Topo

CarnaUOL

'Se for cheirar, não confunda': como é a ação contra 'bad trip' em festas

Grupos que já atuam com redução de danos criam estratégias para o Carnaval - Rubens Cavallari/Folhapress
Grupos que já atuam com redução de danos criam estratégias para o Carnaval Imagem: Rubens Cavallari/Folhapress

Camila Corsini

Do UOL, em São Paulo

17/02/2023 14h28Atualizada em 24/02/2023 14h41

"Se for cheirar, cuidado para não confundir com cocaína", diz uma cartilha que explica os riscos de usar uma outra droga perigosa e ainda mais potente.

A frase pode causar estranheza em um primeiro momento, mas é uma das estratégias com evidências científicas para a redução de danos entre pessoas que usam drogas.

A ideia é evitar que pessoas que já usam drogas lícitas ou ilícitas — e provavelmente não vão mudar de ideia — tenham problemas irreversíveis, overdose e causem danos maiores a elas próprias ou a outras pessoas.

A cartilha foi elaborada pelo Centro de Convivência É de Lei — uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos que atua há mais de 25 anos.

O grupo estreia nas festas de rua do pós-Carnaval com a missão de evitar combinações perigosas durante o fim de semana de folia em São Paulo.

A gente oferta cuidado. Levamos informações, insumos para uso das substâncias, falamos sobre os prejuízos de cada uma delas, melhor forma de usar e dosagem
Matuzza Sankofa, coordenadora geral da ação de Carnaval e do Centro de Convivência É de Lei

Cerca de cem "redutores de danos", como são chamados os voluntários, vão oferecer água, informação e cuidado na ação "Brisas de Carnaval - Apologia ao Cuidado na Folia".

Pontos fixos e itinerantes

Os voluntários atuarão na concentração do bloco Cecílias e Buarques, na região central de São Paulo, que desfila neste sábado.

Serão dois pontos de estandes informativos. Também haverá ação itinerante: eles acompanham o trajeto do trio elétrico e fazem intervenções.

Nada neste trabalho é apologia. É a oferta de possibilidade de fazer um uso um pouco mais responsável e cuidadoso. Quanto mais informação você tem, menos prejudicial se torna o uso da substância. A intenção é levar informação e fazer com que cada um se conscientize e repense
Matuzza Sankofa

O trabalho é realizado em parceria com outra organização da sociedade civil, a Iniciativa Negra, e com o bloco.

Em Olinda (PE), também houve uma ação semelhante durante o carnaval, encabeçada por outro grupo: uma casa de redução de danos ficou aberta para "cuidar da onda" de foliões.

Equipes distribuíram kits nos focos da folia pernambucana. O trabalho chegou a ser denunciado à polícia como apologia, segundo os organizadores.

No último Carnaval de rua, em 2020, a casa em Olinda disponibilizou protetor solar, canudos, soro e outros insumos para um consumo mais seguro de drogas por pessoas que já são usuárias.

Álcool - Diego Padgurschi /UOL - Diego Padgurschi /UOL
Ação também é voltada para evitar o uso abusivo de álcool ou misturas perigosas
Imagem: Diego Padgurschi /UOL

Nas festas e na rua

A ação de redução de danos já é feita pelo É de Lei em festas na cidade de São Paulo há anos — em um programa batizado de ResPire.

Eles oferecem espaço para acolhimento de "bad trips" (quando a droga não cai bem e a pessoa passa mal, tanto de forma física quanto psicológica) e distribuição de água — uma das ações mais importantes de redução de danos.

Nas festas, para pessoas que usam cocaína inalada, é distribuído o kit sniff, com instruções para reduzir o risco de hepatite C.

O Centro de Convivência É de Lei também atua há anos nas ruas: eles têm dois espaços — um na Sé e outro na Luz, no centro de São Paulo — onde recebem pessoas, fazem encaminhamentos e dão insumos para tornar o uso das substâncias — que já ocorre — menos nocivo.

Quando você dá uma piteira de silicone para usar crack, evita que compartilhem o mesmo cachimbo e contraiam hepatite, sífilis e outras ISTs [Infecções Sexualmente Transmissíveis] que dão um custo muito maior para o Estado
Matuza Sankoffa

Tabus

A estratégia de redução de danos ainda é envolta em tabus e polêmicas — apesar de ser vista como uma forma eficaz de combater a dependência química por parte de especialistas na área.

Em 2019, ela deixou de ser uma diretriz na política do governo de Jair Bolsonaro, que colocou ênfase na abstinência e internação compulsória como formas de controlar o problema. A redução de danos, no entanto, ainda é prevista em uma lei de 2006, a Lei das Drogas.

No ano passado, uma publicação com dicas de redução de danos feita por estudantes de direito da USP foi atacada por apoiadores de Bolsonaro.

Damares Alves, ex-ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos do governo Bolsonaro, também acusou a gestão passada de Lula (PT) de "motivar" adolescentes e jovens a usar drogas — ela tirou de contexto uma cartilha do tipo, voltada a usuários.

No exterior

Estratégias de redução de danos não são exclusividade do Brasil. Países como Canadá, Alemanha, Suíça, Austrália, Estados Unidos, Holanda, Espanha, Portugal e França também têm ações semelhantes. Há espaços de uso seguro de drogas, para evitar mortes por overdose e estratégias de conexão com serviços de desintoxicação.

CarnaUOL