespero ao ser informada de que haverá leões caminhando ao lado do Honda Fit. Entramos. O congestionamento insano prossegue do lado de dentro. Na verdade é pior, pois não há rotas de escape e uma eventual tentativa de fuga corre o risco de terminar nas fezes do macaco-aranha ou em bicadas de flamingo.

As aves ornamentais fazem o seu melhor. Esplendoroso e exibido como sempre, o pavão se esforça para nos distrair do engarrafamento, do calor diabólico e do choro infantil. Não se pode dizer o mesmo das displicentes tartarugas, que ainda assim se deslocam com mais agilidade do que a fila de veículos. No brejo do jacaré, enfim nos damos conta de que nossa enlouquecida busca por diversão havia ido longe demais. Os pouco mais de 100 metros que bordeiam a lagoa são vencidos em 40 minutos de anda-e-para. Paralisado pelo clima febril, um réptil observa o delírio coletivo. A demora do trajeto faz com que seja possível observá-lo de todos os ângulos possíveis.

Houve, é verdade, alguns danos autoinfligidos. Com o combustível já na reserva em virtude de um sutil deslize de minha parte, me vi obrigado a ordenar o desligamento do ar condicionado sob pena de o carro pifar no território dos felinos. Basta. Alegamos emergência e, diante do cervo-dama, tomamos um atalho que nos levou a um espelho d’água com um par de narinas que supusemos ser do hipopótamo. Nos despedimos de um lobo em prostração pós-almoço, enchemos o tanque e terminamos a jornada pandêmica da única maneira possível. No drive-thru do McDonalds, afogamos os contratempos com um combo de McChicken, uma caixinha de nuggets e dois McLanches, as únicas coisas felizes àquela altura da tarde. Isso, é claro, até a chegada dos brindes. Batizados pelas meninas de Bananinha e Miau, seguiram resignados conosco de volta para casa.