Homem não nega fogo? Essa crença pode ser uma prisão e atrapalhar o sexo
Helena Bertho
do UOL
19/10/2017 04h00
Se você é homem, provavelmente já ouviu que "homem que é homem, nunca nega sexo". Ou então que "está sempre disposto para transar", porque isso seria da natureza masculina. Mas, na verdade, isso é apenas uma construção social. Inclusive, segundo especialistas, essa crença é responsável pela maior parte das disfunções eréteis.
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É pressão demais
Para o auxiliar de laboratório Joseildo Domingos, 29, essa ideia é um grande incômodo. "Acho muito ruim quando a mulher pensa que temos que ser assim. Não sou uma máquina. Ter passado isso com a minha ex, essa pressão para estar sempre pronto, afetava muito meu desempenho. Não consigo reagir sob pressão", conta ele.
O sexólogo João Borzino, autor do livro "Nem Sapo, muito menos príncipe", explica que isso é comum. "Quando se fala em disfunção sexual erétil, todo mundo pensa na esfera orgânica. Mas, na verdade, a maior parte dos problemas masculinos estão ligados à ansiedade pelo desempenho na cama".
E não só as mulheres cobram dos homens a prontidão na cama, mas toda a sociedade. "Vem de todos os lados. Na conversa de bar, ele está sempre querendo se gabar de ser o alfa, o macho caçador", explica Borzino.
João*, 23, recentemente decidiu assumir para si e para os outros que às vezes não está afim de transar e com frequência é julgado pelos amigos. "Por não fazer a linha 'hétero padrão', às vezes perguntam se sou gay". É comum que essa visão da masculinidade ligada ao desempenho sexual ande junto da homofobia, quando se considera que ser gay é uma ofensa.
Homem pode não estar afim
O tesão e o prazer não estão ligados apenas aos hormônios e questões físicas, mas são influenciados por diversos outros fatores. "Outras esferas influenciam isso, o relacionamento, o emocional, o trabalho e até os fatores socioculturais", explica Borzino. Às vezes a química com a mulher não é boa, ou o momento não é adequado, e tudo bem o homem não querer transar.
"Tem dia que você está disposto a transar, cheio de vontade, tem dia que não. Quando ela quer, eu não, eu falo que não estou afim", conta o estudante Arnaldo*, 24. Ele diz que sua namorada está aprendendo a aceitar isso.
Para a especialista em terapia da sexualidade e diretora do InpaSex, Carla Zéglio, não se sentir obrigado é libertador tanto para os homens, quanto para as mulheres que se relacionam com eles. "Se ele não se obrigar, não tem a ansiedade que gera adrenalina e impede a ereção e pode até ser que acabe rolando", diz.
Ela reforça também que quando o homem entende que não tem a obrigação de transar, ele passa a entender que a mulher também não tem a obrigação de estar disponível e isso melhora a relação e diminui a violência.
É uma crença que não faz mais sentido
E quando foi que surgiu essa ideia do homem que não nega fogo? Segundo os especialistas, isso vem do início da história da humanidade, quando era necessário reproduzir para manter a espécie. "Lá nos primórdios da humanidade, existia a necessidade de que os homens tivessem relação com várias mulheres", explica Carla Zéglio.
Já a ideia contrária, de que a mulher tem que se guardar, surgiu posteriormente, quando a propriedade privada passou a existir. "O homem precisava saber se o filho era seu", explica João Borzino, pois a descendência determinava o destino da herança dos bens.
No entanto, a sociedade já mudou muito. Métodos contraceptivos foram criados e a população cresceu. "A gente não precisa mais de gente para povoar o mundo, o sexo não é mais para isso. O sexo hoje é por prazer, qualidade de vida, se aproximar da parceira, tem outras funções e a última delas é procriar", diz Carla. E completa: "os homens que conseguem admitir que não estão prontos, eles são os verdadeiros homens que estão participando do processo de mudança social e relacional".