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Por que Toyota, Ford e outras montadoras fugiram do ABC Paulista

Fechada em 2019, fábrica da Ford é desmontada em São Bernardo do Campo (SP); espaço dará lugar a centro de logística Imagem: André Paixão/Primeira Marcha

Alessandro Reis

Do UOL, em São Paulo (SP)

11/04/2022 04h00Atualizada em 12/04/2022 15h41

Formado por sete municípios da Região Metropolitana de São Paulo, o ABC é considerado o berço da indústria automotiva brasileira e chegou a abrigar quase a totalidade das fábricas de veículos instaladas no País entre as décadas de 1950 e 1970.

Contudo, já faz tempo que o ABC já não tem a mesma relevância. Ao longo das últimas décadas, montadoras têm direcionado investimentos para outras localidades do Brasil e algumas, inclusive, decidiram fechar as fábricas que mantinham no histórico polo industrial paulista.

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Neste mês, a Toyota anunciou o fechamento da sua fábrica em São Bernardo do Campo, uma das principais cidades do ABC, ao lado de Santo André e São Caetano do Sul. Inaugurada há 60 anos, a linha de produção era a primeira aberta pela marca oriental fora do território japonês. Além disso, em 2019 a Ford fechou sua fábrica no mesmo município, cujo terreno foi vendido e dará lugar a um centro de logística - após ter a aquisição descartada por montadoras.

UOL Carros consultou especialistas para explicar os motivos dessa "fuga" do ABC - com a ressalva de que a região segue com fábricas de importantes montadoras, como General Motors, Mercedes-Benz, Scania e Volkswagen, que recentemente anunciaram investimentos bilionários para modernizar e ampliar a produção das respectivas unidades ali instaladas.

Fábricas defasadas e deficitárias

Inaugurada há 60 anos, fábrica da Toyota em São Bernardo vai encerrar atividades no fim do ano que vem Imagem: Divulgação

Especificamente em relação às fábricas de Toyota e Ford, ouvimos que ambas tiveram o fechamento decretado por estarem defasadas tecnologicamente e não compensarem aporte de novos recursos para sua atualização.

No caso da Toyota, a empresa decidiu transferir as atividades de São Bernardo para suas linhas mais recentes em Indaiatuba, Porto Feliz e Sorocaba, no interior paulista, com a justificativa de buscar mais "sinergia" e competitividade no mercado local. A unidade do ABC não produz veículos desde 2001, quando o Bandeirante saiu de linha, e hoje fabrica peças de motores. A previsão é de que feche definitivamente as portas no ano que vem.

Já o adeus da fábrica da Ford em São Bernardo do Campo precedeu o fim das atividades em Taubaté (SP) e Camaçari (BA), no ano passado, quando a Oval Azul encerrou suas operações de manufatura em solo brasileiro.

"Considero que, na visão da Toyota, o investimento para modernizar São Bernardo seria muito grande, levando em conta que a marca detém fábricas mais modernas e eficientes, nas quais já tem investido", avalia Flavio Padovan, sócio da consultoria MRD Consulting e ex-executivo de montadoras como Ford, Volkswagen e Jaguar Land Rover.

Em relação à Ford, Padovan entende que o fechamento já fazia parte dos planos de encerrar a produção no País.

"Ainda assim, não dá para ignorar que a unidade do ABC era ineficiente e antiga, representava um custo morto, sem trazer benefício".

Guerra fiscal pulveriza investimentos

Fabrica da Renault em São José dos Pinhais (PR); não é de ontem que montadoras têm preferido outras regiões Imagem: Divulgação

Segundo o consultor, não é coincidência o fato de as linhas de Toyota e Ford serem as mais defasadas das duas companhias. que, atraídas por vantagens tributárias e imobiliárias, já direcionavam os gastos para fora daquela região.

"Assim como Detroit, nos EUA, o ABC foi o primeiro polo automotivo do seu país. Só que, ao longo dos anos, outros Estados e cidades iniciaram uma guerra fiscal e melhoraram a respectiva infraestrutura, enquanto as regiões pioneiras ficaram obsoletas para novos investimentos, que passaram a ficar restritos a companhias já ali consolidadas".

Desde os anos 1990, montadoras que ainda não produziam no Brasil preferiram se instalar fora do ABC Paulista, enquanto marcas já instaladas aqui também decidiram erguer novas fábricas em outros locais.

Toyota e Honda foram para o interior de São Paulo; Renault e Volkswagen construíram linhas em São José dos Pinhais (PR); Ford investiu em Camaçari (BA); General Motors escolheu Gravataí (RS) para fazer o Chevrolet Onix; Nissan e Peugeot/Citroën selecionaram respectivamente, Resende e Porto Real. no Rio de Janeiro; Jeep elegeu Goiana (PE); e muito antes, lá nos anos 1970, Fiat preferiu Betim (MG) para dar início à sua atividade industrial no Brasil.

O também consultor Ricardo Bacellar, sócio fundador da Bacellar Advisory Boards e conselheiro da SAE Brasil, avalia que os municípios do ABC ainda reúnem localização estratégica e excelente malha rodoviária para atraírem novos aportes de montadoras.

Contudo, na ponta do lápis, têm perdido para a concorrência.

"Por conta da exigência cada vez maior de investimentos para a produção de veículos mais seguros e eficientes, associada a um momento de baixas vendas e falta de componentes, as montadoras têm sido pressionadas como nunca a buscar o melhor custo-benefício na hora de investir", afirma Bacellar.

Dentro desse cenário, diz o especialista, os incentivos fiscais têm sido o principal atrativo, sobretudo na hora de defnir o local para a fabricação de novos produtos.

"As vantagens fiscais têm sido tão importantes que a Jeep preferiu erguer do zero todo um polo automotivo em Pernambuco, incluindo a cadeia de fornecedores. O órgão mais sensível é sempre o bolso e nesse caso não foi diferente."

Sindicato afugenta montadora?

O ABC Paulista também é o berço do sindicalismo no Brasil e até hoje tem entidades atuantes - dentre elas, a mais emblemática é o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que atualmente faz campanha contra o fechamento da fábrica da Toyota em São Bernardo do Campo.

Trabalhadores mobilizados e com representatividade forte teriam motivado o afastamento de montadoras da região?

Para Ricardo Bacellar, o poder de negociação dos sindicatos lá instalados já foi "muito grande" na época em que o ABC reunia quase todas as fabricantes de veículos do País.

"De fato, a questão sindical pode influenciar na decisão de onde construir uma fábrica. Porém, a mobilização de funcionários sindicalizados não é exclusividade do ABC e acontece em outras cidades. Acredito que esse critério faça mais sentido em locais ainda sem indústria instalada", opina.

Por sua vez, Flavio Padovan diz que sindicato "pesa" na hora de uma empresa decidir onde gastar seu dinheiro, mas não é um fator decisivo.

"É natural que o sindicato exerça o direito de lutar por sua categoria. Ao longo do tempo, à medida que determinada região vai se desenvolvendo, os trabalhadores inevitavelmente vão se organizando".

Procuramos o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC para se manifestar sobre a influência da entidade sobre a migração de investimentos para fora da região. A entidade se manifestou por meio de nota, que fala especificamente da fábrica da Toyota.

"O Sindicato tem pautado políticas públicas que promovam o crescimento do setor industrial e garantam que as fábricas existentes possam se manter e até receber investimento, porém nem o governo do Estado nem o governo federal têm se movimentado em defesa da indústria. Isso é falta de uma política industrial. O Brasil necessita urgentemente de uma política industrial para que o setor possa voltar a gerar empregos. O ABC é mais um reflexo disso".

'Fechamento não é problema local', diz prefeito de SBC

Fábrica da Ford em São Bernardo do Campo é desmobilizada; nenhuma montadora quis comprar instalações Imagem: André Paixão/Primeira Marcha

Segundo Orlando Morando (PSDB), prefeito de São Bernardo do Campo, o fechamento das fábricas da Toyota e da Ford e o direcionamento do investimento das montadoras para outras cidades e Estados não têm relação com sua gestão.

"O problema é a falta de uma política pública de parte do governo federal para a geração e a manutenção de empregos, o que inclui a necessidade de reforma tributária. Da forma como está, o município fica engessado na sua capacidade de agir", opina.

Especificamente em relação à instalação de fábricas de montadoras no interior paulista, Morando destaca que, desde a década de 1950, o valor dos terrenos e também o custo de vida nas cidades do ABC explodiram.

"Hoje, o valor do metro quadrado na Região Metropolitana de São Paulo é infinitamente superior na comparação com o interior. Não há condição de doar terreno para montadoras", pontua o prefeito.

Ele acrescenta que, assim como no caso da Ford, sua gestão trabalha para que o terreno da Toyota seja vendido para "gerar empregos" e não para empreendimento residencial que gere "especulação imobiliária".

Morando finaliza, informando as iniciativas que sua gestão adotou para atrair projetos industriais de montadoras ou de outros setores: IPTU congelado e com desconto condicionado à geração de empregos; ISS fixado em 2%; e extinção da taxa de incêndio.

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