"Se precisar ajudar, eu vou"

Modelo e também médica, Ana Claudia Michels se voluntaria no combate à Covid-19

Camila Brandalise De Universa Eduardo Anizelli/Folhapress

Ana Claudia Michels, 38, ocupou muito tempo a linha de frente das passarelas das marcas mais conhecidas do mundo. Estava acostumada ao glamour. Mas aquilo não era exatamente seu sonho. Trocou os vestidos pelo jaleco e, hoje, é voluntária para outra linha de frente: a do combate à Covid-19.

Ela ainda era uma estrela de desfiles e campanhas quando ouviu de seu terapeuta: "E aquele sonho de estudar medicina?" A vontade de se engendrar pela área da saúde vinha da infância. "Desde pequena falava que um dia ia ser médica. Quando tinha alguém doente, eu gostava de cuidar, fazer curativo, adorava ver machucado", conta, rindo.

Tinha 30 anos na época e, a princípio, resistiu à sugestão. "Tinha essa idade, minha carreira, achei que não fazia sentido", conta. "Mas aí pensei melhor, me matriculei num cursinho, fui adorando estudar e foi dando mais vontade de entrar para a faculdade."

Ana Claudia passou no vestibular em 2012 e formou-se no final de 2019. Nos últimos dois anos, fez o internato, período final do curso, dando expediente no Hospital Geral de Carapicuíba, na Grande São Paulo, do SUS (Sistema Único de Saúde).

Em 2020, já formada, decidiu se concentrar nos estudos para as provas de seleção para residência em clínica médica.

Agora, com a pandemia de Covid-19, colocou-se à disposição novamente do hospital em que trabalhava. "Não sou especializada, mas posso ajudar. Conversei com minha professora e ela disse que, se precisar, me chama", conta

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"Prefiro tratar gente humilde"

Ana Claudia acredita que pode ser útil para aumentar o contingente na briga contra o novo coronavírus. "O meu medo — e o que acho que pode acontecer — é que, como os médicos ficam em contato com carga viral mais alta, muitas pessoas que trabalham com isso sejam afastadas. Se precisar ir ajudar, eu vou", afirma.

Ela também voluntariou-se no programa Médicos Sem Fronteiras, para a seção de telemedicina — na quinta-feira (16), foi sancionada uma lei que permite a prática durante a crise causada pelo novo coronavírus.

"Às vezes, não tendo um médico ou estando todos ocupados, posso dar auxílio por telefone, sabendo o que o paciente está sentindo, dizendo se pode internar."

"Melhor médica que eu puder ser"

Dos dois anos que trabalhou como médica no Hospital Geral de Carapicuíba, Ana Claudia diz levar como exemplo a seriedade e o empenho dos profissionais com quem conviveu.

"Eles fazem 110% do que podem e são superespecializados", conta. "Tratam os pacientes como se fosse da família, com seriedade, com ciência, com atenção, como se estivessem trabalhando no hospital mais famoso dos Estados Unidos. Mesmo se pudesse estar num desses, preferiria estar com eles em Carapicuíba e tratando gente humilde."

A médica relembra as vezes em que dava prescrição a pacientes que não tinham condições de comprar remédios. Outra lembrança é a de um homem ferido em um tiroteio que acordou do coma e perguntou se tinha morrido e se ela era um anjo. "Ele falou isso não porque me achou bonita, mas porque ficou intubado e acordou apavorado. Algemado, além de tudo."

Ana Claudia sabe que conviveu com a realidade da maior parte da população do país. "Por isso vou ser a melhor médica que eu puder. Tenho um dever por ter tido condições de fazer faculdade mais velha e de ter gente para ajudar com meus dois filhos enquanto eu estudava."

Eduardo Anizelli/Folhapress Eduardo Anizelli/Folhapress

"Projeto do SUS é perfeito"

"No geral o projeto do SUS é perfeito, maravilhoso, se você ler as diretrizes, se ler o projeto", diz Ana. "Só que é muito difícil de aplicar em um país tão grande e com tantas diferenças. Há dificuldades de administração mesmo", avalia.

"Imagina agora, com a situação que estamos vivendo. Temos um sistema único de saúde. Uma pessoa doente poder entrar no hospital e ser atendida gratuitamente é uma coisa que não acontece em vários países."

Sobre o trabalho do governo brasileiro no combate à doença, ela elogia o ministro recém-demitido, Luiz Henrique Mandetta, e o trabalho da equipe dele da área da saúde. "Ele é muito sério, me lembra os professores que admiro. Pensa sempre na ciência primeiro, e isso é o que aprendemos com os melhores: não pode ter achismo, tem que ter evidência científica. Ele fazia o Ministério agir em cima disso."

Ana Claudia lamenta, porém, que a pandemia tenha virado queda de braço política. "É uma pena. O presidente [Jair Bolsonaro] deveria ter se alinhado com ele [Mandetta]. A população estava ouvindo o Ministério da Saúde, teve a pesquisa Datafolha mostrando que tinha 76% de aprovação. Acho que, na hora que bate o medo, a gente sabe quem deve ser seguido."

Reprodução Instagram

Ser mãe é sentir culpa

Se for chamada para trabalhar no hospital durante a pandemia, Ana vai tomar algumas medidas de segurança em relação aos familiares, principalmente o pai e as sogras que, pela idade, fazem parte do grupo de risco. "Mas das crianças não consigo ficar longe", diz, sobre os dois filhos, Yolanda, 3, e Santiago, 1 ano e oito meses.

Já diz ter pesadelos ao imaginar como será ficar longe de ambos durante a residência, que pode lhe tomar até 12 horas por dia de trabalho. Culpa essa, aliás, que a acompanhou inclusive durante a faculdade.

"Dói porque dá saudade, e ao mesmo tempo eles precisam de mim. Aí eu penso: 'Será que não estou sendo egoísta pensando na minha carreira?' Falo sobre isso e as pessoas me dizem que eles vão me admirar por fazer o que quero fazer", diz — ainda em dúvida se consegue ou não acreditar no que "as pessoas" lhe dizem.

"Aí tirei esse ano para estudar e ficar com eles. Mas agora, sem escola, a convivência está mais intensa e eu já fico preocupada porque eles estão se acostumando com a mãe sempre por perto", desabafa. "A maternidade é uma viagem de culpa para sempre."

Reprodução Instagram

Marido na CNN, no lugar de Gabi Priolli: "Quero pular na TV"

Ana é casada com o advogado criminalista Augusto de Arruda Botelho desde 2015. Botelho foi o nome escolhido para substituir a advogada Gabriela Prioli no programa "O Grande Debate", da CNN Brasil, e, agora, divide a bancada com Caio Copolla.

Nas redes sociais deles, chamegos e elogios entre um e outro são bastante comuns. "Tenho muito orgulho dele. Quando ele falou do convite, do desafio, eu pensei na hora: não tem pessoa melhor para fazer isso", lembra.

"Mas eu fico tensa assistindo, não dá para ver todo dia. Fico nervosa. Ainda mais agora, nesse momento, que os temas são voltados para a saúde. Fico dizendo: 'Fala isso, fala aquilo'. A vontade é pular dentro da televisão."

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