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Positividade tóxica: querer apenas boas energias pode ser "namastreta"

Não escutar reclamações de seus amigos porque "não quer energias negativas" pode estar te tornando menos empático Imagem: iStock

Natália Eiras

De Universa

06/09/2019 04h00

"Gratiluz." "Apenas boas energias." Nas redes sociais, essas frases se tornaram as hashtags que dão a tônica da vida que muita gente leva ou quer levar fora do Instagram e do Facebook, livre dos maus sentimentos e de "gente que não soma". A busca por uma existência com os melhores sorrisos e fotos bonitas. De repente, expressar irritação, nervoso ou aborrecimento não rende likes nem pega bem na mesa do bar. É nesse limite que o "namastê" pode se tornar "namastreta": uma onda que prega libertação das sensações ruins mas nos torna, pouco a pouco, menos empáticos.

Positividade tóxica é um termo que também se popularizou nas redes sociais e que, de acordo com especialistas, faz sentido em um mundo que se esquece que a vida é feita de altos e baixos. "Olhar para o lado positivo de uma situação é uma ideia que tem se difundido na internet e, em certos momentos, acaba se tornando um extremo. Ser positivo não é ignorar os problemas que existem, mas sim conseguir vislumbrar, mesmo em situações complicadas, saídas melhores e conseguir observar aquela situação a partir de outras perspectivas. Não é lidar apenas e exclusivamente com as coisas positivas do mundo, porque a vida não é assim", fala Yuri Busin, psicólogo especializado em terapia cognitivo-comportamental. "O ponto-chave é saber lidar com as oscilações da vida."

Vanessa Joda criou a escola Yoga Para Todos por não concordar com "rolê gratiluz" Imagem: Reprodução/Instagram/@vanjoda

Vanessa Joda é militante gorda e criadora da escola Yoga para Todos, em São Paulo (SP). Ela deixa claro que, apesar de ser professora da prática milenar, não é Buda. "Continuo sendo ser humano, cometendo erros e falando palavrão", diz, em entrevista para Universa.

Ela criou a escola para acolher pessoas que não se sentiam muito confortáveis no "rolê gratiluz", como diz. "Existe um recorte de classe muito forte entre os praticantes de ioga, que costumam ser de uma classe mais alta, e majoritariamente brancos. Pessoas gordas como eu, negras ou de classe baixa podem não se sentir à vontade."

Uma das situações que mais a incomodava em outras escolas era a filosofia "good vibes only" ("só boas energias"). "Quem está dizendo que bem-estar é ignorar completamente as coisas ruins não está entendendo muito bem o que é positividade. A ioga fala de se conhecer, não de destruir o seu ego. É para você conhecer seu lado positivo e negativo e saber equilibrar tudo isso. Porque os seus defeitos e sentimentos negativos não são coisas que vão simplesmente sumir de você. Não dá para ignorá-los, temos que lidar com eles."

A positividade tóxica, embora domine as redes sociais, não surgiu ali. O livro "O Segredo", de Rhonda Byrne, ainda é um best-seller 13 anos depois de seu lançamento porque vende uma fórmula mágica para conseguir alcançar seus objetivos: pensar positivo.

O que fez Vanessa perceber o engodo no conceito "pensamentos positivos são a solução para tudo" foi a vivência com a gordofobia. "A gente não consegue comprar roupa, sentar-se no metrô. Como assim a minha vida vai melhorar se eu apenas pensar em coisas boas? Além do que, essa filosofia culpabiliza a pessoa gorda. Eu mesma não sou gorda porque quero, não é porque não tive forças para emagrecer. É porque sou assim. Dizer que sou como sou porque 'não pensei positivo o bastante' é excludente, radical e não está certo."

Positividade pouco empática

Yuri Busin pensa que ser uma pessoa positiva não faz mal algum. "É muitíssimo benéfico, é uma perspectiva de vida muito valiosa, mas ela não pode nos cegar." O perigo mora no exagero. "Quando ignoramos uma questão problemática, ela tende a crescer e a explodir. Uma pessoa que simplesmente não quer olhar algo que precisa resolver pode sofrer muito mais com isso lá na frente", afirma.

Em uma tentativa de tentar "bloquear" qualquer energia negativa, você deixa de escutar as pessoas ao seu redor. "Quando um amigo seu pede para conversar contigo para reclamar do trabalho e você se nega a escutá-lo para não ter essa 'carga negativa' sobre si, soa como falta de empatia. E, se você é pouco empático, você não está sendo nem um pouco positivo, mas sim ignorando os sentimentos de uma pessoa", diz Busin.

Vanessa Joda percebe isso quando, ao falar sobre o preconceito que sofre no dia a dia, colegas de tapete de ioga dizem que "isso não existe", ou que "é só ignorar essas situações negativas". "Ao lidar dessa forma, você está dizendo que o que aquela pessoa vive não importa, que a vivência dela é invisível. Isso é muito doloroso." Yuri Busin complementa: diz que esse tipo de postura é completamente o contrário do que a psicologia positiva afirma ser bom para o ser humano. "Muitas vezes ela não quer uma solução, mas apenas desabafar."

Para evitar cair nessa armadilha, faça uma autorreflexão: perceba se você está realmente escutando o que o outro tem a dizer, e se está dando importância para o que ele sente. "Oferecer um ombro amigo, ter uma escuta ativa, é fazer uma boa ação. Isso sim é positividade."

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