"Já colei fita adesiva nos dedos para não conseguir arrancar meus cabelos"
Bárbara Therrie
Colaboração para o VivaBem
06/02/2018 04h15
“Já colei fita adesiva nos dedos, usei luvas, coloquei lenço na cabeça, peruca, fiz trancinhas, mas nada disso funciona. Só que meu problema não era a mão mas, sim, a mente”, conta Silvia Kineippe, 37, diagnosticada com tricotilomania, doença que faz a pessoa sentir prazer em arrancar os próprios cabelos.
“Ao arrancar os cabelos, sinto um alívio e relaxamento. Depois, bate aquele arrependimento, um misto de raiva e frustração por ter perdido o controle. A sensação de ser seu próprio algoz é muito desapontador.”
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O que é tricotilomania?
A doença que atinge Silvia é caracterizada pelo comportamento recorrente de arrancar os cabelos ou os pelos do corpo. Existe uma preferência por fios com texturas ou qualidades diferentes que, normalmente, são arrancados um a um. Há pacientes que também arrancam os cabelos de parentes, de pessoas próximas e até de animais de estimação.
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Embora não exista uma causa específica, depressão e ansiedade são frequentemente associadas ao transtorno. Vários fatores podem desencadear os episódios: tristeza, angústia, vergonha, insatisfação com o corpo, fim de um relacionamento e até situações como ter que falar em público, entre outros.
Os portadores arrancam os pelos com os dedos, mas também utilizam objetos pontiagudos, como pinças, agulhas e palito de dentes. Essa manipulação excessiva pode gerar infecções e cicatrizes na pele, além de resultar em perda capilar.
Normalmente, os pacientes tentam esconder as falhas de diversas formas, mas às vezes a área afetada é tão grande que se torna difícil disfarçar e eles preferem não sair de casa. É uma condição que causa sofrimento e prejudica o funcionamento social, no trabalho e em importantes áreas da vida.
“Já fiquei mais de 5 horas arrancando cabelo”
Algumas pessoas costumam ter as crises quando estão distraídas, lendo um livro ou no celular, por exemplo. Já outros têm total consciência de sua ação. “Eu imagino e planejo todo o processo, já cheguei a ficar mais de 5 horas arrancando os cabelos”, conta Silvia.
Hoje em dia, estou careca e só uso aplique para sair. Meu marido me apoia e diz que me ama de qualquer jeito.
Silva foi acometida pelo transtorno aos 6 anos de idade, mas só foi diagnosticada aos 15. Desde 2012, ela mantém o blog e o vlog “Dona Endorfina”, onde compartilha sua luta e experiência contra a doença.
Diagnóstico
Estudos indicam que a tricotilomania se inicia na adolescência, mas também pode atingir outras faixas etárias. Quando aparece na infância, ela representa uma forma relativamente benigna e de fácil resolução. Ao se manifestar tardiamente, sua condição torna-se mais grave e resistente a tratamentos. O transtorno atinge de 1% a 2% da população geral, e afeta majoritariamente as mulheres adultas, cerca de 93%.
O diagnóstico é feito com base em cinco critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5): arrancar o cabelo ou pelo de forma recorrente, ocasionando a perda capilar; tentar repetidas vezes parar com o comportamento; sofrer e ter prejuízos na vida devido à compulsão; descartar outra condição médica ou dermatológica que justifique a perda dos fios; arrancar o cabelo não é melhor explicado pelos sintomas de outro transtorno mental, como a tentativa de melhorar uma falha na aparência.
Tratamento da tricotilomania
A psicoterapia é o tratamento mais recomendado, embora o uso de medicamentos possa ser necessário em casos mais graves. O treinamento de reversão de hábito é um modelo bastante utilizado, que elimina hábitos enraizados e estabelece novos hábitos. Inicialmente, o treinamento é feito no consultório com um profissional e depois o indivíduo treina em casa.
Com o tratamento adequado, há a remissão dos sintomas e a pessoa é capaz de reconquistar a confiança. “Nesses 31 anos de tricotilomania, aprendi que quanto mais tempo perdemos tentando controlar a mão, mais anos passamos arrancando o cabelo. O que realmente precisamos é controlar nossa mente e sentimentos. Só assim teremos uma vida mais saudável”, afirma Silva.
Fontes: Cristiana Nicoli de Mattos, psiquiatra e pesquisadora do Programa Ambulatorial dos Transtornos do Impulso (PRO-AMITI) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP; Edson Luiz Toledo, psicólogo e coordenador do Programa para Tricotilomania do Programa Ambulatorial dos Transtornos do Impulso (PRO-AMITI) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP.