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Estilista cria coleção com roupas que trazem cicatrizes de pessoas LGBTQIA+

Peça da coleção "Marca Visível", do estilista baiano Isaac Silva Imagem: Divulgação

Eduardo Almeida

Colaboração para Universa, de Fortaleza (CE)

12/05/2022 04h00

Renata Peron, Amanda e Kad Santos são mulheres trans que carregam sinais de agressões físicas no corpo. Ray, pessoa não binária, tem cicatrizes de automutilação. Já Bernardo Gael, homem trans, traz marcas da remoção das mamas, e Wesley, homem gay, cicatrizes da infância. Não importa a origem, todas essas marcas e histórias têm algo em comum: são de pessoas LGBTQIA+ e agora fazem parte da nova coleção do estilista baiano Isaac Silva,

O estilista Isaac Silva. Imagem: O estilista Isaac Silva

Lançada no fim de abril, a coleção intitulada "Marca Visível" foi toda confeccionada na cor branca para que o foco estivesse nas cicatrizes e na história por trás de cada uma delas. Para conectar as pessoas com as roupas, cada peça possui um chip NFC que, ao aproximar o celular, leva a um site onde estão disponíveis fotos, informações sobre os personagens e narrações deles próprios sobre suas vivências.

Quando 'tiramos' essas cicatrizes da pele e transformamos em marca de roupa, nós estamos mandando uma mensagem para todas as pessoas que existe uma rede de apoio, que existe amor e acolhimento, que estamos todos juntos nessa
Isaac Silva, estilista

A escolha do tema para a coleção joga foco no debate da violência contra pessoas LGBTQIA+ no país. Segundo dados do levantamento "Mortes Violentas de LGBT+ no Brasil", balanço divulgado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), ao menos 300 pessoas deste grupo foram vítimas de mortes violentas em 2021, um aumento de 8% em comparação com o ano anterior. Com esse índice, o Brasil continua sendo o país mais letal para pessoas LGBTI+, com um óbito a cada 29 horas.

Ressignificação da realidade

Ativista conhecida em São Paulo, e nascida em João Pessoa (PB), Renata Peron, 45 anos, ganhou cicatrizes depois de ela e um amigo serem agredidos por um grupo de homens em 2007. A ação dos agressores, rápida e violenta, provocou uma hemorragia interna que a fez perder um dos rins e, consequentemente, deixou uma marca no corpo para toda a vida. "Passei seis meses me tratando, mais um ano me trabalhando o psicológico para superar esse trauma", explica.

Peça da coleção Marca Visível, do estilista Isaac Silva Imagem: Divulgação

A agressão que "ficou na alma", como ela conta, também a motivou para o ativismo quando percebeu que seus agressores não seriam punidos. Renata criou, então, a ONG CAIS (Centro de Apoio e Inclusão Social de Travestis e Transexuais), entidade responsável pela caminhada no Dia da Visibilidade Trans, em 29 de janeiro. Além do trabalho em prol da população trans, Renata é assistente social e diretora de uma divisão da Secretaria Municipal de Esportes e Lazer da Prefeitura da Cidade de São Paulo.

Foi a maneira que encontrei de ressignificar essa agressão. Frustrada por não ter resolvido o meu problema e lutando pra que esse tipo de coisa não aconteça com outras
Renata Peron, assistente social

Toda a renda da coleção de Isaac Silva será destinada para a Casa Neon Cunha, organização que presta serviços à comunidade LGBTQIA+ no Grande ABC, região metropolitana de São Paulo.

Orgulho da mudança

De Natal (RN), o programador Bernardo Gael, 29, é um homem trans que tem uma outra relação com a cicatriz que adquiriu depois de uma mamoplastia masculinizadora (retirada da glândula mamária e o reposicionamento da aréola), que realizou em julho de 2021, pelo SUS (Sistema Único de Saúde).

"Foi o momento mais importante que vivi até hoje", diz. Para ele, a marca representa liberdade. "No mesmo lugar do meu corpo onde existia algo que me impedia de caminhar, hoje existe uma marca que me lembra que eu posso correr", conta.

Com o sonho da mamoplastia em dia, agora Gael se sente pronto para seguir em busca dos próximos. E contar toda esta história por meio das roupas de Isaac Silva é um passo importante para seguir no processo de conquistas.

Existia em mim, e acredito que em muitas pessoas trans possa existir, uma busca inconsciente pelo 'modelo cis'. Isso gerava aflições, como o medo de ter uma cicatriz ou dessa marca não ficar esteticamente boa. Hoje vejo que era uma bobagem porque o corpo trans é lindo da forma que é, com ou sem marcas, dentro das nossas adequações, mentais e físicas
Bernardo Gael Penha, 29, programador

Para alguns, a cicatriz remete à liberdade de seus corpos, para outros a lembrança de terem tido seus corpos violados. Para a profissional de saúde mental Thamires Aquino, ao mudarmos nosso olhar sobre essa mesma cicatriz, tudo se transforma. "Nesse processo de cicatrização e elaboração, as marcas se tornam símbolo de força, luta e resistência", diz. "É extremamente relevante respeitarmos a singularidade e a subjetividade de cada sujeito, mesmo dentro de um mesmo grupo", completa.

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