CEO de corpo e alma

Líder da Weleda começou em balcão de farmácia, não se vê como executiva-padrão e deixa casa para marido cuidar

Cláudia de Castro Lima Colaboração para Universa

Certo dia, há quase 15 anos, a executiva Maria Claudia Villaboim Pontes foi convocada para uma reunião após a empresa em que era diretora comercial ter sido comprada por uma grande farmacêutica. Todos os acionistas e altos executivos de ambas as companhias estavam lá e foram acomodados em uma grande mesa.

Todos, menos ela.

Excluída e sentada no fundo da sala, ela ainda ouviu um dos acionistas dizer: "Fico feliz de saber que nossa empresa agora tem gerentes mulheres". "Eu era diretora. Diretora!", lembra Maria Claudia, uma das maiores especialistas em genéricos do país. Em poucos minutos, ela percebeu que estava no lugar errado. Não que nunca tivesse passado por um episódio de machismo. Mas, àquela altura, decidiu que não seria mais desrespeitada daquela forma.

Formada em farmácia pela Universidade de São Paulo, Maria Claudia começou sua carreira como balconista de drogaria e passou por empresas como Natura e Haarmann & Reimer (hoje Symrise). Desenvolveu a hoje prestigiada área de dermocosméticos da Biosintética. Foi lá que se envolveu com os genéricos e criou a primeira linha de medicamentos do tipo para pressão alta do país. Teve uma longa passagem pela Sanofi-Aventis e, na Medley, fez o turnaround da operação brasileira.

Até que se encantou pela filosofia da Weleda, uma empresa antroposófica, que se baseia na ideia de que nossa saúde depende de uma relação harmoniosa entre corpo, mente e espírito. Hoje CEO da Weleda América Latina, Maria Claudia diz que está longe do estereótipo da executiva. Espontânea e divertida, ela conta que gosta de manter a autenticidade.

Profissionalmente, conseguiu conciliar sua experiência com suas convicções. A operação brasileira da Weleda é a única do mundo que tem como carro-chefe sua área de fármaco, e não a de cosmética, e os medicamentos antroposóficos não são sintéticos; são 100% obtidos da natureza. "Achei que seria muito injusto e egoísta esses produtos ficarem restritos à comunidade antroposófica."

Os resultados vêm aparecendo. O faturamento bruto da Weleda aqui é de R$ 75 milhões e cresce 11% ao ano. Desde 2016, quando Maria Claudia assumiu, o crescimento tem sido de 15%. Tem hoje 170 funcionários - e 60% da liderança é feminina.

Lucas/UOL

3 dicas para mulheres que querem ser chefes

Não deixe que ninguém imponha limites a você. O seu pensar se materializa porque está permeado em suas ações, por isso buscar se entender é essencial.

Sobre o ensinamento da antroposofia

Dinheiro não pode ser seu motivador inicial, e sim encontrar seu lugar no mundo. É meio clichê? É. Mas alguns clichês são verdade.

Sobre achar um propósito

É preciso entregar o que você se comprometeu a fazer. Se não tem o conhecimento necessário, busque adquirir ou procure pessoas que possam ajudá-la.

Sobre ganhar confiança dos seus pares e superiores

Você é formada em farmácia, mas sua carreira começou no balcão de uma drogaria, não fazendo análises. Por quê?

Eu, no laboratório, era uma tragédia. A manga do jaleco batia nas coisas, não sabia fazer as pesquisas. Comecei a buscar estágios, mas não era cientista: não trabalhava em laboratório, não gostava de controle de qualidade, garantia, produção, achava tudo burocrático. Fiz uma entrevista na Colgate-Palmolive, fui superbem, mas não me escolheram. Pedi feedback e disseram que gostaram de mim para a área de marketing. Não sabia nem o que era, mas pensei em ir. Só que a reitora não aceitou como estágio porque não era técnico. Fui estagiar onde consegui: uma farmácia na rua dos Pinheiros [em São Paulo]. Ficava no balcão, atendia gente, passava espanador, bem nada a ver. Só depois de algumas tentativas consegui estágio na Natura.

Você teve experiências com perfumaria, mas acabou indo para as farmacêuticas. Como foi essa trajetória?

Amo perfumaria e fragrância, tenho um nariz ainda bom para identificação. Recebi um convite para a Biosintética porque precisavam de alguém com experiência em cosmético para fazer uma área de novos produtos. Entrei nessa aventura e lancei uma linha famosa de água termal, além de uma toxina botulínica. Numa das vezes em que fui para a França a trabalho, soube sobre esse produto e literalmente bati na porta da empresa que o produzia, me apresentei e falei que gostaria de licenciá-lo para o Brasil. Essa audácia foi um marco na minha vida. Trabalhava nesse lançamento quando meu chefe disse que, como eu estava indo bem, ele queria me dar "um negociozinho": era para estruturar a área de genérico.

Isso foi logo no começo na implementação da política do genérico no país?

Sim, a gente nem sabia o que seria aquilo, mas parecia bacana.

Pensei que era minha chance, porque era uma oportunidade de ajudar a mudar alguma coisa no nosso país, permitir acesso das pessoas aos medicamentos.

Sem nenhum tipo de demagogia, foi o que, de fato, me motivou. Agarrei isso como um projeto de vida. E aí você sabe o que aconteceu com o genérico: teve apoio do governo FHC [Fernando Henrique Cardoso], era o projeto social do [então ministro da Saude] José Serra. A Biosintética acabou sendo a terceira maior empresa de genéricos do mercado, líder absoluta em genéricos de uso crônico.

Lucas Seixas/UOL Lucas Seixas/UOL

Como era ser mulher numa farmacêutica há 15, 20 anos?

Sempre precisei de duas premissas básicas para trabalhar: liberdade e ética. Mas certa vez, quando uma empresa em que trabalhava foi comprada por uma farmacêutica grande, cheguei para uma reunião e tinha uma mesa grande com os três acionistas, toda a diretoria, e para mim não tinha nem cadeira - e eu era diretora de genéricos e diretora comercial, tinha 70% do negócio na minha mão. Sentei lá atrás, apresentaram alguma coisa e um acionista fala assim: "Fico muito feliz de ver que agora temos mulheres como gerentes". Eu era diretora. Diretora!

Pensei: aqui não é a empresa que eu quero ficar. Tinha 35 anos, fiquei seis meses e comecei a conversar com o mercado.

Foi a única situação de machismo que você sofreu?

Não exatamente. Outra vez, quando eu trabalhava em outra grande farmacêutica, compramos uma grande companhia do setor. O caminho óbvio era eu assumir a empresa. Mas você foi para lá para ser presidente, Cláudia? Porque eu não fui. Mais tarde, o presidente que foi escolhido saiu e, em vez de me chamarem, foram buscar um executivo fora do país. Fiquei p. da vida: um executivo de fora para tocar genérico no Brasil? Eu pergunto: é o tal do preconceito velado? Por que não me chamaram? Talvez porque Maria Claudia tenha 1,50 m, seja um pouquinho gorda, tenha filho? Nunca ninguém me falou isso, mas...

Mas é o que você pensa que foi o verdadeiro motivo.

Penso e vou avançar um pouco mais. Pensei: não tenho experiência comercial, ok, mas faço muito bem a parte de novos negócios. Só que veio esse executivo e a empresa quebrou. O mercado brasileiro não é fácil para quem conhece, e o cara veio da Europa. Chamaram então um terceiro homem, que não entendia de genérico. Precisava de um braço direito e quem ele convida? A mim. Ele me disse que me prepararia para ser presidente da empresa, mas depois descobri que tinha prometido isso para outros executivos. Hoje é uma mulher que preside essa empresa. Não a conheço, mas sempre penso que era para ter sido eu.

Você sempre trabalhou demais, muitas horas, e tem um filho pequeno. Como se organizava?

Meu marido ficava em casa para cuidar dele. Se a mulher não tem uma rede, pode ser marido, babá, mãe, cunhada ou sogra, é muito difícil. Coitada da mulher que não tem com quem deixar o filho. Para mim, a principal barreira, o teto de vidro, é essa estrutura, porque ela que permite à mulher se desenvolver na carreira.

Eu ganho muito mais do que o meu marido - fui eu quem pagou a minha aliança de casamento [risos].

Ele tem 63 anos, é mais velho que eu e já tinha tido uma carreira. Então pôde ficar em casa curtindo o filho, coisa que não conseguiu fazer em relação ao primeiro filho dele, que tem hoje 30 anos.

Você foi para a Weleda em 2016. Que fatores influenciaram sua escolha?

Quando se tem filho, tudo muda, ele passa a ser prioridade. Eu viajava muito, muito a trabalho e nunca gostei de voar. Uma vez, em 2012, o avião teve uma turbulência e eu entendi que as máscaras iam cair. Tive uma crise de pânico. Falei: não quero mais viajar, chega, como vou deixar meu filho órfão? No ano seguinte, tive uma diverticulite, fui internada e pensei que iria morrer se continuasse com aquela vida. Já estava decidida a mudar e surgiu a oportunidade da Weleda. Fui para a Suíça conhecer a sede e fiquei encantada. Pensei: como uma empresa dessas existe e é tão pequena? Sua história é linda e soava como tudo em que eu acreditava: espiritualizada, com propósito e uma filosofia por trás. Era minha nova missão.

Qual sua intenção ao assumir a Weleda no país?

Vim com a missão de fazer ela crescer. Quando vi a configuração, pensei que não queria investir em cosmético, e sim em fármaco, medicamento. Porque a proposta de valor da Weleda é maravilhosa, os médicos antroposóficos amam os produtos e seria muito injusto e egoísta eu deixá-los só para a comunidade antroposófica. Foi uma decisão fora da caixa: o Brasil é o único país em que isso acontece. Crescemos devagarinho, 15% ao ano. Quero que em cinco anos a Weleda se torne uma das melhores empresas para se trabalhar e que dite um capitalismo consciente, uma consciência de consumo e de responsabilidade não só ambiental, mas social e econômica. Somos signatários de projetos de comércio justo. Se meu fornecedor perde a plantação, eu vou lá e pago. Quem faz isso? Tenho que perpetuar essa empresa.

E como a empresa enfrentou a pandemia? Muita gente procurando o Ansiodoron, o medicamento natural da Weleda para combater a ansiedade?

Em março tivemos pico de venda. Não é surpresa para ninguém que nossa saúde mental está muito prejudicada. Promovemos seminários online com psicólogos e médicos antroposóficos, além de meditação, para mostrar o quanto é importante olharmos para nós mesmos, porque a pessoa mais importante do mundo é você mesmo - e a gente não é treinado para pensar assim. Agora que essa é nossa única saída, estamos adoecendo mentalmente. E isso tem consequências como insônia, depressão, variação de humor, tudo que é patologia emocional. A Weleda entende que o ser humano é mais que material. O Ansiodoron não é só para combater o receptor de nada. Ele dá integralidade para trabalhar nos diversos corpos que temos e ajuda a equilibrá-los.

Você precisou dele para enfrentar a pandemia?

Vou te falar que não. Eu moro em Vinhedo [interior de São Paulo] e me mudei há dois anos para uma chácara com quadra de esportes com meu filho, meu marido e quatro cachorros adotados. Antes, ia para a Weleda em São Paulo quatro vezes por semana, ficava três horas por dia no trânsito. Hoje eu acordo, meu filho estuda, eu trabalho, almoçamos os três juntos.

Não sabia cozinhar e agora aprendi. Trabalho até 17h30, dou umas voltas na quadra, tomo meu banho, vamos jantar e vemos um filme juntos, e com os cachorros. Estou amando essa rotina.

E já estabeleci política de home office três vezes por semana para o pessoal de escritório para depois da pandemia. Isso é qualidade de vida.

Como você definiria seu estilo de ser e de gestão?

Sou espontânea. Tenho consciência de que não sou aquela executiva-padrão. Desde meu vestuário: não sou vaidosa, embora quisesse ser, tenho falhas no cabelo, estou gorda - e adoro comer. Tento ser conciliadora porque não gosto de agressividade, mas falo o que ter que ser falado. E nunca vou ser desonesta, ao contrário. Espere sempre de mim sinceridade, transparência e autenticidade.

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