Mais mulheres na política

Deputada, que já disputou o cargo, quer adotar o recorte de gênero em cada política pública

Luiza Souto Universa

Nascida na favela da Praia do Pinto, no Leblon, comunidade incendiada na década de 1960, Benedita Sousa da Silva Sampaio mudou-se para o morro do Chapéu Mangueira, no Leme, ainda nos primeiros meses de vida. Filha de pai pedreiro e mãe lavadeira, numa família de 14 irmãos, ostenta uma série de ineditismos na carreira política. Foi a primeira mulher negra a chegar à Câmara dos Vereadores do Rio (1982), ao Senado (1994) e ao governo do Estado (2002- 2003), quando substituiu Anthony Garotinho (de quem era vice), que se afastou para concorrer à presidência.

Benedita, que já foi camelô e faxineira, formou-se auxiliar de enfermagem e também fez faculdade de serviço social. Na Câmara, foi uma das criadoras de uma CPI para investigar o extermínio de crianças e adolescentes no Brasil. E presidiu outra que investigou a esterilização em massa de mulheres no país.

Comandou o extinto Ministério da Assistência Social no governo Lula, em 2003, mas foi demitida após ser acusada de viajar à Argentina para um encontro religioso pago com verba pública. Só com as passagens aéreas, Benedita e uma assessora teriam gastado cerca de R$ 4.500. Em entrevista à Folha de S. Paulo na época, afirmou que a viagem foi um aproveitamento político: "Nunca vou deixar de viajar, pois a causa é nobre, é justa."

Evangélica da Assembleia de Deus, a deputada botafoguense já foi destaque na escola de samba Caprichosos de Pilares e até soltou a voz numa live com a cantora Teresa Cristina. A canção escolhida foi "Amendoim torradinho", para homenagear os 81 anos do marido, o ator Antônio Pitanga. "Antes de [Benedita] se casar com meu pai, a gente já era amiga. Com o passar dos anos, meu respeito só cresceu. A gente diverge em alguns assuntos, mas nunca deixamos de nos escutar", escreveu num post a atriz Camila Pitanga.

As candidatas à prefeitura do Rio firmaram compromisso de manter o respeito mútuo durante a corrida eleitoral, sem agressões. Por que escolheu fazer parte desse acordo?

O Brasil e o Rio de Janeiro estão sofrendo bastante com a tragédia do coronavírus e ainda temos pela frente os desafios pós-pandemia. A boa política aconselha que devemos priorizar o debate sobre as propostas para enfrentar os problemas e não nos perdermos em ataques eleitorais.

Por que esse acordo foi feito apenas entre as candidatas mulheres?

O ideal é que todos os candidatos e candidatas elevem o nível da campanha. Mas as mulheres, preocupadas com soluções, querem debater as propostas de forma respeitosa e afastar o ódio e o preconceito da política, como infelizmente tem virado prática no país.

Apoiaria qualquer outra candidata se ela chegasse ao segundo turno?

Com todo o meu respeito às demais candidatas, mas a sua pergunta me faz acreditar que essa candidata serei eu. Pois, quando entro numa campanha eleitoral, é de corpo e alma, para chegar até a vitória final.

Acredita que candidatas mulheres à prefeitura do Rio têm objetivos e entraves comuns, independentemente do partido em que atuam? Quais seriam?

Acho que vivemos um mundo mais avançado no tocante à luta das mulheres. Por isso, entendo que as mulheres na política, considerando suas posições divergentes, demonstram mais cuidado com a situação de desigualdade e de violência doméstica em que elas vivem, mesmo sendo maioria da população no mundo. Isso é uma constatação entre nós, e não apenas no Brasil.

Quais são suas principais propostas e o que pretende propor especificamente para melhorar a vida das mulheres?

As mulheres representam mais da metade da população, e a outra metade vem dessas mulheres. Ou seja, por causa disso, deveriam merecer uma atenção especial dos governantes, o que evidentemente não acontece. Como prefeita do Rio, com certeza, adotarei em cada política pública o recorte de gênero, sobretudo relativo à mulher negra, aquela que é a mais oprimida e discriminada, recebe menor salário, tem dupla jornada. Farei do combate ao racismo e à desigualdade com a mulher um compromisso fundamental do meu governo para reconstruir o Rio de Janeiro de forma mais solidária e socialmente justa com todos os moradores.

O fato de haver seis pré-candidatas mulheres é louvável, mas você não teme que isso possa acabar por pulverizar o voto das mulheres e acabar ajudando a eleger um homem?

Não se trata de uma guerra das mulheres contra os homens, mas de uma disputa eleitoral de todos os candidatos, a partir de posicionamento ideológicos e programáticos diferentes e até mesmo opostos. Lutamos muito para que as mulheres estejam na política. Faz bem para a democracia. Por outro lado, o papel do primeiro turno eleitoral é exatamente o de fazer manifestar tais divergências, que podem ou não convergir politicamente no segundo turno.

Como pretende colocar as contas da cidade em dia, caso seja eleita?

Todos sabem que a crise financeira não é um problema único do Rio de Janeiro, mas é igualmente um problema do país, dos estados e de todos os municípios, cuja causa maior é o enfrentamento da pandemia. Portanto, se faz necessário renegociar os contratos e a dívida, mas não seguirei a política de Paulo Guedes [ministro da Economia] de tirar do pobre para colocar no bolso dos ricos. Priorizarei a renda mínima, a inclusão social, a geração de emprego, os investimentos em saúde e educação. Ou seja, colocarei o povo no orçamento público do Rio de Janeiro, coisa que o [prefeito Marcelo] Crivella, seguindo [o presidente Jair] Bolsonaro, contribuiu para excluir ainda mais.

Como acredita que a crise do coronavírus pode vir a afetar um futuro governo seu?

A crise econômica e social provocada pela pandemia e pelo desgoverno de Bolsonaro já é uma realidade. O desemprego em massa e a quebradeira de pequenas e médias empresas, entregues à própria sorte pelo governo federal, já prenunciam a depressão que vai atingir todo o país, inclusive o Rio de Janeiro. Contra isso, potencializarei ao máximo o papel do governo municipal no estímulo da economia e na geração de emprego, na formação de parcerias público-privadas e parcerias internacionais, que farão aumentar a arrecadação e contribuir para melhorar o equilíbrio fiscal.

Vai ter carnaval em 2021?

Como principal evento da indústria do turismo, grande geradora de empregos e renda, seria muito bom para a reconstrução do Rio se fosse possível. Mas isso vai depender do quanto já teremos superado a ameaça do coronavírus. A última palavra será do comitê científico de alto nível que criarei logo no início de minha gestão.

Como pretende tirar a cidade do domínio das milícias?

Embora a questão da segurança pública seja preocupação de todos os entes da federação, a Constituição determina o poder de polícia para os estados e parcialmente para a União. No caso das milícias, os eventos políticos dos últimos tempos tornaram mais um problema nacional do que estadual. Mas a minha gestão vai garantir segurança social nas comunidades e o respeito ao ordenamento urbano. Para melhorar a segurança do cidadão, a prefeitura atuará em parceria com a segurança pública do estado, usando todos os recursos de inteligência que cabem à prefeitura municipal em proteção da população.

Como pretende diminuir os altos índices de violência contra a mulher?

A prefeitura dará todo apoio psicológico, social e material para as mulheres usarem a Lei Maria da Penha. O enfrentamento da violência doméstica será prioridade e criaremos, inclusive, casas-abrigo para garantir a integridade das mulheres agredidas, além do fortalecimento do conselho de mulheres e execução de programas de proteção.

A mulher que mais marcou a política carioca nos anos recentes foi a vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018. Você teme por sua segurança?

No Brasil atual, infelizmente, ninguém está livre de sofrer intolerância e até mesmo violência física, seja por defender a democracia, seja pela cor de sua pele, por morar em favela e periferia ou por ser mulher, especialmente se for uma mulher com opinião própria. Assim como Marielle, não temos que temer a verdade em defesa do povo. A forma ideal de uma pessoa que luta por democracia e contra o racismo se defender do ódio fascista é ampliando ainda mais essa luta e denunciando ainda mais a intolerância política e os crimes raciais.

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