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Afastar-se ou dar gelo é a melhor solução para um desentendimento? Entenda

Dar um gelo nas redes sociais é a solução que algumas pessoas encontram para conflitos Imagem: iStock

Dan Novachi

Colaboração para o VivaBem

08/06/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Dar um gelo, ou afastar-se deliberadamente de alguém pode não ser a melhor estratégia para a resolução de um conflito ou desentendimento
  • Comunicar os seus sentimentos ou comportamentos que te desagradam é fundamental para a manutenção de uma relação saudável qualquer que seja o vínculo
  • Para retomar o diálogo é importante buscar um momento favorável para as duas partes e observar se o período foi suficiente para impulsionar mudanças

Estratégia comum após longas discussões ou mesmo quando a relação não anda bem, dar um gelo em um amigo, familiar ou parceiro pode ser uma maneira de ganhar tempo e lidar com um sentimento incômodo ou mesmo esperar a situação se acalmar para retomar o diálogo. Como ilustra a própria expressão que o descreve, esse comportamento consiste em interromper o diálogo e evitar o contato físico durante um determinado período de tempo, de maneira pontual, geralmente buscando que o outro reavalie os comportamentos que tenham desagradado.

"Dentro de um relacionamento, esse afastamento, que pode ser praticado por uma das partes ou ambas, consiste em ignorar o outro, não retornando ligações, mensagens, cancelando encontros e se afastando fisicamente e emocionalmente", define Cláudia Regina Ribeiro, psicóloga clínica do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo).

Ainda segundo Ribeiro, isso normalmente acontece quando existem problemas no relacionamento ou a relação ainda não está muito bem estabelecida. "Falta segurança na comunicação e existe pouca proximidade", esclarece.

No entanto, ignorar alguém, mesmo que pontualmente, independentemente do grau de relação estabelecido, pode não ser a melhor estratégia a ser tomada, além de não contribuir para a resolução do conflito ou da questão que gerou a necessidade de afastamento. "A depender do contexto, este pode ser considerado um modelo de comunicação passivo-agressivo, uma vez que as pessoas utilizam dessa ferramenta como uma forma de se manter no controle da relação", pondera Ilíada Alves, preceptora da Residência em Psiquiatria do Hospital das Clínicas Dr. Ramadês Nardini e membro do Ambulim (Ambulatório de Transtornos Alimentares) do IPq (Instituto de Psiquiatria) o HC-FMUSP.

Ao diminuir a comunicação com o outro, o distanciamento aumenta e narrativas próprias que também podem ser criadas internamente por quem decidiu pela interrupção dos contatos. "As ideias e pensamentos construídos para justificar esse distanciamento e a falta de informações sobre os motivos reais são geralmente piores do que a realidade, e acabam deixando em aberto fantasias, suspeitas e inseguranças no relacionamento" salienta Ribeiro. Para ela, o excesso de silêncio e distância também pode dificultar o encontro de soluções e mesmo mudanças de comportamento e atitude.

Dar ao outro a possibilidade de vivenciar sua falta

Outra situação comum, relatada como justificativa ao afastamento deliberado de alguém, é a dificuldade em ser ouvido. Às vezes, os conflitos ganham proporções maiores porque não existe um processo de escuta e de entendimento do outro. Para Mônica Soutello, psicóloga clínica especializada pela USP (Universidade de São Paulo) e diretora da Clínica Miosótis, o afastamento também pode produzir outros efeitos, como fazer com que o outro se perceba autor de determinadas atitudes que machucam e prejudicam a relação. "Existem situações em que este afastamento se faz necessário pelo fato do relacionamento ter se tornado abusivo", afirma.

Muitas vezes, existe uma tentativa reiterada de diálogo por uma das partes que não surte efeito, com o aumento dessa frequência. "Nesse sentido, o afastamento surge como possibilidade de demonstrar de outra maneira que algo não está bem, já que por meio do diálogo isso não foi possível", orienta a especialista.

Nesse caso, um afastamento pontual pode ajudar o indivíduo a analisar a situação de outra forma, observando e reconhecendo seus próprios limites antes de definir a forma mais adequada de conduzir a situação conflituosa. A manutenção de relacionamentos, independentemente de sua natureza, também é condicionada a determinados atributos que precisam ser adquiridos. "As habilidades importantes para a condução efetiva de um relacionamento incluem evitar que as mágoas se acumulem, resolver os conflitos e restaurar ou terminar o relacionamento se necessário", diz Alves.

É preciso comunicar o afastamento?

Para Cláudia Regina Ribeiro, a comunicação dessa necessidade pessoal de afastamento deve observar o vínculo estabelecido. Com alguém com quem se tem pouca intimidade e cuja relação acaba de iniciar não necessitaria, portanto, ser comunicado. "Se considerar importante ou não se sentir bem, é possível explicar o motivo do afastamento, desde que com tranquilidade e respeito", ressalta.

A questão muda de tom quando os relacionamentos são mais densos, mais longos e com contato frequente. "Em um relacionamento assim, é importante comunicar ao outro a necessidade desse tempo e explicar os motivos até mesmo em respeito ao que viveram juntos e a sua expectativa com o afastamento", explica a psicóloga.

Em alguns casos, a ausência de comunicação do afastamento, utilizada como ferramenta para evitar conflitos, pode conter uma hostilidade disfarçada. Nesse caso, vale refletir sobre a importância de demonstrar empatia enquanto expressa o que sente ou durante o período de afastamento.

Entretanto, diante de uma tentativa de diálogo sem sucesso, o afastamento não comunicado pode ser uma ferramenta para impulsionar novas percepções. "Diante de uma comunicação falha, devemos nos perguntar se o problema é da boca ou do ouvido", afirma Mônica Soutello. "Se for do ouvido, não adianta quantas vezes tentemos, o problema não se resolverá pois não há disponibilidade para escutar", acredita a especialista.

Assim, o afastamento seria usado como uma forma de comunicar que algo mudou naquela relação, tanto para quem se afastou quanto para quem está afastado.

Quais os limites do "gelo"?

A sobrecarga emocional e a indecisão sobre o que realmente se deseja na relação também podem atrapalhar a capacidade de conduzir as situações conflituosas de modo efetivo. "Se distanciar pontualmente pode ajudar a lidar com o esgotamento emocional e pensar nas possibilidades de resolver um problema", aponta Alves.

Ao manter uma distância do que está sendo vivido, temos oportunidade de enxergar melhor o que sentimos. Assim, conseguimos avaliar de forma mais sensata os prós e os contras da relação. Outro benefício é que o afastamento evita mágoas desnecessárias, colocando limites. "É como se mostrássemos até onde o outro pode ir ou não", complementa Soutello.

Dividir a mesma casa, trabalhar ou estudar no mesmo ambiente não necessariamente estabelecem algum vínculo — e, além do mais, o afastamento é psíquico, não físico. Mas valem criar algumas regras — ou acordos de convivência — para que esse distanciamento não seja sentido ou interfira em outras relações em comum, criando situações constrangedoras.

No caso de relacionamentos muito conflituosos, desrespeitoso ou agressivos, o afastamento radical e até o rompimento definitivos devem ser considerados. Em relacionamentos destrutivos, por exemplo, permanecer muito tempo nesse tipo de relação pode se tornar algo muito problemático. "Dessa forma, o rompimento da relação somado aos investimentos nas outras esferas da vida pode ajudar a preservar o respeito por si, além de trazer benefícios à saúde mental", pondera Alves.

Como saber que chegou a hora de uma reaproximação e de retomar o diálogo?

A decisão pela retomada do diálogo deve seguir um momento que seja favorável para ambas as partes. "A partir do momento em que que você perceber que conseguiu analisar a situação de forma clara e definir um objetivo para ela, esse é o momento", reflete Alves.

É importante também observar se os comportamentos que geraram a necessidade de afastamento podem de fato mudar, e se houve algum ganho de maturidade que permita reiniciar a comunicação, ressignificando os problemas e as dores do passado.

Para retomar o diálogo, Ribeiro sugere iniciar uma conversa natural, demonstrando interesse no outro, incluindo-o nas atividades e eventos, informando sobre as novidades, seus aprendizados, curiosidades e principalmente os interesses em comum e recordações de momentos bons. Vale também compartilhar aspectos pessoais para que o outro descubra o que é realmente importante para você e as suas necessidades.

A retomada do relacionamento de maneira saudável também precisa considerar investimento nas habilidades de comunicação de ambas as partes, exercitando a escuta empática e a flexibilidade, validando o sentimento do outro e cultivando ações de afeto e cuidado.

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