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Café com Dona Jacira

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Perca peso agora, pergunte-me como

Victor Balde
Imagem: Victor Balde

12/02/2023 06h00

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Vou direto ao assunto,
Já que o negócio vira, gira e volta para o mesmo lugar.
Já que há bem pouco a ser criado e o futuro é mesmo ancestral.

Já que a ancestralidade está nas bocas e distante das ações que protejam quem está mais perto de ser.
Chamando viventes de ancestral, fazendo da gente alma, antes da gente ter sido.
É um jeito de invisibilizar.

E antes de iniciar dou um aviso:
Devemos pensar no mundo que queremos no futuro que eu nem estarei pra dizer.
Porque entre o diverso necessário, envelhecer é um bem, é uma possibilidade.
É para os privilegiados.

Já emagrecer é muito difícil, eu diria impossível.
Mas chegou o dia, e ele sempre chega.

Em 2020 tive uma suspeita de trombose no membro inferior direito após uso de um aparelho indicado por um ortopedista, uma joelheira.

Usei por 30 minutos e tive um grande problema.
Eu tinha uma viagem pra fazer no dia seguinte e tive que fazer uma consulta urgente em um médico vascular.

É perigoso pegar voo com suspeita de trombose.
A própria trombose muda o ritmo de vida da gente.

A médica me disse: "Não é trombose, mas você está acima do peso"
Precisa perder pelo menos 20Kg.

Mantive um peso de 60kg até fazer uso de corticoide pra tratar uma micose que peguei numa piscina.
melhorou a micose?
Não.
Mas perdi a unha, infectou as outras e ganhei peso.

- E agora como perdê-los? Como?
- Você gosta de exercício?
- Não.
- Comece com caminhada é tiro e queda, uns 40 minutos diários, inicie pela manhã, coma algo saudável, vista-se confortavelmente e vá caminhar.

Eu já saí dali com certeza que eu não iria colaborar.
Eu fui e creia-me, nunca fiz nada pior.
Era um desprazer sempre.

Eu amo ler, escrever e cuidar de plantas, criar, cantar, mas fazer exercício não.

Eu tive que comprar sapatos especiais, roupas destas coladas ao corpo que não tenho hábito de usar porque sempre é sintética.
Esquenta no verão e esfria no inverno, e muitas delas tem um cheiro horrível, algumas feitas de garrafas pet, é plástico, sufoca e dá mau cheiro.

Tem mais.
Levantei-me de madrugada por muitos anos da minha vida.
Levantar mais tarde hoje é um carinho que me dou.

Todavia, eu me propus a fazer a caminhada, por mim.
Na verdade, eu ainda acalentava o sonho de usar roupas de quando eu era mais jovem, tinha mais habilidade, menos emprego e menos capital.

Ah! Tinha 60kg.
Primeiro dia de caminhada,
Eu poderia andar pelas ruas do bairro.
Mas resolvi caminhar pelo trecho abandonado do RodoAnel do bairro.

Pense numa andança sem progresso, sem alegria, sem futuro pra mim.

Fui e voltei o mesmo trecho por não sei quantas vezes.
Encontrei gente que não via há muito tempo andando ali.
Casais e grupos caminhavam conversando de lá pra cá.

Eu aproveitei pra ir até a boca do túnel do RodoAnel pra ver se ele era mesmo uma realidade.
Que diziam já estar por ali, era verdade.
Ao mesmo tempo andando por ali eu encontrei lugares de plantação.
Várias roças de lado a lado com muita verdura e pequenos animais de corte suíno e aves.

Quanta saudade me deu esta visão.
Mas isso não me deixou contente com o caminhar pra nada.

No segundo dia levei o celular e passei a fazer registros.
Ainda na pista encontrei pés de feijão guandu carregados de bagens no ponto de colher.
Eu colhi e fotografei.
Alguém de passagem ali me disse:
"Não traga celular pra cá é perigoso" e saiu caminhando.

Caramba, eu havia encontrado uma possibilidade de inclusive gostar de caminhar.
Pra nada.

Voltei pra casa e fiz a primeira avaliação severa e sincera.
Por que eu tenho que caminhar?
Porque precisas perder peso. Respondi.
Mas fazer o que não gosto, vai me ajudar?
Você já sabe que não, respondeu minha voz interior que não mente.
Mas eu preciso!
Crie outra forma.

Ainda fui mais uma vez e parei pra repensar a aventura.
O caso é que não gosto de exercício, nem de academia, nem de caminhada, mas de circo eu gosto.

Anos atrás me matriculei no circo aqui na fábrica de cultura do Jaçanã na Jova Rural e fiz tecido, eu amei.

Sabes o que é tecido?
Algo muito bacana.
Mas agora era isolamento e a fábrica estava fechada, aliás todos os lugares estavam.

Decidi fazer uns ajustes na minha alimentação e aumentar os canteiros.
Se eu puder caminhar dentro do meu quintal eu o farei do jeito que gosto, de cima pra baixo, fazendo registros inclusive.
Feito!
Assim surgiu o canteiro sol pleno e uma grande vontade de ter saúde pra fazer o que gosto, onde gosto de estar.

Em 2020 não perdi nada, mas também não ganhei.
Revi tudo o que já estudei sobre alimentação saudável.
Entrei pra o grupo online de fermentação com um pessoal lá da Turquia.
Tirei da prateleira Michael Pollan e Sandor Ellix Katz.

A fermentação fez com que eu criasse uma linha de bebidas pra mim a base de capim santo, limão e gengibre.
Trouxeram gosto e sabor.
Substituíram o refrigerante comercial.
Aumentei o consumo de flores e passei a colher e secar minhas folhas.

Foi daí que veio a sugestão pra fazer meu próprio escalda pés.
Pra quem já fazia defumação, chá, xarope há tanto tempo, foi um salto.

Não perdi peso, mas trouxe um nicho pra casa.
Veio a sugestão:
"Se você semeou, cuidou, viu florescer e colheu quem em primeiro lugar deve usá-lo senão você.
E os que mais gostam".

As pesquisas sobre caminhos saudáveis são repletas de gente com um viver saudável, gente bacana.
Entre milagreiros, picaretas e oportunistas de ocasião.
Perdurarão?
Claro que não, passarão assim que a moda passar.

Ao final de dois anos escrevendo sobre o assunto e observando sem sair de São Paulo, de casa, do quintal
Percebi que com minha nova iniciativa não perdi nem um grama.

Primeiro porque não sei perder mesmo, sou capricorniana, terrena, gosto de juros e investimentos, perder jamais.
Mas também não ganhei nenhum grama.
Ainda criamos, eu e dois amigos, um programa online, o Um Bocado de Prosa.
Que ia ao ar toda quarta-feira.
Depois perdi o medo de opinar e criei a interação online Ciclos.
Não por acaso, mas por pura contemplação, porque não podendo sair eu saia pela escrita e encontrava pessoas na rede e fazíamos a viagem.

Verificava as estações do ano e as passagens do zodíaco unido aos dias de todos os orixás.
Eu circulei quilômetros e quilômetros andando em mandalas de mulher negra menopauseada que criei pra mim.
Dia após dia, só registrando-me.

As estações estão todas aí escondidas entre os elementos, elas se omitem para ajudar a gente porque se ela aparece alguém mata ela.
No meu curso o que mais ouço é:
"Caso eu plante uma planta, virá algum inseto?"
Claro.
"Posso ter aqui uma lata de veneno pra matar o bicho, odeio insetos!"
Não!

Outra pergunta:
"Moro em apartamento, posso fazer uma horta?"
Se tiver sol em alguma hora do dia, sim.
Dá pra fazer uma horta de consumo rápido.
E vai ter insetos, pragas?

Pra enriquecer a resposta resolvi fazer um curso de botânica.
Eu achei a resposta adequada.

A planta nasce, cresce, cria caule, folhas, e quando adulta se prepara pra enflorescer.
Antes da flor sair a planta cria uma defesa.
E um chamado.

O chamado é um cheiro característico de cada planta é ele que atrairá o inseto pra polinização.
E o fará desabrochar
É o fazer nascer o há de vir.

Pra sua defesa, cada planta tem um sistema pra afastar invasores.
Um destes invasores somos nós que usamos o óleo essencial que pode estar na raiz, no tronco, nas folhas, flores ou frutos.

Serei eu um inseto?

Passaram-se 2020, 2021, 2022.
A balança me fez ver que voltei a ganhar peso.
E agora ganhei 4kg.
Pedi ajuda a uma nutricionista e uma instrutora de educação física.
E refiz a mandala que criei pra mim.

2023 vida que segue.
Muito embora eu tenha buscado autores que falam sobre alimentação com muito respeito.
Eles me fizeram voltar pra lugares mais próximos como o quintal de minha mãe, as trilhas dentro da Serra da Cantareira, a feira de domingo da minha região e o MST junto com a escola criada por aqui.

Eu sempre volto para o mesmo lugar.
Quintal, lugar onde aprendi a associar alimento, política e bem viver.
Através da aliança da cultura e história.
Michael Pollan diz:
"Podemos comer de tudo, pois somos onívoros"
Todavia posso, mas nem tudo me convém.

Sandor diz:
"Precisamos fazer um movimento revivalista pela comida de verdade"
A comida é muito mais que uma mera fonte de nutrição e incorpora uma complexa rede de relações, ela constitui uma parcela enorme do contexto no qual existimos. Resgatar a nossa comida implica um envolvimento ativo nessa rede"

E foi assim que retomei cadernos antigos de educação em agroecologia vindos do próprio MST da minha região.
O bom instrutor sempre há de nos conduzir a caminhos da nossa própria terra.
Foi ali que alguém me disse quando eu era ninguém:
"Estude, o conhecimento é sabedoria de verdade
Você ainda não sabe o valor que tem"
O dom é divino, mas é preciso aperfeiçoá-lo pra não fazer mau uso.
Quem precisa andar longe pra se alimentar tem um deserto entre si e a comida de verdade, disse alguém.
Alguém me perguntou:
"Você sabe de onde vem o que você come?"

A cartilha não me trata como aluno
Ela me respeita e respeita o que já sei.
Refiz a mandala e recomecei o ano pensando em encontrar um circo que me acolha pra trazer movimentos que gosto.
Já aprendi sobre tanta coisa nestes quase muitos anos.
Nem tudo o que tem o triângulo reciclável o é.
Nem tudo o que é aprovado pelo governo é bom pra mim.
A menopausa traz acúmulo de massa e o intestino precisa entrar na conversa.
Enfim, volto às pranchetas iniciais.
Com 4kg a mais voltei a consulta e a médica me disse:
- Venha a minha igreja conhecer Jesus talvez ponha leveza a tua vida.
- Mulher me respeite, paguei R$700,00 pela consulta pra você me catequizar. Você nem queira saber quantas bolhas Exu me ajudou furar pra ter essa grana. Respeito sua fé, mas ela é sua. Eu não quero seu milagre, quero solução.
E ainda é só fevereiro.